Saiba empregar o cálculo de risco cardiovascular na atenção primária

Não há como pensar sobre risco cardiovascular sem mencionar prevenção. Neste artigo falaremos como calcular o risco cardiovascular na atenção primária.

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Foi publicada em novembro a nova diretriz da American Heart Association (AHA) para Colesterol e Dislipidemias.  Contudo não há como abordar manejo de dislipidemias sem pensarmos em risco cardiovascular. E não há como pensar sobre risco cardiovascular na atenção primária sem se questionar níveis de prevenção. O assunto é cercado de ideologias, mas aqui discutiremos os fatos publicados no artigo de circulação, derivado da diretriz, sobre risco cardiovascular e prevenção.

As últimas duas décadas carregaram o paradigma da prevenção de eventos cardiovasculares baseados nos escores de risco absoluto. Basicamente enquanto os pacientes de baixo risco eram tratados com medidas de modificação do estilo de vida (MEV), os de moderado, alto e muito alto risco eram tratados com estatinas baseadas em potência conforme o risco. Assim o cálculo de risco cardiovascular absoluto passou a ser a ferramenta clínica base para a decisão da modalidade terapêutica adotada no cotidiano.

Leia mais: Conheça novas recomendações da diretriz AHA/ACC 2018 sobre bradicardia

O uso do risco relativo na prática clínica é dotado de algumas limitações de ordem prática para recomendações populacionais devida a incerteza da incidência de certos agravos em dados grupos populacionais. Dessa forma um risco relativo de 10 pode parecer alto, porém em um grupo cuja incidência do quesito em análise é próximo do zero, esse risco absoluto também se torna baixo, o que muda o olhar voltado para a população.

Por outro lado, essa mesma medida permite uma avaliação direta em termos individuais do prognóstico e identificação de sujeitos com características suficientes de semelhança para benefício individual e coletivo. Além disso, a medida permite selecionais pacientes para uma indicação e avaliação mais intensiva de MEV e uma comparação maior de benefícios e danos de uma prevenção farmacológica para uma decisão clínica compartilhada.

Há evidências de estudos observacionais que reforçam positivamente essa avaliação para seleção de pacientes para terapia farmacológica, diminuindo o número necessário para tratar (NNT) e prevenir um evento cardiovascular em cinco a 10 anos e maximizando os benefícios da terapia tanto com estatinas quanto para hipertensão. A avaliação do risco absoluto pode ser realizada facilmente no consultório com calculadoras clínicas, como a que você encontra no Whitebook.

O artigo em questão cita ainda uma revisão incluída na diretriz que revisou 41 trials, os quais avaliaram o uso a curto prazo da estimativa de risco cardiovascular para prevenção primária. Houve uma heterogeneidade significativa entre os estudos. Todavia, quando se compara o cuidado incluindo avaliação de risco versus o cuidado convencional, há uma redução significativa, porém tímida, da mortalidade.

Por outro lado outros desfechos como menores taxas de lipídios, metas cumpridas de níveis pressóricos, maior adesão à MEV e maior adesão farmacológica são evidentes. Na diretriz de 2018 da AHA para manejo de dislipidemias a avaliação do risco cardiovascular em 10 anos baseada em escores tradicionais validados para aferição do risco é o primeiro passo para decisão da medida adotada na prevenção primária.

Os resultados da determinação do risco devem ser comunicados ao paciente para se estabelecer um plano conjunto para estratégia de prevenção, discutindo intensidade das medidas de intervenção e inclusive medidas farmacológicas. Na diretriz atual, pacientes com risco entre 5 e 7,5% devem ser considerados como limítrofes para o risco e devem ser considerados para terapia com estatinas sob certas condições clínicas. Pacientes com risco intermediário (entre 7,5 e 20%) devem ser abordados no sentido de benefício com terapia farmacológica para estatinas de intensidade moderada e alta. Já aqueles pacientes com risco elevado (acima de 20%) devem ser tratados com terapia farmacológica com estatinas de alta intensidade.

Conhecer quais populações possuem melhores benefícios mediantes certas medidas é o primeiro passo para uma decisão clínica compartilhada responsável com intervenções mais seguras e assertivas, gerando menor dano e maior benefício ao paciente. Para isso o cálculo do risco cardiovascular é o ponto de partida para uma decisão clínica eficiente. Além disso é princípio para uma discussão de controle de fatores de risco cardiovascular e maior adesão à MEV. Os fatores de risco cardiovascular modificáveis e não modificáveis estão listados a seguir e são peça-chave para elaboração de uma decisão clínica compartilhada possuem peso de grande relevância quando associado ao cálculo do risco cardiovascular.

  •  História familiar de evento cardiovascular prematuro (homens com idade menor que 55 anos e mulheres com idade menor que 65 anos)
  • Hipercolesterolemia primária (LDL-C 160-189 mg/dL; não-HDL-C 190-219 mg/dL)
  • Síndrome metabólica (circunferência abdominal aumentada; triglicerídeos aumentados (>175 mg/dL); hipertensão; glicemia elevada e baixo HDL-C (<40 mg/dL para homens; <50 mg/dL para mulheres) – 3 desses fatores firmam o diagnóstico
  • Doença renal crônica (TFG 15-59 mL/min/1,73m² com ou sem albuminúria; DRC não tratada com diálise ou transplante renal)
  • Condições inflamatórias crônicas como psoríase, artrite reumatoide, ou HIV/AIDS
  • História de menopausa prematura (anterior à 40 anos) e história de gestação complicada com fatores que aumentam risco cardiovascular como pré-eclâmpsia
  • Alto risco étnico (ex. descendência Sul Asiática)
  • Hiperlipidemia associada à elevação de biomarcadores (ex. hipertrigliceridemia persistente >175mg/dL com elevada PCR-us >2 mg/dL)

A decisão da terapia farmacológica como prevenção primária deve ainda levar em conta o desejo do próprio paciente em evitar um acidente vascular encefálico ou infarto agudo do miocárdio e valor potencial de aumentar sua longevidade e contraponto ao desejo de evitar uma “medicalização” de condições evitáveis e o inconveniente de se usar uma medicação de uso diário.

Finalmente, a decisão do início de uma terapia farmacológica de prevenção primária para eventos cardiovasculares pautada no cálculo de risco absoluto em 10 anos deve ainda levar em conta a estimativa de vida do indivíduo em 10 anos, uma vez que uma expectativa de vida pequena em 10 anos pode ser um fator que torne a intervenção indesejada e sem benefícios.

Quando o paciente aparecer preocupado com sua saúde e você aproveitar a janela de oportunidade para uma prevenção oportuna já sabe que recursos utilizar e que elementos elencar para uma decisão clínica compartilhada.

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Referências:

  • Lloyd-Jones, D. M., Braun, L. T., Ndumele, C. E., Smith Jr, S. C., Sperling, L. S., Virani, S. S., & Blumenthal, R. S. (2018). Use of Risk Assessment Tools to Guide Decision-Making in the Primary Prevention of Atherosclerotic Cardiovascular Disease: A Special Report From the American Heart Association and American College of Cardiology. Journal of the American College of Cardiology.

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