Rinite alérgica: revisão sobre tratamento e prevenção na infância

Baseado em um artigo da Pediatric Clinics of North America, fizemos um revisão sobre a abordagem e prevenção da rinite alérgica.

Recentemente, a revista Pediatric Clinics of North America publicou o artigo sobre rinite alérgica (RA): Allergic Rhinitis in Children and Adolescents, dos autores Charles Frank Schuler e Jenny Maribel Montejo. O artigo é uma excelente revisão sobre a doença em crianças e adolescentes, incluindo também comentários sobre a rinoconjuntivite alérgica (RCA). Seguem os principais tópicos abordados nesta revisão.

rinite

Sobre a rinite alérgica

Segundo os autores, a rinite alérgica é definida como uma inflamação crônica da nasofaringe mediada por imunoglobulina E (IgE) e que ocorre em resposta a proteínas ambientais tipicamente inócuas. Os sintomas típicos da RA incluem:

  • Congestão nasal;
  • Rinorreia (anterior e/ou posterior);
  • Espirros;
  • Prurido nasal;
  • Quando há sintomas oculares, a doença pode ser chamada de rinoconjuntivite alérgica.

Epidemiologia

Os autores destacam que a RA é uma doença comum e descrevem que a incidência relatada se situa entre 10 a 30% de crianças e adultos nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. No entanto, referem que pesquisas que usam especificamente o diagnóstico clínico de RA relatam taxas de aproximadamente 13% em crianças. A maioria dos indivíduos desenvolve os sintomas antes dos 20 anos de idade: quase metade desses pacientes se torna sintomática aos 6 anos de idade.

As seguintes prevalências globais são mencionadas na revisão:

  • Crianças em idade escolar de 6 a 7 anos: acima de 8,5%;
  • Adolescentes de 13 a 14 anos: acima de 14%.

Apesar de muitos pacientes poderem desenvolver estes sintomas em idades mais avançadas, a RA é realmente uma doença da infância e que pode se apresentar precocemente durante as fases de desenvolvimento.

Ônus da RA

Os autores mencionam que a doença pode ser responsável por inúmeras complicações que incluem fadiga, déficits de atenção, de aprendizado e de memória, e até depressão. Inclusive, os autores citam que a literatura tem demonstrado que a obstrução nasal resultante da rinite alérgica contribui para a respiração desordenada no sono, podendo ser particularmente prejudicial à aderência ao tratamento com pressão positiva de vias aéreas em pacientes com apneia obstrutiva do sono.

Os autores descrevem outras complicações decorrentes da RA, como:

  • Os pacientes podem gastar o dobro em medicamentos e quase o dobro em consultas médicas;
  • Adolescentes com RA e RCA apresentam pior qualidade de vida, o que está associado a mais sintomas nasais e obstrução nasal, além de prejuízos no sono;
  • Há evidências de que doenças alérgicas, incluindo a rinite, podem ser mais comuns em pacientes com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). O tratamento da RA é relevante para o tratamento do TDAH, porque o mesmo reduz a pontuação dos sintomas do transtorno;
  • A RA está constantemente associada à asma.

Fatores de risco

Schuler e Montejo citam os seguintes itens como principais fatores de risco para doença:

  • Histórico familiar de doenças alérgicas;
  • Sexo masculino;
  • Nascimento durante a estação do pólen;
  • Estado de primogênito;
  • Uso precoce de antibióticos;
  • Tabagismo materno;
  • Exposição interna a alérgenos;
  • Níveis elevados de IgE sérica (> 100 UI/mL) antes dos 6 anos;
  • Qualquer IgE específica para alérgenos.

Diagnóstico da rinite alérgica

Os autores explicam que um quadro típico de RA inclui espirros, rinorreia, obstrução nasal e prurido nasal. No entanto, mostram que outros sintomas também podem ocorrer, como tosse, gotejamento pós-nasal, irritabilidade e fadiga. Alguns pacientes também referem comichão no palato e no ouvido interno. Já a rinoconjuntivite pode englobar sintomas oculares, como prurido ocular, lacrimejamento e sensação de queimação ocular. Crianças mais novas podem exibir sinais diferentes, como pigarro e tosse. Os pacientes podem, ainda, emitir um som (clique) enquanto movem a língua contra o palato para aliviar a sensação pruriginosa. Estes sintomas podem estar presentes o ano todo ou sazonalmente, dependendo do momento das exposições a alérgenos.

Alguns pacientes conseguem identificar gatilhos, como exposição a animais de estimação ou uma época específica do ano, em que os sintomas pioram e pode ser útil extrair esses pontos da história para orientar medidas de prevenção. Os principais achados ao exame físico estão resumidos no quadro 1.

Quadro 1: Principais achados ao exame físico em pacientes com rinite alérgica.

Achados O que são?
Shiners alérgicos Círculos escurecidos abaixo dos olhos e que ocorrem devido a edema infraorbital por venodilatação. Estão relacionados a alterações nos vasos sanguíneos no contexto da inflamação alérgica.
Linhas de Dennie-Morgan Consistem em aumento de dobras ou linhas abaixo da pálpebra inferior e são mais comuns em pacientes com RA. A fisiopatologia não é precisamente entendida. Essas linhas nem sempre indicam RA e podem ser mais comuns em alguns grupos étnicos sem um aumento na RA.
Saudação alérgica Esse é um comportamento relacionado ao prurido nasal e à rinorreia. Consiste em esfregar repetidamente o nariz, empurrando a ponta do nariz para cima com a mão levando a um vinco nasal transversal.
Fácies de alergia Fácies alérgicas típicas consistem em palato arqueado alto, respiração bucal e má oclusão dentária. Isso geralmente é visto em crianças com RA de início precoce.
Mucosa nasal Com a rinoscopia anterior, a mucosa nasal pode parecer pálida e azul com edema de conchas nasais. Isso pode ser acompanhado por rinorreia clara visível (na orofaringe anterior ou posterior).
Cobblestoning A orofaringe posterior pode desenvolver tecido linfoide hiperplásico, levando a uma aparência de “paralelepípedos” da mucosa.
Membranas timpânicas As membranas timpânicas também podem ser anormais, com retração ou com acúmulo de líquido seroso. Isso está relacionado ao inchaço da mucosa nasal e à disfunção da trompa de Eustáquio.

Fonte: Adaptado de Schuler e Montejo (2019).

Teste de IgE específica

Os autores explicam que o diagnóstico de rinite alérgica é sugerido pela história e pelo exame físico. No entanto, descrevem que a determinação da positividade de IgE específica pode ser útil para confirmação. A determinação de IgE específica é indicada quando é necessário estabelecer uma causa alérgica para os sintomas do paciente, para confirmar ou excluir outras causas alérgicas específicas ou determinar a sensibilidade ao alérgeno para orientar medidas de prevenção ou imunoterapia (IT). O teste cutâneo de antígenos específicos pode ser realizado com segurança no consultório de alergistas e fornece resultados em 20 minutos, com boa sensibilidade e especificidade. O teste específico de IgE no sangue tem sensibilidade semelhante ao teste cutâneo ao considerar pacientes com reações alérgicas nasais após teste de desafio com alérgenos. Os autores geralmente preferem o teste cutâneo em crianças por causa dos resultados rápidos, por não precisar coletar sangue, pelo tempo de processamento do laboratório e pela capacidade de realizar aconselhamento no mesmo dia da consulta, com resultados em tempo real. Curiosamente, segundo os autores, pacientes e familiares apreciam essa abordagem de diagnóstico em tempo real.

Classificação da rinite alérgica

Os autores descrevem que a RA pode ser classificada em:

  • Intermitente: sintomas presentes por menos de 4 semanas e por menos de 4 dias por semana;
  • Persistente: sintomas presentes por mais de 4 semanas e mais de 4 dias por semana.

Em relação à gravidade, pode ser:

  • Leve: Não atende à definição de moderada/grave;
  • Moderada/grave: atende a um ou mais dos seguintes critérios: distúrbios de sono; comprometimento do desempenho escolar/profissional; prejuízo das atividades diárias, lazer ou envolvimento esportivo; sintomas perturbadores.

Gatilhos

Schuler e Montejo dividem os gatilhos de acordo com seu padrão temporal durante o ano:

  • Perenes: incluem itens presentes durante todo o ano, como mofo, ácaros ou animais (principalmente cães e gatos). Alguns pacientes também apresentam sintomas devido a uma exposição ocupacional, assim, um histórico ambiental completo pode ser útil na identificação de possíveis medidas de controle ou prevenção que possam melhorar o controle dos sintomas. A história típica pode incluir presença visível de fungos em casa, presença de animais, roupas de cama e outras exposições a ácaros, ocupação e hobbies;
  • Sazonais: incluem vários pólens e fungos.

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Tratamento da rinite alérgica

Os autores dividem o tratamento em três abordagens: prevenção, medicamentos e imunoterapia.

Prevenção

Para Schuler e Montejo, o sucesso na prevenção de um alérgeno é melhor aferido medindo-se a redução nos sintomas e no uso de medicamentos, ao invés da alteração na concentração do alérgeno (quadro 2).

Quadro 2: Prevenção de alérgenos envolvidos na rinite alérgica.

Alérgeno Medidas de prevenção
Ácaros As fezes do ácaro são uma importante fonte alergênica, e o principal alimento dos ácaros é a pele humana.

Os principais reservatórios de ácaros incluem colchões, roupas de cama e estofados.

Em geral, uma combinação de várias medidas mostrou ser mais eficaz na redução dos sintomas da exposição ao ácaro. Normalmente, isso inclui coberturas de ácaros para roupas de cama, controle de umidade (entre 35 e 50%) do ar ambiente da casa, aspiração de carpetes com filtro HEPA e acaricidas.

Usar apenas uma única medida para tentar mitigar a exposição aos ácaros não parece ser eficaz. Por exemplo, o uso de roupas de cama à prova de ácaros pode não ser suficiente para o controle de ácaros isoladamente.

Na prática, pacientes e familiares podem ter dificuldade em implementar um regime completo de prevenção de ácaros, e os médicos devem estar cientes que a implementação parcial pode não levar a uma melhora dramática dos sintomas.

Animais Os autores consideram a maneira mais eficaz de melhorar os sintomas. Os autores opinam, no entanto, que pode ser muito difícil para pacientes e famílias remover animais da casa; para evitar a total evasão domiciliar, ela deve ser feita de maneira prospectiva, e não depois que um animal se une à família.

Se o animal permanecer em casa, a combinação de um filtro HEPA, colchas/travesseiros e remoção de animais do quarto, demonstrou reduzir o antígeno no ar, mas não os sintomas clínicos da asma; o efeito na RA é menos claro. Isso enfatiza a dificuldade de atenuar a presença contínua de um animal de estimação.

Pólen É muito difícil evitar o pólen durante sua estação, devido à sua onipresença no ar. Contudo, os autores citam medidas para evitá-lo, como manter as janelas fechadas; permanecer em ambientes fechados em dias com alto teor de pólen, se altamente alérgico; evitar secar as roupas do lado de fora, e tomar banho antes de dormir para reduzir o transporte de pólen durante a noite.
Mofo Os autores recomendam a redução da exposição interna, através da redução de fontes de umidade, remoção de itens contaminados da casa, aplicação de alvejante diluído em superfícies não porosas, uso de máscaras para exposição ao solo, aumento da circulação de ar e limpeza regular dos aparelhos de ar condicionado.

Fonte: Adaptado de Schuler e Montejo (2019).

Medicamentos

Geralmente tratam apenas sintomas e não tratam da inflamação alérgica subjacente. No entanto, o manejo clínico da RA pode ser bastante eficaz para mitigar os efeitos negativos da doença (quadro 3).

Quadro 3: Medicamentos utilizados no manejo da rinite alérgica.

Medicamentos Comentários
Soro fisiológico nasal A lavagem nasal com solução salina uma vez ao dia tem mostrado benefícios.
Anti-histamínicos orais Os autores recomendam o uso de anti-histamínicos de segunda geração, como fexofenadina ou cetirizina, por não atravessarem a barreira hematoencefálica. Ambos são aprovados para uso em crianças com mais de 6 meses de idade.
Esteroides intranasais Os sprays nasais de mometasona, fluticasona e triamcinolona são aprovados para crianças com mais de 2 anos de idade. A adesão em crianças pequenas, especialmente, pode ser problemática. Os autores sugerem que escolher variedades com volume e jatos mínimos parece ajudar as crianças a tolerar esses medicamentos.
Anti-histamínicos intranasais O spray nasal de azelastina é aprovado para crianças com mais de 5 anos de idade. A adesão é um problema em crianças, porque os efeitos colaterais podem incluir sabor amargo e sedação. O gosto amargo, em particular, pode dificultar a tolerância do medicamento em crianças pequenas.
Modificadores de leucotrieno O montelucaste é aprovado para asma e rinite alérgica em crianças. Geralmente é uma boa escolha em pacientes com ambas as doenças. No entanto, recente estudo mostrou que crianças que utilizaram montelucaste para terapia de manutenção na asma tiveram quase o dobro de chances de complicações neuropsiquiátricas comparadas àquelas que fizeram uso de outros medicamentos.

Fonte: Adaptado de Schuler e Montejo (2019); Glockler-Lauf et al. (2019).

Imunoterapia

A imunoterapia (IT) envolve fornecer aos pacientes estratos contendo alérgenos que estimulam a produção de IgE específica para induzir alterações imunes e um estado dessensibilizado. Várias formulações foram tentadas, mas as mais usadas atualmente são injeções subcutâneas e aplicações sublinguais.

Take-home message

Ao final da revisão, os autores concluem que a RA é uma doença alérgica caracterizada por sintomas nasais e, quando acompanhada por sintomas oculares, é chamada rinoconjuntivite alérgica. A doença é comum, pode começar cedo na vida e está associada a uma alta carga de doença que pode prejudicar particularmente o aproveitamento das crianças na escola e em outros domínios da vida. A identificação de gatilhos pode ser útil, e o primeiro passo para tratar o paciente é evitar os alérgenos que podem precipitar uma crise de rinite.

Os medicamentos são muito úteis no tratamento de sintomas e atenuam a carga da doença, mas geralmente não afetam a inflamação subjacente. Por fim, a IT não apenas melhora a RA, mas também pode prevenir outras sensibilizações alérgicas e o desenvolvimento de asma.

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Referências bibliográficas:

  • Schuler CF, Montejo JM. Allergic Rhinitis in Children and Adolescents. Pediatric Clinics of North America, v. 66, p.981-993, 2019.

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