Retrospectiva PEBMED: confira as melhores novidades em medicina de família

O ano passado recebeu muitas novidades em Medicina de Família. Neste artigo traremos as melhores publicações e abordaremos as mudanças ocorridas na área. Saiba mais:

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O ano de 2018 foi marcado por grandes mudanças em publicações referentes à atenção primária, questionando pontos que tratávamos como verdades sólidas até esse ano. Em parceria com a comunidade científica internacional a American Academy of Family Physician (AAFP) selecionou as publicações de maior destaque no ano de 2018 para a medicina de família. Nós aqui do portal selecionamos os 5 destaques dessa lista de maior impacto para a saúde pública no Brasil.

1. PSA de rotina: a recomendação mudou, embora as evidências ainda sejam as mesmas

A U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF) liberou uma nova recomendação sobre o rastreio do câncer de próstata. Três grandes perguntas marcaram 2018 em relação ao câncer de próstata: O que levou a USPSTF a deixar de recomendar o rastreio de rotina com o PSA? Houve algum trial que tenha evidenciado algum novo resultado de diminuição da mortalidade, geral ou específica, em pacientes que realizaram rastreio de neoplasia prostática com PSA? Houve alguma nova revisão sistemática que tenha reavaliado a evidência e tenha encontrado um benefício em relação à mortalidade onde antes não havia sido encontrado?

Para todos os questionamentos a resposta é a mesma: não. O posicionamento final da (AAFP) sobre o tema foi exposto em um editorial que firmou o seguinte posicionamento: A AAFP acredita que o pequeno benefício em alguns subgrupos não justifica o rastreio de rotina de câncer de próstata com PSA para todos os indivíduos; esse posicionamento leva a uma opinião frontalmente divergente da USPSTF, o que normalmente não ocorre.

Disso resulta um manual próprio da AAFP sobre o tema enfatizando os prejuízos e riscos do rastreio de rotina. Para aqueles indivíduos que trazem o tema ao cotidiano da consulta, todos esses aspectos devem ser enfatizados para que haja uma decisão clínica compartilhada e a manifestação clara do paciente de optar pelo rastreio a despeito de seus malefícios.

2. Metas menores de tratamento não são necessariamente melhores para diabetes e hipertensão

A publicação do guideline do oitavo joint de hipertensão em adultos no ano de 2018 trouxe uma redefinição do conceito de hipertensão. Com níveis pressóricos mais baixos (130/80 mmHg) para definir o diagnóstico as implicações em controle e farmacoterapia modificam os não só os alvos terapêuticos mas também quais pacientes serão medicados ou não, a despeito da modificação do estilo de vida.

Nesse mesmo sentido, a American Diabetes Association (ADA) recomendou em diversas publicações ao longo de 2018 algumas metas terapêuticas mais justas em relação a A1C (isso já mudou e você confere nas diretrizes atualizadas da diabetes do ADA 2019), o que pode ser perseguido por muitos dos profissionais que atuam na atenção primária. Mas algumas ponderações merecem ser feitas. Uma tradução livre do parecer oficial da AAFP sobre essa questão é: “Muito prejuízo virá se essa mudança [de definição de hipertensão] for amplamente aceita e implementada, especialmente se a qualidade das medidas que suportam essa definição forem postas em prática.

Danos consequentes de medidas com baixa qualidade, supermedicalização e pontos de corte arbitrários podem facilmente ser maiores que a pequena redução de eventos cardiovasculares encontrados em trials de pessoas com alto risco.” A AAFP segue ainda sobre o diabetes: “ Uma grande parte da aceitação de que ‘quanto menor é melhor’ depende de uma crença falsa de que uma abordagem fisiopatológica para a tomada de decisões está sempre correta. Parece lógico que a redução dos níveis de glicose no sangue para níveis normais não diabéticos, independentemente do risco ou custo, deve resultar em melhores resultados para os pacientes. Mas isso não acontece. Hoje, um paciente mais velho com diabetes tipo 2 tem maior probabilidade de ser hospitalizado por hipoglicemia grave do que por hiperglicemia.”.

3. Para hipertensão moderada com baixo risco cardiovascular malefícios da medicação podem ser maiores que os danos

Mais uma vez a meta pressórica causou discórdia em 2018. Embora a maioria das diretrizes recomende farmacoterapia para valores de pressão considerados até então como hipertensão moderada ou hipertensão estágio 1 (PA sistólica 140-159 mm Hg ou PA diastólica 90-99 mm Hg), quando as modificações de estilo de vida são insuficientes, uma revisão da Biblioteca Cochrane não mostrou benefício ao analisar o desfecho mortalidade por causas cardiovasculares em relação a terapia farmacológica nesse grupo quando comprado ao placebo.

Tempo depois uma metanálise que incluiu pessoas com alto risco cardiovascular acabou por concluir o inverso, porém a falha metodológica de incluir pessoas de alto risco cardiovascular enviesa a análise. Uma coorte retrospectiva publicada no JAMA no final de 2018 buscou evidenciar a questão. A coorte contou com dados de 40 mil indivíduos entre 18 e 74 anos de baixo risco recebendo tratamento farmacológico por pelo menos um ano de diagnóstico comparado com indivíduos sem o diagnóstico no mesmo período e perfil. Consegue prever o resultado? A farmacoterapia foi benéfica? Não. Exatamente isso mesmo, não foi. Não houve nenhuma diferença entre os grupos para os desfechos de mortalidade geral, mortalidade cardiovascular e eventos cardiovasculares.

Se a surpresa parasse por aí, algo além disso ainda foi evidenciado após 5,8 anos de seguimento o grupo intervenção ainda apresentou maior número de hipotensão (número necessário para dano, em inglês number necessery to harm [NNH] = 41 em 10 anos), síncope (NNH = 35), distúrbios hidroeletrolíticos (NNH= 111) e injúria renal aguda (NNH = 91). Talvez seja necessário revermos algumas práticas, não é mesmo? Especialmente quanto à pressão que transferimos ao paciente para adesão de tratamentos sem benefícios e com potenciais prejuízos.

4. Apoiar a saúde dos pacientes fora do consultório aumenta o sucesso em desfechos clínicos

Você já ouviu falar de determinantes sociais de saúde? Não? Não se espante, boa parte das pessoas apenas os conhecem por viver com eles cotidianamente, mas sem tomar consciência do impacto que eles podem na vida dos indivíduos. Falaremos mais sobre isso aqui no portal, fique atento em nossa página e como diria nosso amigo Ned, “prepare-se, o inverno está chegando”. Mas o que isso tem a ver? Isso quer dizer eles, os determinantes sociais, podem influenciar mais a saúde de seus pacientes do que as intervenções que você propõe no consultório. Estranho, mas é isso mesmo.

Desde o estudo clássico White Hall 1 na Inglaterra publicado no The Lancet décadas atrás estudando a mortalidade cardiovascular e seus fatores de risco que conseguimos perceber que aquilo que possuímos gerência é capaz de explicar apenas 1/3 da mortalidade cardiovascular (aqueles clássicos fatores de risco). Ou seja, 2/3 dos adultos sem nenhum fator de risco cardiovascular vão morrer de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e você não vai poder fazer nada sobre isso… esse “motivo” da morte são os tais determinantes sociais de saúde.

Resumidamente, determinantes são aqueles fatores como escolaridade, renda e saneamento básico e são responsáveis pelo adoecimento das pessoas. Na tentativa de tentar modificar parte desses fatores a AAFP iniciou um programa chamado The EveryOne Project baseado na seguinte indagação: “Por que tratar as pessoas e enviá-las de volta às condições que as tornaram doentes?”. O projeto é uma ferramenta aplicável ao nosso cenário nacional para rastreio de necessidades sociais e visa dar mais acesso à determinantes sociais de saúde menos adoecedores. É um desafio, mas é algo que impacta e muito se aplicado ao cenário nacional. Em vez de simplesmente recomendar que um paciente coma melhor e se exercite mais, as equipes de atendimento podem conectar os pacientes a uma horta comunitária local, recursos de exercícios de baixo custo ou grupos de passeio na vizinhança.

Como outro exemplo, saber que um paciente mora em um bairro com moradia antiga pode levar um médico a rastrear proativamente a exposição ao chumbo, com base no risco elevado da comunidade. Talvez um membro da equipe em seu consultório, ou um estudante de enfermagem ou de medicina, possa compilar uma lista de recursos locais onde você atua e juntos tentar contornar esse desafio.

5. A lista de recomendações da iniciativa Choosing Wisely para pacientes ambulatoriais ambulatoriais foi atualizada

O destaque de 2018, especialmente para nós brasileiros, é a lista de recomendações da iniciativa Choosing Wisely. Usando ferramentas como o Choosing Wisely, os médicos de família e aqueles que também atuam na atenção primária podem liderar a mudança e reduzir os cuidados desnecessários que sobrecarregam o SUS, para reduzir custos, melhorar os resultados de saúde e limitar os danos.

Para ajudá-lo a colocar em prática, você pode encontrar a lista de recomendações que a equipe da PEBMED já havia coberto aqui no portal. Aqui você também encontra outras informações de condutas baseadas em evidência e também em nosso aplicativo, o Whitebook, com as melhores diretrizes para decisão clínica.

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Referências:

  • Diao  D, Wright  JM, Cundiff  DK, Gueyffier  F. Pharmacotherapy for mild hypertension. Cochrane Database of Systematic Reviews 2012, Issue 8. Art. No.: CD006742. DOI: 10.1002/14651858.CD006742.pub2.
  • Sundström J, Arima H, Jackson R, Turnbull F, Rahimi K, Chalmers J, et al. Effects of Blood Pressure Reduction in Mild HypertensionA Systematic Review and Meta-analysis. Ann Intern Med. ;162:184–191. doi: 10.7326/M14-0773
  • Sheppard JP, Stevens S, Stevens R, et al. Benefits and Harms of Antihypertensive Treatment in Low-Risk Patients With Mild Hypertension. JAMA Intern Med. 2018;178(12):1626–1634. doi:10.1001/jamainternmed.2018.4684

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