Revisão sobre dermatite atópica

Uma recente revisão narrativa da médica Sonja Ständer sobre dermatite atópica foi publicada no jornal The New England Journal of Medicine.

Uma recente revisão narrativa sobre dermatite atópica foi publicada no jornal The New England Journal of Medicine. A autora da revisão é a médica Sonja Ständer, do Departamento de Dermatologia e Centro de Prurido Crônico da University Hospital Münster, Alemanha.

A dermatite atópica é uma das doenças inflamatórias cutâneas mais prevalentes. Geralmente se desenvolve na infância e pode persistir na idade adulta; com menos frequência, começa na meia-idade ou no final da vida. O distúrbio é caracterizado por eczema localizado recorrente, pruriginoso, geralmente com flutuações sazonais. Muitos pacientes também têm asma alérgica, rinoconjuntivite alérgica, alergias alimentares e outras alergias de hipersensibilidade imediata (tipo 1). A seguir, encontram-se os pontos principais abordados na revisão.

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Revisão sobre dermatite atópica

Epidemiologia

A prevalência e a incidência de dermatite atópica aumentaram nas últimas décadas, com uma prevalência de 15 a 20% entre crianças e até 10% entre adultos. É a 15ª doença não fatal mais comum e o distúrbio de pele com a maior carga de doença, em termos de anos de vida ajustados por incapacidade. O aumento da prevalência em países industrializados e de alta renda foi provisoriamente atribuído a fatores ambientais, como exposição à poluição do ar e a produtos de limpeza doméstica.

Características clínicas

Variam dependendo da idade, estágio da doença, raça ou grupo étnico e localização geográfica. Lesões agudas típicas em pacientes brancos e negros são manchas circunscritas de eczema. O eritema é mais frequentemente violáceo ou mesmo invisível em negros. As lesões são caracterizadas por pápulas, papulovesículas, edema, crostas e descamação, com hiper ou hipopigmentação das lesões após a cicatrização. Na forma grave, as áreas de eczema coalescem em regiões maiores de eritrodermia.

Em crianças, o eczema pode se espalhar pelo corpo, envolvendo a cabeça, rosto, bochechas e braços e pernas, com envolvimento frequente dos pulsos ventrais e do tronco. A área da pele coberta por fralda também está frequentemente envolvida. Com o aumento da idade do paciente, as lesões tendem a ser mais circunscritas e confinadas aos braços e pernas, principalmente nas flexões poplíteas e nas mãos, pernas e pés, pescoço e região periocular. As frequências de dermatite de mãos e pés são maiores entre os adultos do que entre as crianças.

A aparência das lesões também varia em relação à raça ou grupo étnico e região geográfica. Foram propostos fenótipos mais comuns em pacientes brancos, negros ou asiáticos, mas esses achados precisam ser confirmados. Por exemplo, lesões no tronco são encontradas em todas as raças e grupos étnicos, mas são mais claramente demarcadas e mais comuns em asiáticos.

O prurido é uma característica marcante da dermatite atópica, e a intensidade da coceira corresponde amplamente à gravidade da doença. É agravado pelo estresse, suor devido à atividade física ou ao calor do ambiente e umidade, bem como pelo contato com roupas de lã. A coceira induz a escoriações, sangramento ou a formação de crostas hemorrágicas. Quando persistente, leva à liquenificação, bem como ao prurigo nodular (nódulos generalizados com coceira intensa).

Pacientes com dermatite atópica apresentam uma série de sinais clínicos associados. A presença desses sinais ajuda a estabelecer o diagnóstico, mas sua ausência não a exclui:

  • Rarefação das sobrancelhas laterais — sinal de Hertoghe;
  • Aumento da densidade e profundidade dos vincos palmares — palmas hiperlineares;
  • Na maioria dos pacientes (75%), ocorrem áreas de pele seca (xerose), mesmo durante a remissão do eczema.

A autora destaca que a dermatite atópica tem um curso crônico flutuante. No entanto, os sinais clínicos acima mencionados e as lesões crônicas relacionadas à coceira, como liquenificações, persistem durante os períodos em que o eczema está quiescente. Eczema crônico e recorrente, prurido severo, sinais clínicos, condições médicas coexistentes e complicações dermatológicas da dermatite atópica levam a uma diminuição da qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Esses sintomas resultam em distúrbios do sono e diminuição da produtividade no trabalho ou na escola, com efeitos prejudiciais na vida emocional e social. Depressão, ansiedade e tendência suicida têm sido associadas à dermatite atópica de longa data.

Diagnóstico

De acordo com o artigo, o diagnóstico clínico da dermatite atópica é baseado nas características morfológicas e na distribuição das lesões cutâneas, na presença de sinais clínicos associados e em uma história médica característica. Uma relação de 23 sinais e sintomas clínicos de dermatite atópica foi publicada por Hanifin e Rajka em 1980 e ainda é usada como referência em pesquisa clínica. Para diagnosticar a doença, a American Academy of Dermatology estabeleceu os critérios diagnósticos principais que são listados no quadro abaixo.

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS

São características exigidas para o diagnóstico

Eczema

Estágio

Gravidade

Imunofenótipo

Eczema crônico ou recorrente com características morfológicas determinadas e padrões específicos para a idade

Agudo, subagudo ou crônico

Leve, moderado ou grave

Células Th2 em brancos e negros, células Th2 e Th17 em asiáticos

Prurido
CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES

Características observadas na maioria dos casos, agregando sustentação ao diagnóstico

Idade precoce no início Normalmente entre 2 e 6 meses de idade
Atopia História pessoal ou familiar ou ambos, reatividade de IgE (IgE sérica total ou alérgeno-específica elevada ou ambos, observada em até 80% dos pacientes)

O monitoramento dos níveis de IgE não é recomendado para a avaliação de rotina da gravidade da doença.

Xerose
CARACTERÍSTICAS ASSOCIADAS

Sugerem o diagnóstico, mas são muito inespecíficas para serem usadas na definição ou detecção de dermatite atópica para estudos clínicos e epidemiológicos

Respostas vasculares atípicas Palidez facial ou dermografismo branco, por exemplo
Lesões perifoliculares Queratose pilar, acentuação perifolicular
Alterações oculares ou periorbitais Sinal de Hertoghe
Outros achados regionais Alterações periorais, lesões periauriculares, pitiríase alba, palmas hiperlineares, ictiose
Lesões crônicas relacionadas a arranhões Liquenificação, lesões de prurigo
CONDIÇÕES RELACIONADAS
Infecções bacterianas da pele (impetigo, abscessos), infecções virais da pele (eczema herpético, infecção por molusco contagioso), infecções fúngicas da pele (dermatofitose, candidíase), doenças alérgicas (asma, rinite, rinoconjuntivite, alergia alimentar), doença inflamatória intestinal, artrite reumatoide , doença cardiovascular (debatida), comprometimento da qualidade de vida (distúrbios do sono), ansiedade, depressão, suicídio.
Legenda: Th2 – célula T helper 2; Th17 –  célula T helper 17
Fonte: Adaptado de Ständer, 2021 (a autora relata que as informações apresentadas foram modificadas de Eichenfield et al.)

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Segundo a revisão, a gravidade da dermatite atópica pode ser quantificada com o uso de ferramentas de pontuação de vários itens, como o Índice de Gravidade do Eczema por Área (Eczema Area and Severity Index – EASI) e o Scoring Atopic Dermatitis (SCORAD). Ambos são usados na prática e em ensaios clínicos.

O EASI avalia a gravidade da vermelhidão, espessura, escoriação e liquenificação e a porcentagem de envolvimento da pele em quatro áreas do corpo (cabeça, tronco, braços e pernas). As pontuações são somadas, para uma pontuação geral que varia de 0 a 72:

  • ≤ 7: doença leve;
  • 8 – 21 doença moderada;
  • 22 – 50 doença grave;
  • 51 – 72 doença muito grave.

O SCORAD leva em consideração mais tipos de lesões e áreas corporais do que o EASI e é calculado com base na área da pele envolvida e na gravidade da vermelhidão, inchaço, exsudação, crostas, liquenificação e ressecamento, avaliados separadamente para a cabeça e pescoço, braços e pernas, tronco anterior, costas e genitais. A pontuação inclui a gravidade dos sintomas relatados pelo paciente com base em duas escalas visuais analógicas de 100 pontos, uma para perda de sono e outra para prurido. A pontuação total varia de 0 a 103:

  • ≤ 25: doença leve;
  • 26 – 50: doença moderada;
  • 51 – 103 doença grave.

Condições coexistentes

Pacientes com dermatite atópica têm risco de marcha atópica: desenvolvimento sequencial de distúrbios alérgicos, incluindo alergias alimentares (especialmente em crianças), rinite alérgica, rinoconjuntivite e asma. Além disso, pacientes de qualquer idade com dermatite atópica correm o risco de desenvolver:

  • Infecções bacterianas, virais ou fúngicas da pele devido a defeitos da barreira cutânea;

As infecções cutâneas comuns em pacientes com dermatite atópica são infecções induzidas por S. aureus (impetigo e abcessos), eczema herpético relacionado ao vírus herpes simplex 1 e infecção por molusco contagioso. Também podem ocorrer infecções fúngicas (candidíase da pele ou das unhas). Pacientes com dermatite atópica têm um risco maior de infecções sistêmicas com risco de vida, como osteomielite, artrite séptica e endocardite, do que os pacientes que não têm dermatite atópica, embora tais complicações sejam raras.

  • Colonização bacteriana da pele (especialmente por Staphylococcus aureus);
  • Microbioma cutâneo alterado;
  • Doença inflamatória intestinal e a artrite reumatoide (associados em graus variáveis);
  • Doenças cardiovasculares (as estimativas desse risco variam).

Patogênese

A patogênese da dermatite atópica é baseada em uma complexa interação de fatores predisponentes (fatores genéticos e ambientais, disfunção da barreira cutânea, disbiose microbiana e desregulação imunológica) e fatores precipitantes. Todos esses fatores influenciam uns aos outros e, em última análise, levam a um estado de doença que é composto de lesões de dermatite atópica aguda, estigmas persistentes e complicações transitórias.

Tratamento

É variável de acordo com:

  • O estágio clínico da doença (leve, moderado ou grave);
  • A extensão da área de superfície corporal envolvida;
  • A idade;
  • Condições coexistentes;
  • Medicamentos sendo tomados pelo paciente;
  • A gravidade do prurido;
  • O grau de prejuízo da qualidade de vida;
  • Os objetivos do paciente.

Para todos os estágios da doença, incluindo intervalos sem eczema, são aconselhadas medidas gerais como o uso de emolientes (com ou sem agentes antipruriginosos) e prevenção de infecções e de fatores precipitantes.

Quando ocorre eczema, o uso de terapias imunossupressoras tópicas é recomendado como primeira abordagem. O Crisaborole, (inibidor da fosfodiesterase-4), foi recentemente aprovado para o tratamento da dermatite atópica nos Estados Unidos, mas não está disponível em todos os países (já está disponível no Brasil, porém é um medicamento muito caro). Para eczema moderado, a fototerapia ultravioleta pode ser aplicada, mas não é usada em crianças e adultos jovens, devido ao potencial de desenvolvimento de câncer de pele com o uso em longo prazo.

Para a forma grave, vários imunossupressores sistêmicos convencionais, como glicocorticoides, ciclosporina ou metotrexato, têm sido usados. No entanto, esses agentes não têm como alvo pontos específicos de desregulação imunológica e podem resultar em eventos adversos graves, como disfunção hepática e renal.

A maioria das sociedades dermatológicas, incluindo a Academia Americana de Dermatologia, recomenda que os pacientes com dermatite atópica continuem a receber terapia imunossupressora sistêmica durante a pandemia de Covid-19, a menos que tenham um teste positivo para o SARS -CoV-2. Para pacientes com teste positivo, a terapia imunossupressora sistêmica pode ser reiniciada após a recuperação.

Agentes promissores são os anticorpos monoclonais de interleucina -4, -13, -22 e -31, inibidores de fosfodiesterase-4 e inibidores de JAK (tópicos e sistêmicos), a maioria dos quais foi testada em ensaios de fase 2-3. Num estudo comparativo, o anticorpo interleucina-4 dupilumabe e o inibidor das Janus quinase (JAK) abrocitinibe foram associados a reduções nos sinais e sintomas de dermatite atópica em comparação com o placebo. O abrocitinibe foi superior ao dupilumabe na redução da coceira em 2 semanas, mas, por outro lado, os dois medicamentos tiveram resultados semelhantes. Efeitos adversos, como infecções de pele ou agravamento da asma, requerem avaliação cuidadosa do uso futuro dessas novas terapias em populações sensíveis (crianças) e em pacientes com complicações típicas de dermatite atópica. Por exemplo, muitos pacientes têm conjuntivite de longo prazo com comprometimento funcional com terapia com dupilumabe, especialmente quando combinada com conjuntivite alérgica sazonal. Por fim, os inibidores de JAK apresentam risco de tromboembolismo e câncer e podem estar associados a infecções do trato respiratório, infecção por herpes zoster, cefaleia, náusea, diarreia e diminuição da contagem de leucócitos.

Conclusões

A revisão conclui que a dermatite atópica é uma doença de pele onerosa, principalmente em crianças. Variações geográficas e raciais ou de grupos étnicos, bem como uma patogênese complexa, têm impedido o desenvolvimento de terapias direcionadas. O prurido associado ao distúrbio afeta a qualidade de vida e é um foco do tratamento e um determinante da eficácia do tratamento, bem como uma preocupação primária no desenvolvimento de novos medicamentos para tratar a doença.

Gostaria de acrescentar também que, em pediatria, a dermatite atópica é uma das grandes responsáveis por falta de aproveitamento e absenteísmo escolar, além de causar prejuízos ao sono. Portanto, o pediatra cumpre um papel crucial não só na identificação da enfermidade, mas também na prevenção e tratamento de crises, minimizando o sofrimento da criança.

Referências bibliográficas:

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