Revisão do tempo de jejum de líquidos claros

O tempo de jejum pré-operatório vem sofrendo diversas mudanças e atualizações todos os anos, sendo regularmente lançados novas diretrizes.

O tempo de jejum pré-operatório vem sofrendo diversas mudanças e atualizações todos os anos, sendo regularmente lançados novos guidelines de recomendações. Neste cenário, as últimas discussões têm sido relacionadas ao tempo de jejum para líquidos claros, onde a conduta atual de duas horas, está sendo questionada como longa demais e prejudicial ao paciente.

O consenso internacional diminuiu para uma hora o tempo de jejum pré-operatório em pacientes pediátricos, porém não houve alteração na população adulta. Essa modificação baseou-se em três fatores: primeiro, o tempo de jejum anterior, na prática, tornava-se muito maior que as duas horas permitidas, segundo, o jejum prolongado determinava muito desconforto e era prejudicial ao paciente e terceiro, a água ingerida aumentava o esvaziamento gástrico assim como o pH do suco gástrico, tornando-o menos corrosivo.

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Esse artigo visa discutir as evidências atuais sobre esvaziamento gástrico, riscos de aspiração e pontos negativos do jejum prolongado em adultos, para uma diminuição do tempo de jejum de líquidos claros na população adulta também.

Origem do jejum pré-operatório

O jejum pré-operatório iniciou-se no século 19 com a recomendação e encorajamento de ingesta de líquidos como água com açúcar, caldo de carne e chás, três horas antes do procedimento a fim de evitar vômitos no pós-operatório. Com o reconhecimento da síndrome de Mendelson, a recomendação mudou para jejum completo a partir de meia-noite do dia anterior da cirurgia. Essa recomendação perdurou por várias décadas até chegar ao consenso atual de duas horas de jejum para líquidos claros.

Problemas das duas horas de jejum

Na realidade, com a falta de precisão atual do horário de início da cirurgia, os pacientes acabam ficando muito mais tempo em jejum do que as duas horas prescritas. Na maioria das vezes o paciente chega ao hospital sem beber água desde a noite anterior, e com a incerteza do horário, a maioria permanece em jejum de água por mais de 12 horas. Com a mudança para uma hora de jejum, ao paciente seria permitido beber água assim que chegasse ao hospital, tendo tempo mais que suficiente, desde a burocracia de internação até a ida pro centro cirúrgico, para realização do jejum.

Efeitos negativos do jejum prolongado

O jejum prolongado gera sintomas de desconforto no paciente como sede, fome e ansiedade, além de aumentar a incidência de náuseas e vômitos pós-operatórios. Além disso piora a resposta metabólica ao trauma com hiperglicemia, aumento da resistência a insulina e lipólise. A desidratação as vezes presente, pode levar a instabilidade hemodinâmica, principalmente em pacientes de risco como extremos de idade e cardiopatas, no momento da indução anestésica. Há também evidências do aumento de episódios de delírio em pacientes suscetíveis. Atualmente, com a estimulação de ingesta de líquidos hipercalóricos no pré-operatório, tem diminuído bastante os sintomas adversos do jejum prolongado.

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Jejum prolongado, volume gástrico e acidez gástrica

É sabido que o jejum determina a manutenção de um menor volume do conteúdo estomacal e consequente aumento do pH do suco gástrico diminuindo as chances de complicações relacionadas a broncoaspiração. Porém atualmente diversos estudos já demonstraram que o volume e pH não se alteram com a ingesta de líquidos claros cerca de  até 2 horas antes do procedimento e em alguns casos houve redução maior do conteúdo gástrico após a ingesta de água. Estudos ultrassonográficos realizados em pacientes hígidos, evidenciaram que o esvaziamento gástrico se faz mais rapidamente depois da ingesta de água e que o volume basal gástrico inicial se reestabelece após 30 minutos.

Broncoaspiração

A broncoaspiração do conteúdo gástrico durante um procedimento anestésico é rara, porém é a causa mais comum de óbito relacionado a anestesia e é responsável por 23% da totalidade dos eventos adversos pulmonares primários e secundários, sendo a maioria dos casos relacionados a cirurgias de emergência, e os óbitos, relacionados a obstrução por partículas sólidas. A gravidade da aspiração está diretamente relacionada a quantidade do volume aspirado e acidez do conteúdo. Porém a aspiração de líquidos com acidez neutra está relacionada a complicações pulmonares mais discretas e com pronta recuperação.

A liberação da ingesta de líquidos claros mais próximos ao início do procedimento na população pediátrica, não aumentou os índices de broncoaspiração, tampouco a incidência de eventos adversos assim como a morbimortalidade.

Não há no cenário atual, nenhum estudo que comprove o aumento dos riscos de aspiração pulmonar em jejuns mais curtos em pacientes sem comorbidades.

Conclusões

O tempo de jejum na população adulta deve ser revisto e adequado aos guidelines atuais da população pediátrica, baseando-se no fato de que os jejuns atuais de 2 horas tornam-se na prática, muito mais prolongados e o índice de insatisfação e desconforto dos pacientes passa a ser mais elevado. Além de não haver estudos que comprovem maior morbimortalidade na ingesta de líquidos claros uma hora antes da indução anestésica.

 

Referências Bibliográficas:

  • Morrison CE, Ritchie-McLean A, Jha A, Mythen M. Two hours too long: time to review fasting guidelines for clear fluids.British Journal of Anaesthesia, 124 (4): 363e366 (2020). doi10.1016/j.bja.2019.11.036

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