Saiba mais sobre a Síndrome de Dravet

A síndrome de Dravet ou epilepsia mioclônica grave da infância é uma encefalopatia progressiva associada à convulsões de difícil controle.

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A síndrome de Dravet ou epilepsia mioclônica grave da infância (SMEI – Severe Myoclonic Epilepsy of Infancy) é uma encefalopatia progressiva associada à convulsões de difícil controle e, muitas vezes, a profunda deficiência intelectual, representando um dos maiores riscos de morte súbita e inesperada em pacientes com epilepsia.

Foi descrita pela primeira vez pela epileptologista francesa Charlotte Dravet em 1978. Dravet detalhou um grupo de crianças com crises mioclônicas, atraso cognitivo e um distúrbio de movimento progressivo associado à convulsões febris e que foram erroneamente diagnosticadas como síndrome de Lennox-Gastaut. Estas manifestações clínicas haviam surgido antes dessas crianças terem completado 12 meses de idade.

Epidemiologia

A síndrome de Dravet é uma epilepsia característica da primeira infância. Sua incidência relatada na literatura mundial varia de 1/15.700 a 1/60.0003,4, integrando o grupo de doenças raras (1/2000). Em Portugal, de acordo com a  Associação Síndrome de Dravet, estima-se que haja menos de 100 pacientes diagnosticados corretamente. Entretanto, dados estatísticos têm mostrado que o número total de pacientes possa ser próximo a 500 no país.

Etiologia

A relação entre a síndrome de Dravet e variantes patogênicas do gene que codifica a subunidade α1 de canais de sódio neuronais dependentes de voltagem (SCN1A) foi identificada em 2001. Este gene codifica a subunidade α1 dos canais de sódio controlados por voltagem Nav1.1, localizado no segmento inicial dos interneurônios GABAérgicos.

O Nav 1.1 substitui gradualmente o Nav 1.3, subunidade embrionária dos canais de sódio, durante o primeiro ano de vida. Esta linha do tempo se correlaciona com o início e progressão dos sintomas da síndrome de Dravet. Uma mutação no gene SCN1A está presente em até 85% das crianças com síndrome de Dravet. Mais de 1200 variantes únicas de perda de função foram identificadas, com a maioria sendo truncada. Ter uma variante patogênica em SCN2A ou SCN3A além do SCN1A tem sido associado com um início mais precoce e curso mais grave da doença.

Além disso, 10 a 20% dos pacientes com a síndrome não possuem variantes patogênicas no SCN1A, sugerindo que outros genes também possam estar envolvidos em sua etiologia (a literatura cita o envolvimento de outros genes, como PCDH19 e GABRG2). Além disso, mutações SCN1A podem também ser encontradas em pacientes com convulsões febris ou tipos mais complicados de epilepsia, como crises focais migratórias. Portanto, uma cuidadosa correlação clínica é necessária.

Fisiopatologia

Vários mecanismos fisiopatológicos foram relatados na síndrome de Dravet, e o mais aceito é a “hipótese do interneurônio”. Nessa hipótese, mutações no gene SCN1A resultam na inibição dos interneurônios inibitórios GABAérgicos, resultando em excitação excessiva. Este mecanismo é suportado por um modelo de experimental com camundongos.

O Nav1.1 foi, preferencialmente, expresso nos segmentos iniciais do axônio de interneurônios parvalbumina-positivos, o principal tipo afetado na síndrome de Dravet. Estudos utilizando experimentais sugerem que tanto os neurônios inibitórios GABAérgicos quanto os excitatórios glutamatérgicos presentes no prosencéfalo de pacientes com síndrome de Dravet são hiperexcitáveis ​​com o aumento da densidade da corrente de sódio. Além disso, a haploinsuficiência do SCN1A pode resultar em um aumento compensatório da via de expressão de outros canais de sódio6.

Quadro clínico

A síndrome de Dravet tem início típico entre 1 e 18 meses de idade. A apresentação clínica inicial em uma criança pequena é bastante característica:

  • Convulsões generalizadas tônico-clônicas ou hemiconvulsões recorrentes: são obrigatórias para o diagnóstico. Estas são muitas vezes prolongadas, mas podem ser de curta duração;
  • As convulsões mioclônicas são tipicamente vistas aos 2 anos de idade;
  •  O estado de obtundação, as convulsões focais discognitivas e as ausências atípicas são também típicas, mas geralmente ocorrem após os 2 anos de idade; ausências típicas e espasmos epilépticos são atípicos; 
  • A hipertermia desencadeia convulsões na maioria dos pacientes; outros gatilhos podem incluir luzes piscando, banho, alimentação e esforço excessivo;
  • Desenvolvimento e exame neurológico normais no início;
  • Ressonância magnética (RNM) de crânio normal e achados de eletroencefalograma (EEG) não específicos no início.

Em crianças mais velhas ou adultos não diagnosticados previamente e nos quais a história da primeira infância não é disponibilizada, o diagnóstico pode ser mais desafiador. Nestes pacientes, a síndrome de Dravet pode apresentar as seguintes características:

  • Convulsões persistentes (focais e/ou generalizadas);
  • Estado recorrente epiléptico e estado de obnubilação menos frequentes com o tempo, podendo não ser observados na adolescência e na idade adulta jovem;
  • A hipertermia não é mais um gatilho para crises convulsivas na adolescência e na idade adulta;
  • Exacerbação da convulsão com o uso de fármacos que atuem nos canais de sódio;
  • Deficiência intelectual (tipicamente evidente na idade entre 18-60 meses);
  • Anormalidades no exame neurológico: tipicamente evidentes aos 3-4 anos de idade e incluem marcha do tipo Crouch (agachada), hipotonia e incoordenação, por perda de volume global de substâncias cinzenta e branca e atrofia ou esclerose de hipocampo;
  • A RNM de crânio é tipicamente normal, mas pode mostrar uma leve atrofia generalizada e/ou esclerose de hipocampo;
  • O EEG mostra desaceleração difusa das atividades de fundo, muitas vezes, com descargas interictais multifocais e/ou generalizadas. Resposta fotoparoxística pode ser vista

Entre os pacientes com síndrome de Dravet, 10 a 15% morrem durante a infância, a maioria como resultado de estado de mal epiléptico prolongado ou morte súbita. A ansiedade sobre o risco de morte é bastante elevada em pais e cuidadores.

Diagnóstico

O diagnóstico precoce é fundamental para proporcionar um tratamento ideal, porque o tratamento da síndrome de Dravet difere do tratamento de convulsões febris e outras formas de epilepsia. No entanto, pelo fato de que muitos pediatras podem não estar familiarizados com esta encefalopatia epiléptica genética precoce, o reconhecimento e o diagnóstico da síndrome de Dravet geralmente permanecem um grande desafio.

Uma elevada suspeição clínica é necessária para seu diagnóstico, pois a RNM de crânio é tipicamente normal e os achados do EEG não são específicos. A apresentação clínica inicial da síndrome de Dravet é única, com crises convulsivas, recorrentes, muitas vezes prolongadas e desencadeadas por febre, banho ou outros estímulos, em uma criança normal em desenvolvimento. Se uma criança evolui com crises convulsivas febris recidivantes durante o primeiro ano de vida e apresenta um EEG com ponta-onda provocadas por fotoestimulação, o diagnóstico de síndrome de Dravet pode ser ponderado.

O teste SCN1A deve ser realizado em casos de suspeita de síndrome de Dravet e de algumas outras encefalopatias epilépticas infantis de início precoce. O diagnóstico clínico confirmado por exame genético pode permitir a otimização da terapia com medicamentos antiepilépticos com melhor controle das crises. Além disso, pode evitar investigações desnecessárias e informar o aconselhamento genético

Tratamento

Um resumo do tratamento da síndrome de Dravet encontra-se no Quadro 1.

Notas: O estiripentol foi recentemente aprovado pelo Food and Drug Administration para tratamento da síndrome de Dravet em crianças com 2 anos de idade ou mais que estejam em uso de ácido valproico e clobazam (WIRREL et al., 2017; BUCK; GOODKIN, 2019). Não apresenta, até o momento, registro no website da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Etossuximida, fenobarbital e estimulador de nervo vago apresentam recomendação moderada. Os demais medicamentos e as dietas apresentam recomendação forte (North American Consensus Panel – WIRREL et al., 2017).
Fonte: Adaptado de WIRREL et al., 2017.

 

Referências:

  • BRINKLAUS, A. Dravet syndrome – Time to consider the burden beyond the disease. European Journal of Paediatric Neurology, v.23, n.3, p.344, 2019.
  • DRAVET PORTUGAL. Síndrome de Dravet, 2019. Disponível em: http://dravet.pt/sindrome-dravet/. Acesso em 30 de jul. 2019
  • BUCK, M. L.; GOODKIN, H. P. Stiripentol: A Novel Antiseizure Medication for the Management of Dravet Syndrome. Annals of Pharmacotherapy, 2019.
    1. WIRREL, E. C. et al. Optimizing the Diagnosis and Management of Dravet Syndrome:
  • Recommendations From a North American Consensus Panel. Pediatric Neurology, v.68, p.18-34, 2017.
  • CONNOLLY, M. B. Dravet Syndrome: Diagnosis and Long-Term Course. The Canadian Journal of Neurological Sciences, v.43, Suppl.3:S3-8, 2016.
  • LOW, A. M. S. Epilepsia na Infância. In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Tratado de Pediatria, v.2. Barueri: Manole, 2017. Capítulo 2, p.1319-1325.
  • AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Consultas, 2019. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/. Acesso em 01 de ago. 2019.

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