Questões sobre a saúde mental da juventude LGBT+

Junho é o mês em que a temática LGBTQIA+ ganha destaque. Vamos abordar questões importantes relacionados à saúde mental da juventude LGBT.

Junho é o mês em que a temática LGBTQIA+ ganha destaque. Por isso, vamos abordar um pouco sobre contextos e questões importantes relacionados à saúde mental da juventude LGBT a partir dos dados de um artigo publicado no Annual Review of Clinical Psychology em 2016. Apesar de ser um pouco mais antigo, este trabalho faz uma extensa revisão sobre alguns pontos que merecem ser debatidos.

saúde mental da população LGBTQI+

A sexualidade

Primeiro, devemos considerar a sexualidade como uma construção feita a partir de várias dimensões, que envolvem não apenas o gênero, mas também a expressão corporal, a autoimagem, os valores, a expressão física, a comunicação, etc. Também precisamos entender as diferenças entre sexo biológico, expressão sexual, atração sexual e identidade sexual. O sexo biológico é aquele geneticamente determinado. A expressão sexual é a forma pela qual o indivíduo se expressa e não necessariamente se correlaciona com a identidade ou atração sexual. A identidade sexual, por sua vez, diz respeito a como o indivíduo se sente, enquanto a atração se refere ao que o atrai, seja de forma romântica, como no contexto sexual.

Diante disso, pode-se entender o acrônimo LGBTQIA+ para se referir justamente às populações para quem as questões de atração, identidade e expressão sexual adotam uma importância significativa.

Leia também: Como profissionais de saúde podem evitar reproduzir a LGBTIA+fobia?

A discussão desse tema vem evoluindo ao longo dos anos e começou a ganhar mais destaque a partir da década de 1970 com o surgimento de movimentos pelos direitos dos homossexuais, num momento em que também há a retirada da homossexualidade do DSM (1973). Poucos anos depois, na década de 1980, observou-se toda a repercussão e as consequências do surgimento da pandemia de HIV/SIDA. Entretanto, nos anos 2000, vários países começam a reconhecer as uniões homoafetivas. Ou seja, a população LGBTQIA+ encarou importantes mudanças sociais, na atitude pública e também no meio clínico, científico e acadêmico. Infelizmente ainda há uma carência de estudos sobre algumas dessas identidades. Por isso muitas das análises feitas no trabalho de referência acabam se limitando mais à saúde mental de jovens LGB.

Saúde mental

Assim como ao longo dos anos a aceitação social da comunidade LGB vêm aumentando, a idade com que os jovens assumem sua identidade, atração e preferência sexual vem diminuindo. Isso tem gerado muita preocupação em relação à saúde mental desse grupo, visto que a adolescência – principalmente nos seus primeiros anos – é muito marcada por mecanismos de regulação internos e externos (dos colegas e da comunidade, por exemplo). Essa regulação é especialmente forte no que diz respeito à sexualidade e ao gênero. Por isso, trata-se de um momento muito sensível em relação às posturas preconceituosas e discriminatórias, que podem desencadear mecanismos de exclusão. Ou seja, muitos se assumem numa fase na qual podem estar mais sujeitos a avaliações negativas sem que ainda não tenham necessariamente desenvolvido recursos que as pessoas um pouco mais velhas já possuem para interpretar e lidar com essas ações.

Há também teorias que propõem que as minorias sexuais estão sujeitas a estressores específicos. Tais estressores podem ser externos (ex: discriminação), internos (ex: internalização da homofobia) ou reativa / relacionada à expectativa de que algo negativo lhe aconteça. Quando isso se soma aos estressores normais que as pessoas são normalmente expostas em suas vidas, acaba havendo um comprometimento desproporcional da saúde mental deste grupo.

A resposta a tais estressores influência na saúde mental dos envolvidos, sendo também determinada por recursos individuais (ex: mecanismos de coping e estratégias de regulação emocional). Conforme a estrutura individual e as características dos recursos utilizados, a resposta aos estressores pode ser mais ou menos adaptativa. Isso deve ser especialmente considerado durante a adolescência que, além de tudo, é um período no qual muitas pessoas (independentemente dos fatores ligados ao gênero e sexualidade) já começam a apresentar transtornos mentais.

Trazendo isso para o contexto LGB, estudos com adultos desta comunidade sugerem que, em diversos casos, os transtornos mentais se iniciaram justamente na adolescência. Enquanto outros trabalhos indicam que os jovens LGB possuem maiores índices de sofrimento emocional, comportamentos disfuncionais, sintomas ansiosos ou relacionados ao humor, ideação e/ou comportamento suicida quando comparados à população heterossexual da mesma idade. Outros trabalhos indicam que há maior associação entre tentativas de suicídio e orientação sexual para homossexuais do sexo masculino do que feminino, enquanto os bissexuais apresentariam um aumento de risco para sua saúde mental quando comparados à hétero ou homossexuais exclusivos. Ainda assim, faltam mais estudos para avaliar outros tópicos importantes não só comparando essa população com heterossexuais, como analisando as variações dentro do próprio grupo (por exemplo, como é essa vivência em diferentes grupos étnicos e culturais, como negros ou asiáticos).

Há outros tópicos a serem avaliados em termos de fatores de risco ou de proteção para a saúde mental dos jovens LGB. Eles podem ser divididos em fatores pessoais, na relação com as outras pessoas e em fatores sociais ou institucionais. Começando pela esfera pessoal, podemos entender que os recursos internos já mencionados (como estratégias de coping, mecanismos de regulação emocional e características inatas) podem fazer com que a reação a certos estímulos seja considerada como melhor ou pior. Por exemplo, alguns jovens podem sentir-se um peso para as pessoas que lhe são importantes, o que poderia ter relação com o desenvolvimento de quadros depressivos e/ou ideação suicida. No entanto, um ponto defendido como possivelmente protetor para a saúde mental desses jovens é bastante delicado e diz respeito a assumir suas identidade, atração e expressão sexual. Embora este possa ser um processo difícil, em que se pese o maior risco de sofrer ofensas e até de perder amizades, pode ter um efeito benéfico em termos de ajustamento, principalmente quando acompanhado do suporte familiar. Entretanto, este é um tópico delicado e deve ser avaliado com sensibilidade, ponderando as circunstâncias relacionadas.

Já na esfera interpessoal (ou seja, na relação com outras pessoas) os principais pontos que merecem destaque por comprometerem a saúde mental são o preconceito, a vitimização, o bullying e o medo da rejeição. Embora alguns comportamentos possam diminuir com a idade, como é o caso do bullying, alguns trabalhos demonstram que tal diminuição é menor para gays e bissexuais do que para heterossexuais. Isso significa que a população LGB pode ficar vulnerável por mais tempo a comportamentos (tanto ao vivo, como pela internet) que interferem no seu bem-estar emocional. Já a rejeição pode ter consequências e repercussões muito duras, chegando ao extremo de alguns jovens ficarem até mesmo desabrigados. Como resultado, é possível que haja importante sofrimento psicológico que pode ser acompanhado de problemas na saúde mental, cuja duração pode perdurar até estágios posteriores do desenvolvimento. Entretanto, o apoio e a aceitação de amigos e familiares (sobretudo, os pais), ter amizade com outras pessoas do grupo LGB ou conseguir manter as amizades que já possuía antes de se assumir são importantes mecanismos protetores para a saúde mental destes jovens.

E, finalmente, chegamos às esferas socioculturais e institucionais, onde a vulnerabilidade também pode ser sentida na falta de apoio. A prática de bullying parece estar relacionada com um aumento da ideação suicida. Apesar disso, ainda são poucas as escolas que adotam medidas anti-bullying. Outro ponto diz respeito às características da própria comunidade em que esse jovem está inserido. Grupos ou comunidades menos inclusivos se relacionam a maiores índices de violência e descriminação quando comparadas com locais onde há mais aceitação. Ambientes escolares e comunidades ou grupos acolhedores e afirmativos, nos quais há orientação sexual e de gênero associados a medidas anti-bullying são protetores. Isso também é válido para locais que desenvolveram políticas voltadas para a população LGB, como currículos inclusivos nas escolas e treinamento de professores e equipes de ensino para a adoção de abordagens empáticas e de medidas de combate ao bullying.

Saiba mais: Acolhimento e o processo de cuidado da população LGBTQIA+

Outro ponto interessante é a promoção de ambientes com menos barreiras para que haja o encontro de parceiros(as). Muitas vezes esses jovens possuem dificuldade para encontrar locais onde possam conhecer pessoas novas, o que pode fazer com que frequentem ambientes onde podem estar mais expostos a outros fatores que se relacionam à saúde mental (como o álcool). O próprio encontro de um parceiro(a) está associado a melhores níveis de saúde mental.

Diante de todos estes dados, percebe-se que para promover e melhorar a saúde mental de jovens LGB devemos discutir e avaliar a legislação, as ações de programas comunitários e as políticas públicas e escolares. Políticas anti-bullying, currículos inclusivos, treinamento de professores e profissionais que lidam com jovens e o desenvolvimento de grupos de alunos para apoio ou debate desta temática (como ligas acadêmicas) ajudariam na promoção do bem-estar desta população.

Orientações para assistência

Entretanto, do ponto de vista clínico, para os profissionais de saúde, embora existam materiais de orientação à abordagem de pacientes LGB, ainda há uma relativa carência de trabalhos focados em jovens LGB. Apesar disso, os autores apresentam alguns pontos importantes no que diz respeito à abordagem:

  • Na presença de um transtorno mental, avaliar sua causa ou aspectos relacionados (ex: vitimização ou rejeição familiar);
  • Alguns estudos sugerem que o uso da técnica de escrita expressiva voltada para o estresse pode melhorar o funcionamento psicossocial – principalmente quando há uma carência de apoio social;
  • Há também indícios de que a terapia cognitivo-comportamental adaptada pode se associar a bons resultados em alguns casos;
  • Outra alternativa diz respeito à educação parental e intervenção familiar: abordagens adaptadas para a terapia de família podem ser benéficas.

No entanto, ainda há muito a ser pesquisado, como os mecanismos e processos psicológicos envolvidos (como abordagens para direcionar respostas cognitivas mal-adaptativas, por exemplo), o impacto da rejeição no funcionamento psicossocial e a interpretação e o peso atribuído aos diferentes estressores.

Muitas mudanças acontecem a todo tempo quando se aborda um assunto tão complexo como a atração, expressão e identidade sexual. Por isso a promoção da saúde mental da população jovem LGBTQIA+ é um dever de múltiplos setores e áreas da sociedade, como professores, médicos, enfermeiros e terapeutas. Procurar manter-se atualizado e aprender a reconhecer os múltiplos mecanismos de estresse que podem se relacionar com uma maior vulnerabilidade é fundamental nesse sentido. Trabalhar a saúde mental dos jovens tem impacto no presente, mas também pode trazer benefícios que irão perdurar por anos.

Referência bibliográfica:

  • Russel ST, Fish JN. Mental Health in Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender (LGBT) Youth. Annu Rev Clin Psychol. 2016 Mar 28; 12: 465–487. doi: 10.1146/annurev-clinpsy-021815-093153

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.