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O Programa de Residência Médica (PRM) tornou-se, para muitos, etapa essencial da carreira. Mais do que importante, é também um momento de “suar a camisa”. Mais um? Exatamente! Talvez o momento de maior intensidade da profissão. Isso decorre não apenas do desafio de “dormir interno e acordar médico”, mas também da carga horária dos programas.
São muitos os dramas desse período. Definitivamente todos eles podem ser potencializados diante da privação de sono ou do isolamento sócio-cultural, consequências de jornadas que extrapolam. A quantidade de horas de alguns programas, por vezes absurda, é debate nacional e internacional, não sendo incomum 36 horas ininterruptas de trabalho, totalizando 80, 90, 100 horas semanais.
Espera-se de uma área de conhecimento tão vasta, a cada segundo em transformação, profusa em temas e informações novas, que seja necessária carga horária grotesca. Entretanto, como conciliar estudo individual, saúde mental e a rotina dos PRM? Horas de sono e horas de plantão, visitas às enfermarias, ambulatórios, etc? Será que o tempo investido nos programas resulta em residentes preparados ou em residentes cansados?
A preocupação constante com a carga horária irrestrita de muitos PRM e seus efeitos sobre o treinamento de médicos em formação motivou o estudo “Education Outcomes in a Duty-Hour Flexibility Trial in Internal Medicine”. Publicado em 20 de março de 2018 pelo NEJM, o mesmo comparou o nível de satisfação de participantes dos programas com a carga horária dita padrão pela ACGME, contra a carga horária dita flexível, que ultrapassa as normas estabelecidas.
Aqueles submetidos aos programas de carga horária “flexível” mostraram maior frequência de insatisfação sobre a qualidade da educação recebida, seu bem estar individual e os efeitos acerca de sua vida pessoal. Outro dado interessante foi haver diferença significativa estatisticamente entre os tipos de atividades às quais os candidatos foram expostos, o que mostra que independente da carga horária, é possível produzir cronogramas balanceados.
Em contraste, aqueles que foram submetidos à carga horária “padrão” – 80 horas semanais, com plantões que durassem no máximo 30 horas – mostraram menor grau de insatisfação com a carga de trabalho, qualidade de assistência oferecida aos pacientes, sua segurança e o grau de preparo que o PRM oferece ao fim do ciclo. Tais evidências prosseguem a desmistificação de que “para um programa ser bom, ele precisa ter muitas horas em seu cronograma”.
Nesse sentido, questiona-se como encarar o desafio de estabelecer um padrão ideal e cumprí-lo, principalmente considerando as idiossincrasias de cada especialidade, local de formação, perfil de pacientes, dentre muitos detalhes. Por outro lado, o risco de burnout e despersonalização permaneceu elevado em ambos os grupos, acima da média populacional, o que definitivamente nos aponta para um problema que vai além das horas contadas.
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Referências:
- S.V. Desai, D.A. Asch, L.M. Bellini, K.H. Chaiyachati, M. Liu, A.L. Sternberg, J. Tonascia, A.M. Yeager, J.M. Asch, J.T. Katz, M. Basner, D.W. Bates, K.Y. Bilimoria, D.F. Dinges, O. Even‐Shoshan, D.M. Shade, J.H. Silber, D.S. Small, K.G. Volpp, J.A. Shea. Education Outcomes in a Duty-Hour Flexibility Trial in Internal Medicine. NEJM, 20 de março de 2018. DOI: 10.1056/NEJMoa1800965