Diretriz AHA/ACC de revascularização miocárdica na doença coronária aguda [parte 1]

No último mês, a American Heart Association e o American College of Cardiology publicaram uma nova diretriz de Revascularização Coronária.

No último mês, a American Heart Association e o American College of Cardiology publicaram uma nova diretriz de Revascularização Coronária, com o objetivo de atualizar as recomendações das diretrizes de revascularização cirúrgica, intervenção coronária percutânea e de tratamento de doença coronária estável e infarto agudo (IAM) do miocárdio com e sem supradesnivelamento do segmento ST.

Abaixo seguem as principais recomendações em relação ao tratamento da coronária no contexto de doença aguda, com ocorrência de infarto.

As primeiras recomendações da diretriz são que a decisão do tratamento deve ter como base a indicação clínica e o paciente deve ser o foco principal. Deve-se levar em conta as preferências, objetivos, crenças, conhecimento e características sociais do pacientes, que devem ser informados sobre o procedimento proposto, seus benefícios, riscos, consequências a longo prazo e possíveis alternativas e, a partir daí, toma-se uma decisão compartilhada entre paciente e equipe médica.

Leia também: Relação entre FA, CHA2DS2-VASc e AVC em pacientes com doença coronária

Quando há dúvida em relação a melhor estratégia de tratamento, deve-se buscar auxílio do Heart Team, que conta com representantes da cardiologia intervencionista, cirurgia cardíaca e cardiologia clínica, e tem como objetivo obter o melhor resultado para o paciente.  As principais indicações para discussão em Heart Team são os casos com anatomia complexa, comorbidades que podem impactar o sucesso da estratégia de revascularização proposta e outras situações clínicas ou sociais que podem impactar o resultado. Estudos já mostraram que as decisões tomadas pelo Heart Team são reprodutíveis e associadas a bons resultados.

Revascularização miocárdica na doença coronária aguda

Avaliação de risco

Para definir se um paciente será submetido a revascularização cirúrgica, é necessário conhecermos o risco de o paciente ter complicações em decorrência deste procedimento. O score mais recomendado é o STS, que prevê a probabilidade de ocorrência dos seguintes eventos adversos: morte, insuficiência renal, acidente vascular cerebral (AVC), ventilação mecânica prolongada, infecção profunda de ferida operatória, reoperação e internação prolongada.

Esse score é atualizado periodicamente, sendo a última atualização de 2018. A performance do STS é melhor que do EurosSCORE II, que também pode ser utilizado, porém avalia risco apenas de revascularização isolada. Ambos são limitados em relação a avaliação de pacientes com cirrose, fragilidade e desnutrição, que têm risco de complicações aumentado e devem ser avaliados também com outras ferramentas.

Gravidade da lesão

A angiografia coronária é o método padrão para avaliar a gravidade da estenose. São consideradas estenoses graves as com diâmetro maior ou igual a 70% e caso a lesão se encontre no tronco da coronária esquerda (TCE) é considerada grave a partir de 50% de obstrução. Quando a obstrução está entre 40 e 69% é considerada moderada e investigação adicional pode ser realizada para avaliar a repercussão hemodinâmica e o significado fisiológico dessa estenose.

Quando o paciente apresenta doença multiarterial, a avaliação de sua complexidade pode ser útil para guiar a revascularização e decidir pelo tratamento cirúrgico ou percutâneo. Uma das formas de avaliar essa complexidade é pelo score SYNTAX, que fornece avaliação objetiva da complexidade anatômica dos pacientes com doença multiarterial. Além disso, é um preditor independente de risco de eventos adversos cardiovasculares a longo prazo. Esse score não leva em conta as características clínicas do paciente e devemos considerar as comorbidades dos pacientes para a decisão final.

Quando o paciente apresenta angina ou equivalente anginoso, sem isquemia documentada, e a angiografia mostra lesões moderadas, o FFR ou o iFR, métodos de avaliação fisiológica da importância da lesão, são recomendados para guiar a decisão de realizar ou não angioplastia. Quando o paciente está estável e o FFR é maior que 0,80 ou o iFR é maior que 0,89 não se recomenda a realização da angioplastia, já que há baixas taxas de eventos a longo prazo nesses casos.

Em casos de lesão moderada no TCE, a avaliação da gravidade da lesão deve ser feita com ultrassonografia intravascular (IVUS, do inglês intravascular ultrasound), que fornece uma avaliação acurada da lesão e dados sobre as dimensões do lúmen, extensão da lesão, morfologia e localização da placa, presença de trombo, dissecção e avaliação do posicionamento e expansão do stent. O lúmen deve ter uma área mínima de 6 a 7,5 mm2, caso contrário, não se recomenda a colocação de stent.

Revascularização no IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMSST)

Pacientes com IAMSST tem benefício de terapia de reperfusão imediata, com redução de mortalidade. O tratamento com angioplastia é preferível à fibrinólise, já que tem menores taxas de mortalidade, IAM, AVC e sangramento. A fibrinólise deve ser realizada quando a angioplastia não é prontamente disponível e o tempo para transferência do paciente é maior que 120 minutos. Já a cirurgia de revascularização miocárdica no contexto da fase aguda de IAMSST é cada vez menos indicada.

Quando o paciente iniciou os sintomas há menos de 12 horas, recomenda-se a realização de angioplastia com objetivo de aumentar a sobrevida (recomendação I, nível de evidência A). Não há grandes estudos que avaliaram pacientes com sintomas entre 12 e 24 horas, porém parece haver algum benefício, sendo também recomendada a angioplastia, com nível de evidência menor (recomendação 2a, nível de evidência B).

Saiba mais: Revascularização coronária em pacientes com indicação de tratamento de estenose aórtica

Nos casos em que se opta pela trombólise, se houver falha de reperfusão, a angioplastia de resgate deve ser realizada (I, C) e nos casos em que há critérios de reperfusão, a angioplastia deve ser realizada de rotina em 3 a 24 horas, com objetivo de reduzir eventos cardiovasculares, incluindo IAM e óbito (2a, B). Caso a angiografia com mais de 24 horas do início dos sintomas mostre uma artéria completamente ocluída, os pacientes estejam estáveis e assintomáticos e não haja evidência de isquemia grave, não deve ser realizada angioplastia (3,B).

Quando há choque cardiogênico ou instabilidade hemodinâmica, recomenda-se a revascularização via percutânea ou cirúrgica independente do tempo de início dos sintomas (1,B) e para os pacientes com isquemia persistente, insuficiência cardíaca (IC) aguda grave ou arritmia ameaçadora a vida, a angioplastia pode ser benéfica, também independentemente do tempo de início dos sintomas (2a, C).

Em casos de complicação mecânica, como ruptura de septo, insuficiência mitral aguda por infarto ou ruptura de músculo papilar ou ruptura de parede livre do ventrículo, recomenda-se a revascularização coronária no momento da cirurgia, com objetivo de aumentar a sobrevida (1,B).

Se a realização de angioplastia não for possível ou for sem sucesso e a área de miocárdio em risco for muito extensa pode-se optar pela cirurgia de revascularização miocárdica de urgência ou emergência (2a,B).

Diversos estudos já avaliaram o tratamento de lesões não culpadas (lesões importantes não relacionadas ao evento agudo) nos pacientes que se apresentam com IAMSST.

Pacientes com doença multiarterial e estáveis hemodinamicamente, tem benefício da realização de angioplastia estagiada de lesões importantes, após tratamento da lesão culpada (I, A). Esta estratégia reduz mortalidade e ocorrência de IAM. Pacientes com doença multiarterial de baixa complexidade podem ser submetidos a angioplastia de lesões não culpadas no mesmo momento da lesão culpada (2b, C), desde que a lesão não culpada não seja complexa e os pacientes não tenham aumento das pressões de enchimento do ventrículo ou disfunção renal. Quando a doença multiarterial é complexa, é razoável considerar revascularização cirúrgica após angioplastia primária (2a, C).

Em casos de choque cardiogênico, a angioplastia de lesões não culpadas não deve ser realizada no mesmo momento da angioplastia primaria (3, B). Isto leva a aumento de óbitos e insuficiência renal, inclusive com necessidade de diálise.

Revascularização no IAM sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSSST)

Pacientes com IAMSSST devem ser estratificados em relação ao risco de novos eventos isquêmicos, pois pacientes de alto risco têm benefício da estratégia invasiva precoce, com redução de morte, IAM e angina refratária. Um dos scores mais utilizados é o GRACE, que representa alto risco quando maior que 140. Outros fatores associados a alto risco são idade, o score TIMI e marcadores de necrose miocárdica aumentados.

Pacientes estratificados como alto risco e candidatos a revascularização devem ser submetidos a angiografia precoce, com o objetivo de revascularização precoce, para redução de eventos (I, A). Caso o paciente se apresente em choque cardiogênico, a revascularização de emergência é recomendada para reduzir a mortalidade (I, B). Pacientes com angina refrataria e instabilidade hemodinâmica ou elétrica tem indicação de estratégia invasiva imediata, ou seja, em até duas horas (I, C).

Quando há estabilidade clínica, os pacientes de alto risco têm benefício da avaliação invasiva precoce, em até 24 horas (2a, B) e os que têm risco baixo ou intermediário tem algum benefício da avaliação invasiva em até 48 a 72 horas, com realização de revascularização antes da alta hospitalar (2a, B).

Em casos em que a angioplastia é sem sucesso ou não possível e o paciente apresenta isquemia persistente, instabilidade hemodinâmica ou estenose que leva a extensa área de miocárdio em risco e o paciente, se possível, o paciente deve ser submetido a revascularização cirúrgica (2a, B).

Assim como no IAMSST, pacientes em choque cardiogênico devem ser submetidos apenas a angioplastia da lesão culpada, não sendo recomendada angioplastia de lesões importantes não relacionadas ao infarto no mesmo momento.

Comentário

A maioria das recomendações de revascularização miocárdica no contexto de doença coronária aguda já estão bem estabelecidas e são seguidas em grande parte dos serviços de atendimento médico em nosso país. A dificuldade maior se encontra no sistema público de saúde, no qual há menor disponibilidade de locais com hemodinâmica e há dificuldade para se conseguir a transferência dos pacientes no intervalo de tempo ideal.

Referências bibliográficas:

  • Lawton JS, et al. 2021 ACC/AHA/SCAI Guideline for Coronary Artery Revascularization: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2021;0:CIR.0000000000001038. doi: 10.1161/CIR.0000000000001038.

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