Saiba como é o manejo do sopro cardíaco em crianças

O sopro cardíaco é o achado mais comum em crianças saudáveis e geralmente pode ser diagnosticado através de anamnese e exame físico completos. Saiba mais:

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Um sopro cardíaco equivale a um som adicional, audível além dos sons normais, que aparece como resultado de uma turbulência no fluxo de sangue capaz de produzir vibrações com intensidade suficiente para que possam ser audíveis através da caixa torácica1. O sopro cardíaco pode ser uma fonte de ansiedade tanto para os médicos quanto para os pais, até que distúrbios cardíacos graves sejam excluídos.

O sopro cardíaco inocente é o achado mais comum em crianças saudáveis e geralmente pode ser diagnosticado através de anamnese e exame físico completos. No entanto, um sopro cardíaco pode ser o primeiro sinal de doença cardíaca estrutural e não deve ser ignorado. A constatação de sopros em crianças é a causa mais comum de encaminhamento para o cardiologista pediátrico.

Este encaminhamento é necessário quando a avaliação do sopro não é clara e a incerteza diagnóstica está presente. Na maior parte das vezes, estas alterações consistem em variações da normalidade e em sopros inocentes, portanto, uma avaliação adequada deve ser realizada, evitando-se encaminhamento e a realização de exames complementares desnecessários. Educar e tranquilizar os pais continua sendo um aspecto importante desta avaliação2,3.

Sopro cardíaco

Anamnese

O pediatra deve questionar sobre determinadas situações associadas a cardiopatias:

  • História familiar de cardiopatia congênita em parentes de primeiro grau, cardiomiopatia hipertrófica ou morte súbita em lactentes;
  • História pessoal de condições associadas a cardiopatias congênitas (doenças genéticas, doenças do tecido conectivo, erro inato do metabolismo e má-formação de outros órgãos);
  • História de doenças associadas a cardiopatias adquiridas (doença de Kawasaki e febre reumática);
  • Antecedentes pré-natais e perinatais (exposição fetal ao álcool, exposição fetal a substâncias potencialmente teratogênicas, infecções e diabetes gestacional);
  • Presença de sinais e sintomas que podem ser decorrentes de cardiopatias (intolerância aos esforços, como dificuldade para mamar, dificuldade de ganho ponderal, cianose, dor precordial, palpitação e síncope)4.

Exame físico

A avaliação física deve ser sistematizada e detalhada. Deve-se identificar, inicialmente, o estado geral da criança, sua atividade, a coloração de sua pele e seu fenótipo, além de dados antropométricos e sinais vitais (frequências cardíaca e respiratória, saturação de oxigênio e pressão arterial). Estes dados devem ser comparados com os valores esperados para a idade. A ausculta cardíaca deve ser sempre realizada com estetoscópio adequado, em um lugar silencioso, e com a criança tranquila.

Leia mais: Sopros cardíacos: como realizar a triagem antes de encaminhar para o cardiologista pediátrico?

Uma nova avaliação deve ser considerada caso não haja estas condições em um primeiro momento4. No entanto, é importante ter em mente que a avaliação do sistema cardiovascular vai além da ausculta cardíaca: a constatação de diferenças na palpação dos pulsos pode sugerir alguma cardiopatia3.

Classificação dos sopros

Quanto à posição durante o ciclo cardíaco, o sopro pode ser classificado em:

  • Sistólico: ocorre entre a primeira e a segunda bulhas;
  • Diastólico: ocorre entre a segunda e a primeira bulhas;
  • Contínuo: ocorre entre as bulhas, sem interrupção5.

Quanto às suas características, o sopro sistólico é classificado como:

  • Em ejeção: é mesossistólico, conhecido como “crescendo e decrescendo”. A primeira e a segunda bulhas não são encobertas pelo sopro. Quando patológico, pode ser encontrado em lesões obstrutivas ao fluxo de saída do ventrículo esquerdo (estenose aórtica) ou direito (estenose pulmonar);
  • Em regurgitação: é holossistólico. Começa concomitantemente à primeira bulha, chegando à segunda. Pode ocorrer em defeitos do septo ventricular (comunicação interventricular – CIV) ou na insuficiência de válvulas tricúspide ou mitral5.

Já o sopro diastólico pode ser classificado, segundo suas características, como:

  • Em regurgitação: tem início imediatamente após a segunda bulha, com redução de intensidade até o meio ou final da diástole. Ocorre em regurgitações de válvulas aórtica ou pulmonar;
  • Em ruflar: é de baixa intensidade e acontece ao fim da diástole, na estenose de válvulas tricúspide ou mitral;
  • Sopro de enchimento ventricular: é um sopro de curta duração, começando no início da diástole, em condições em que um grande volume de sangue passa pelas válvulas tricúspide ou mitral, com estenose relativa destas válvulas.

Por exemplo, pode ocorrer na comunicação interatrial (CIA), onde há uma estenose relativa da válvula tricúspide, ou na CIV, onde há estenose relativa da válvula mitral5.

Por fim, o sopro contínuo é um sopro de característica singular, ocorrendo de forma ininterrupta durante todo o ciclo cardíaco. Pode haver alternância entre períodos de maior e de menor intensidade. É um sopro peculiar de comunicações entre artérias, como a persistência do canal arterial (PCA)5.

De acordo com a sua localização, o sopro pode ser classificado em: aórtico; pulmonar; mitral; tricúspide; aórtico acessório; pancardíaco5.

O sopro também pode ser classificado segundo sua intensidade:

  • Graus I e II: intensidade fraca. Lembrando que o sopro só é identificado em auscultas realizadas com muita cautela;
  • Graus III e IV: intensidade moderada. No grau IV, ocorre frêmito;
  • Graus V e VI: intensidade grave, com frêmitos5.

A presença de frêmito é sempre sugestiva de cardiopatia, principalmente se estiver associado ao sopro3.

Sopro inocente

O sopro cardíaco inocente consiste em uma alteração da ausculta cardíaca que ocorre na ausência de anomalia anatômica ou funcional do sistema cardiovascular, sendo um achado bastante frequente. O sopro inocente é mais facilmente audível em situações de hipercinesia circulatória (anemia, febre).

Raramente é contínuo. Em geral é sistólico, mas nunca é diastólico, sendo de curta duração e de baixa intensidade. Ocorre na presença de bulhas normais e não está associado a ruídos acessórios ou frêmitos. Localiza-se em área pequena e bem definida, sem irradiação e está associado a radiografia (RX) de tórax e eletrocardiograma (ECG) normais5.

Tipos mais frequentes de sopro inocente5:

Tipo de sopro Características Idade Diagnóstico diferencial
Sopro de Still Sopro inocente mais frequente

Audível no início da sístole Intensidade 2 a 3+/6 Musical ou vibratório

Melhor audível em bordo esternal esquerdo baixo. Reduz de intensidade quando o paciente muda da posição supina para sentada

Raramente encontrado em lactentes

Entre 3 e 12 anos Comunicação interventricular 

Estenose subaórtica

Miocardiopatia hipertrófica

Sopro de ejeção pulmonar Sopro sistólico em foco pulmonar

Intensidade reduz com a alteração de decúbito

Segunda bulha sempre normal

Entre 2 e 14 anos Comunicação interatrial

Estenose pulmonar

Sopros de ramos pulmonares Sopro sistólico, mais frequente em região clavicular esquerda

Suave, sem irradiação

Neonatos Estenose de ramos pulmonares
Sopro sistólico supra clavicular Mesossistólico

Audível bilateralmente, mais comum à direita, acima das clavículas

Baixa intensidade, sem frêmito

Entre 2 e 14 anos Estenose aórtica Estenose pulmonar
Zumbido venoso ou “venous hum” Sopro contínuo, aumenta na diástole

Único sopro inocente que não é sistólico 

Audível na face anterior e inferior do pescoço, ao lado do esternocleidomastoideo, principalmente à direita

Entre 1 e 5 anos Persistência do canal arterial Fístulas arteriovenosas

Fonte: adaptado de Horta & Pereira, 2017, e Sociedade Brasileira de Pediatria, 20184,5

Em crianças e adolescentes, o diagnóstico de sopro inocente pode ser feito se quatro critérios forem atendidos: ausência de achados anormais no exame físico (exceto o sopro); a criança é assintomática; história negativa para características que aumentam o risco de doença cardíaca estrutural; características auscultatórias características de um sopro cardíaco inocente específico.

Estes critérios não são apropriados para recém-nascidos (RN) ou crianças menores de um ano, pois estes pacientes têm uma taxa mais elevada de cardiopatia estrutural assintomática. Quando um sopro não pode ser prontamente identificado como inocente, a criança deve ser encaminhada para um cardiologista pediátrico6.

Sopro patológico

É provocado por uma cardiopatia. Nas cardiopatias congênitas acianóticas, o sopro patológico cursa com características peculiares a cada doença, o que não ocorre em cardiopatias congênitas cianóticas5. Possuem as seguintes características:

  • Podem ser acompanhados por outras manifestações clínicas da cardiopatia em si;
  • Estão associados a alterações de bulhas, estalidos ou cliques;
  • Irradiam-se, de forma fixa e nítida, para outras áreas;
  • Estão associados a alterações em exames de imagem, como RX de tórax, ecocardiograma, ECG5. No entanto, deve-se ter muito cuidado ao solicitar exames complementares, pois os mesmos podem revelar alterações que devem ser interpretadas de acordo com as características de cada criança3.

Sopros patológicos:

Tipo de sopro patológico Cardiopatia
Sistólico de ejeção Estenose aórtica ou pulmonar

Obstrução em via de saída ventricular

Sistólico de regurgitação Defeitos septais

Insuficiência tricúspide ou mitral

Diastólico em ruflar(todos os sopros diastólicos são sempre patológicos) Estenose tricúspide ou mitral
Sistodiastólico Truncus arteriosus

Agenesia de válvula pulmonar

Comunicação interventricular + insuficiência aórtica

Contínuo Fístula arteriovenosa

Persistência do canal arterial

Aneurisma roto do seio da aorta

Colaterais sistemicopulmonares

Fonte: adaptado de Horta & Pereira, 2017 5.

É relevante destacar que a ausência de sopros não exclui a possibilidade de cardiopatia, pois muitas delas, sejam congênitas ou adquiridas, não apresentam sopro, como transposição de grandes artérias, coarctação da aorta, interrupção do arco aórtico, truncus arteriosus, ventrículo único sem estenose pulmonar e miocardiopatia, por exemplo4.

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Referências:

  • Oliveira, R.; Martins, L.; Andrade, H.; Pires, A.; Castela, E. (2013). Sopro Cardíaco Pediátrico: estudo de série de casos. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. 29:398-402.
  • Etoom, Y.; Rataplan, S. (2014). Evaluation of children with heart murmurs. Clinical Pediatrics (Phila). 53(2):111-117.
  • Kobinger, M.E.B.A. (2003). Avaliação do sopro cardíaco na infância. Jornal de Pediatria. 79(1):S87-95.
  • Departamento Científico de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Pediatria. Avaliação da criança com sopro cardíaco. 2018.
  • Horta, M. G. C.; Pereira, RST. Sopro cardíaco na criança (2017). Em: Sociedade Brasileira de Pediatria, Tratado de Pediatria (4 ed., vol. 1, pp. 503-508). Barueri, SP: Manole.
  • Frank, J.E.; Jacobe, K.M. (2011). Evaluation and Management of Heart Murmurs in Children. American Family Physician. 84(7): 793-800.

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