Salbutamol traz benefícios para tratamento de crianças com asma aguda grave?

Estudo não encontrou benefício na adição de uma dose de ataque de salbutamol à infusão contínua em crianças com estado de mal asmático.

Em um recente estudo publicado no periódico European Journal of Pediatrics, pesquisadores da Holanda não encontraram benefício clínico da adição de uma dose de ataque de salbutamol intravenoso (IV) à infusão contínua em crianças com estado de mal asmático (EMA) admitidas em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).  

Durante um episódio de EMA, a administração eficaz de medicamentos inalatórios é imprevisível devido à obstrução grave das vias aéreas. Dessa forma, a administração IV de salbutamol pode ser mais eficaz. No entanto, há escassez de dados que abordem a eficácia dessa estratégia terapêutica. Inclusive, o regime de dose ideal para o tratamento IV em pacientes pediátricos com esse diagnóstico ainda é uma questão de debate. Portanto, o objetivo primário do estudo foi avaliar a eficácia de uma dose de ataque adicional de salbutamol IV em crianças internadas em UTIP com EMA, versus o início padrão de salbutamol IV, com dose de manutenção, sem ataque. 

Salbutamol

Metodologia 

Os pesquisadores conduziram um estudo multicêntrico, randomizado e controlado por placebo em sete UTIP de quatro hospitais pediátricos terciários da Holanda. Foram incluídos pacientes pediátricos com idades entre 2 e 18 anos admitidos entre 2017 e 2019 com diagnóstico de EMA.  

Todas as crianças com EMA entre 2 e 18 anos que não responderam ao tratamento inicial e, portanto, tiveram que receber infusão contínua de salbutamol de acordo com as diretrizes holandesas foram elegíveis (segundo essas diretrizes, o salbutamol IV deve ser considerado se a inalação contínua com salbutamol tiver efeito insuficiente ou nulo, com escore de asma de Qureshi et al. igual ou superior a 10 após três nebulizações). Inclusive, as diretrizes nacionais holandesas atuais recomendam a admissão na UTIP assim que a criança receber salbutamol IV, independentemente da dosagem. 

Os critérios de exclusão foram: 

  • Doença cardíaca que interfere com o tratamento normal da asma;
  • Condição pulmonar crônica pré-existente que não seja asma, como fibrose cística, displasia broncopulmonar e bronquiolite obliterante; 
  • Síndrome de Down; 
  • Imunodeficiência secundária; 
  • Ter recebido uma dose de ataque de salbutamol IV antes da inscrição no estudo; 
  • Ter sido admitido mais de duas horas antes do início do estudo;
  • Ter recebido ventilação mecânica invasiva (VMI) antes de receber a medicação do estudo ou placebo (o que evitaria avaliação do escore clínico da asma).  

Antes da admissão na UTIP, cada criança recebeu nebulização contínua com salbutamol, prednisona e um bolus de sulfato de magnésio (MgSO4) de acordo com a diretriz nacional holandesa de EMA. 

As crianças foram randomizadas para receber uma dose de ataque de salbutamol IV (15 mcg/kg, dose máxima 750 mcg) ou soro fisiológico durante a infusão contínua de salbutamol. O desfecho primário foi o escore de asma de Qureshi et al. em uma hora depois da intervenção. A análise de modelos de covariância foi usada para avaliar a sensibilidade à mudança nos escores de asma. Ademais, foram obtidas as concentrações séricas de salbutamol. 

O escore de Qureshi et al.

 

Variável 

Escore de asma 

1 ponto 

2 pontos 

3 pontos 

FR (irpm) 

Idade 

  • 2 a 3 anos 
  • 4 a 5 anos 
  • 6 a 12 anos 
  • >12 anos 
 

34 

30 

26 

23 

 

35 – 39 

31 – 35  

27 – 30 

24 – 27  

 

40 

36 

31 

28 

Saturação de oxigênio (%) 

>95% em AA 

90 – 95% em AA 

<90% em AA ou O2 suplementar 

Ausculta 

Respiração normal ou sibilos expiratórios finais 

Sibilos expiratórios 

Sibilância inspiratória e expiratória, sons respiratórios diminuídos, ou ambos 

Tiragens 

Nenhum ou intercostal 

Intercostal e subesternal 

Intercostal, subesternal e supraclavicular 

Dispneia  Fala em frases ou arrulhos e balbucios  Fala em frases parciais ou emite gritos curtos 

Fala em palavras isoladas ou frases curtas ou grunhidos 

 

Gravidade da asma 

 

Leve 

Moderada 

Grave 

Taxa de pico de fluxo expiratório (% do valor previsto) 

>70 

50 – 70  

<50 

Escore de asma 

5 – 7  

8 – 11  

12 – 15 

Legenda: AA – ar ambiente;FR – frequência respiratória;O2 – oxigênio; irpm – incursões respiratórias por minuto. 

Fonte: Adaptado de Qureshi et al. (1998) – tradução livre. 

Resultados 

Foram incluídos 58 pacientes (29 no grupo de intervenção [GI] e 29 no grupo controle [GC]). A mediana de idade foi de cinco anos no GI e de oito anos no GC (p = 0,03).  

O escore de asma basal mediano foi 12 no GI e 11 no GC (p=0,032). O escore de asma uma hora após a intervenção não diferiu significativamente entre os grupos (p=0,508, β-coeficiente=0,283). O aumento médio nos níveis plasmáticos de salbutamol dez minutos após a intervenção foi de 13 μg/L no GI e 4 μg/L no GC (p=0,001). Ademais, a média do tempo de internação na UTIP foi de 58 horas no GI e 55 horas no GC (p=0,696).  

Terapias adjuvantes e suporte ventilatório foram semelhantes entre os dois grupos. Somente um paciente do GC necessitou de VMI (após administração do medicamento do estudo, uma vez que a VMI foi um critério de exclusão).  

Hipotensão (pressão arterial, se disponível) foi definida como uma pressão menor que o percentil 5 da pressão arterial sistólica e foi documentada em 15 pacientes: 11 no GC e 4 no GI (p=0,077). Nenhum paciente exigiu suporte inotrópico. Um paciente do grupo placebo apresentou taquicardia supraventricular e se recuperou sem complicações após a suspensão do salbutamol IV. No GI, 29 pacientes desenvolveram hiperglicemia (>8 mmol/L), contra 27 pacientes no GC (p=0,150). Nenhum dos pacientes havia sido tratado com insulina. Taquicardia estava presente em todos, exceto um paciente, durante a admissão na UTIP. Os efeitos colaterais, portanto, foram comparáveis entre os dois grupos. 

Conclusão 

Os pesquisadores não encontraram efeito benéfico de uma dose de ataque de salbutamol IV em crianças com EMA admitidas em UTIP (a maioria já em infusão de salbutamol IV) em relação ao escore clínico de asma, uso de outros medicamentos, suporte ventilatório e tempo de internação na UTIP. Além disso, não houve efeitos colaterais significativos. No entanto, os cientistas destacam que estudos futuros devem se concentrar na eficácia de uma dose de ataque de salbutamol IV no pronto-socorro, antes ou simultaneamente ao início da infusão contínua, com o objetivo final de prevenir maior deterioração do desconforto respiratório e admissão em UTIP. Por fim, destacam a necessidade de um escore de asma validado para estudar a eficácia de diferentes intervenções no contexto de atendimento de emergência e cuidados intensivos.  

Comentário 

Como comentado pelos próprios autores, o escore de asma de Qureshi et al., embora considerado por muitos como o melhor escore de gravidade da asma disponível, necessita de estudos de validação em diferentes populações, o que pode ser considerado como uma limitação do estudo. De fato, muitos locais, inclusive, não utilizam nenhum escore clínico de gravidade. Tenho bastante prática com o uso do escore de Wood-Downes que, apesar de antigo, ainda é pouco disseminado, sendo mais usado para fins de pesquisa.

Leia também: O escore de Wood-Downes na avaliação da gravidade da asma em pediatria

Apesar de nos fornecer dados importantes sobre o uso do ataque de salbutamol venoso, diante dessa limitação, considero ainda necessária uma indicação individualizada do salbutamol IV. Já utilizei ataque em algumas situações na prática, com excelentes resultados em situações pontuais.  

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