Semana de Telemedicina: existem limites para o atendimento à distância?

Quando pode ser realizado o teleatendimento e quais os limites da atuação do médico? Muitos já adentraram na telemedicina, mas até onde podem ir?

Quando pode ser realizado o teleatendimento e quais os limites da atuação do médico online? Muitos já adentraram no universo da telemedicina, mas até onde podem ir? O que é possível fazer online, de fato? E quando não é recomendado usar a teleconsulta? Sabemos que a consulta virtual não veio para substituir a consulta presencial – veio para melhorar o acesso do paciente ao profissional de saúde.

Por isso, neste texto, vamos abordar algumas questões em aberto e limitações deste tipo de atendimento médico. Até porque, na recente Lei da Telemedicina (Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020), uma das poucas recomendações é que “o médico deverá informar ao paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina”; logo, devemos conhecer quais são estes pontos.

médico segurando um tablet para telemedicina

Telemedicina

Diversas modalidades de telemedicina já acontecem há muitos anos no Brasil e no mundo: o telelaudo para o caso de exames radiológicos e ECG, por exemplo; a teleorientação (que inclui apenas orientações gerais, sem o diagnóstico e o tratamento) já é praticada inclusive por alguns planos de saúde; e a teleinterconsulta também já é relativamente frequente em alguns hospitais, como parecer entre médicos especialistas e generalistas. Mas a novidade desta época de pandemia é a teleconsulta diretamente do médico para com o paciente, que foi amplamente autorizada e já está valendo na prática.

Com as permissões atuais – proposta pelo Min.Saúde e pelo CFM, depois sendo concretizada pelo congresso e sancionada em lei pelo Executivo – , houve uma grande flexibilização. Está previsto que durante a pandemia pode ser realizado qualquer tipo de atendimento, tanto para casos de Covid-19, como para qualquer outra situação médica.

A legislação atual não menciona nada sobre qual aparelho de audiovisual deve ser utilizado e muitos tem usado vias comuns, como chamadas de vídeo por Whatsapp e outros apps de videoconferência. No entanto, especialistas orientam que seja utilizado algum canal seguro, que obedeça assim o chamado protocolo HIPAA (conjunto de conformidades para proteger informações digitais) e siga as regras da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde  (SBIS). Também não é mencionado nada sobre a necessidade de que a consulta seja gravada em vídeo; alguns médicos tem feito assim, outros não.

Sobre a cobrança de honorários médicos, está definido que tanto o atendimento particular pode ser remunerado, como também os planos de saúde devem reembolsar o valor destas consultas quando solicitados pelo usuário. Além disso, alguns conselhos regionais e sindicatos defendem que, nos atendimentos virtuais, os repasses aos médicos devam ser iguais ao do atendimento presencial, pois o que deve ser remunerado é o conhecimento e o tempo do profissional.

Ainda, é preciso lembrar que telemedicina é medicina. Logo, sendo a teleconsulta um ato médico, precisa ser registrada de algum modo. Está permitido que isso feito num prontuário eletrônico, em arquivos digitais ou em fichas de papel.

cadastro portal

Limitações da telemedicina

As vantagens de um atendimento a distância são óbvias: mais comodidade e segurança para o paciente (que pode evitar se expor ao risco de infecção pelo coronavírus, por exemplo); o médico consegue atender mais pessoas e em locais distantes; o paciente pode ser atendido por um especialista que não teria acesso na sua cidade.

Além disso, em alguns casos notou-se que a telemedicina pode acelerar a fila para consulta em instituições públicas; torna possível o acompanhamento de “follow-up” de maneira mais frequente e pontual quando não seria estritamente necessária uma consulta presencial (o que pode ajudar a desafogar o sistema em casos de doenças crônicas); e, em muitas vezes, uma breve orientação já é útil para indicar ao paciente sobre qual instituição ou médico especialista ele deve procurar.

De fato, apesar da previsão de que esta modalidade de atendimento médico seria mais “fria” e “distante”, na verdade alguns pacientes tem gostado mais, por lhe oferecer todas as vantagens mencionadas acima. Também por isso, há o risco de isso se tornar o modo padrão de atendimento, o que traz diversos problemas.

Mas as limitações da telemedicina também são muitas:

  • Exame físico: apesar de diversas sociedades de especialidade médica estarem se organizando para passar orientações sobre como examinar o paciente pela videoconferência, é evidente que em algumas situações simplesmente é inviável o atendimento: por exemplo, na palpação de abdome, para avaliar os reflexos neurológicos e realizar o exame ginecológico;
  • Ambiente inadequado: alguns fatores externos podem atrapalhar uma boa comunicação, como barulhos de fundo na casa do paciente; crianças e animais dispersando a atenção; e sinal de internet de má qualidade;
  • Pessoas pouco acostumadas com meios digitais podem não se expressar à vontade ou não sentir confiança no sigilo e privacidade daquele canal. Frequentemente, pode haver dificuldades objetivas ao ponto de o paciente não conseguir entender a orientação de direcionar bem a câmera para o melhor local a fim de que o médico possa tentar visualizar uma lesão cutânea, por exemplo;
  • Grande preocupação de autoridades médicas são as possibilidades de falta de ética no atendimento por maus profissionais. No entanto, tanto este quanto outros perigos já existem não apenas no ambiente virtual, e sim em cenários reais.

Quando converter a consulta para presencial?

Durante um atendimento online, quando o médico nota ser necessário que aquele paciente seja avaliado presencialmente, ele deve explicitar isso ao paciente. Isso pode acontecer no início, no meio ou no fim do atendimento; e, ocasionalmente, pode gerar algum desconforto, pois o paciente pode ter a expectativa prévia de que tudo será resolvido à distância. Por isso, uma dica importante isso seja manifestado antes da consulta, com algum tipo de Termo de Esclarecimento, seja este por escrito ou verbal.

Um caso deste tipo é uma possível urgência ou emergência, quando o médico precisa deixar claro que o paciente deve ir até um hospital ou serviço de pronto atendimento; ou precisa fazer um exame complementar ou tratamento imediatamente. Nestas situações, não está determinado se aquele mesmo médico precisa ser o profissional a atende-lo ou se por acaso outro colega faria esta papel, o que obviamente irá variar dependendo de diversos fatores (se estão na mesma cidade ou não; se aquele médico tem formação na área que o paciente precisa; se o paciente tem condições de custear um tratamento etc).

Leia também: Telemedicina durante pandemia do coronavírus: quais resoluções devem ser seguidas?

De qualquer modo, uma sugestão é que, se o paciente for ao hospital, por exemplo, então o médico que lhe atendeu online poderá entrar em contato com o médico que lhe atender presencialmente, para assim poderem discutir o caso e alinhar as condutas.

Em outros casos, aquele atendimento virtual pode ser útil sim, mas pode ser necessário que, num segundo momento futuro, aquela consulta seja completada com um atendimento presencial, de maneira eletiva (e não de urgência). Neste caso, também não está definido por lei se será aquele mesmo médico necessariamente ou não.

Prescrição e pedido de exames inviabilizam a teleconsulta?

Um item que sempre gera dúvida sobre a é a solicitação de exames, receitas de medicações não controladas e relatórios médicos em geral. A experiência de alguns colegas tem mostrado que algumas instituições (laboratórios de análises clínicas e farmácias, por exemplo) tem aceitado a “prescrição digitalizada”, que nada mais é do que o papel carimbado/assinado normalmente, que em seguida é escaneado ou tiramos uma foto.

No entanto, alguns estabelecimentos de saúde têm exigido o papel original ou a “prescrição digital”: esta se refere a um recurso digital que torne oficial, válida e obrigatoriamente reconhecida aquela prescrição ou qualquer outro documento médico feito de modo originalmente digital. Para isso, existem diversos meios possíveis: programas de computador, aplicativos, sites médicos ou prontuários eletrônicos que certificam aquele documento médico como sendo real, legal e válido – como uma espécie de “carimbo digital”.

Geralmente, estes recursos são pagos pelo médico ou pela instituição que o médico está atuando (hospital ou plano de saúde, por exemplo). Outra possibilidade é que o médico contrate uma “empresa certificadora” que certifique os seus documentos profissionais.

A prescrição digital é exigida para os receituários controlados (folha branca); mas nenhum dos sistema atuais contemplam as “receitas azuis” (para benzodiazepínicos, por exemplo), nem as receitas amarelas e nem os LME (Laudo de Solicitação, Avaliação e Autorização de Medicamento do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica), que mesmo nesta época de telemedicina ainda precisam ser feitas em papel, de acordo com normativa da Anvisa.

Como alternativa, o Conselho de Medicina do RJ construiu um pequeno serviço gratuito em seu site para resolver esta questão: os médicos do RJ podem prescrever receituário simples e controlado no próprio site do Cremerj, que automaticamente gera esta receita eletrônica. Ainda, alguns médicos tem optado por uma solução mais simples: após a teleconsulta, enviam ao paciente algumas desses documentos médicos por motoboy ou outros serviços de delivery/tele-entrega.

Dois pontos cegos

Apesar de amplamente autorizada durante a pandemia, a telemedicina ainda tem alguns pontos em aberto, não contemplados de maneira explícita pela legislação. Pesquisando entre autoridades e especialistas das áreas de saúde e jurídica, encontrei impressões divergentes principalmente sobre os seguintes pontos:

  1. Consulta de 1ª vez

Se um médico nunca atendi um paciente específico antes, pode atendê-lo por telemedicina? Isso não é abordado de maneira clara pela legislação atual, mas o Cremerj indica que não seria permitido (art. 5º, Resolução nº 305/2020).

A crítica contra essa proibição se basearia no fato de que o atual Código de Ética Médica parece apontar para uma permissão num caso de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional como é esta época de pandemia, ao dizer que “[é vedado ao médico] prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento” (art.37).

  1. Consultas a pacientes de outro estado

Como se sabe, a atuação regular e frequente de um médico em determinado estado brasileiro pede que seja registrado no respectivo CRM, mas a possível exceção a esta regra na época da pandemia também não está bem definida. Isto é: seria permitido atender a um paciente por telemedicina, sendo ele residente de outro estado?

Teoricamente, pelo menos a teleorientação poderia sim ser oferecida de um médico num estado para o paciente em outro estado; mas e se, durante este atendimento online, surgisse a demanda evidente por diagnóstico e tratamento – o que passaria a configurar a “teleconsulta” propriamente dita – , seria correto parar de dar assistência ao paciente? Esta pergunta não está bem respondida ainda.

Como sempre, estas e outras dúvidas (que certamente surgirão) apontam para a necessidade de perícia técnica, ética e bom senso por parte do profissional.

Indicações e contraindicações da teleconsulta

De maneira geral, poderíamos sugerir algumas situações em que a teleconsulta caberia adequadamente e quando ela deveria ser evitada (embora estas não sejam recomendações absolutas, devendo ser avaliados caso a caso):

Indicações para pacientes com Covid-19:

  • O paciente é suspeito ou confirmado (se for notado algum sinal de gravidade, deve ser encaminhado para atendimento presencial);
  • O médico ou o paciente está em isolamento;
  • O paciente reside em instituição de longa permanência, com funcionários disponíveis para auxiliar no manejo da videoconferência;
  • Há necessidade de um apoio a distância, devido a demanda aumentada em determinada localidade/instituição;
  • Paciente ou familiares ansiosos, que requerem tranquilização adicional.

Indicações para consultas não relacionadas à Covid-19:

  • Acompanhamento de rotina de doenças crônicas;
  • Triagem por médico ou enfermeiro quando um telefonema não é suficiente;
  • Motivos administrativos (renovação de receitas médicas, atestados,etc);
  • Serviços de aconselhamento psicológico;
  • Qualquer outra situação em que seja pior ir a um hospital/consultório (por exemplo, para alguns pacientes idosos frágeis).

Contraindicações à teleconsulta:

  • Avaliar pacientes com condições potencialmente graves e de grupos de risco, que provavelmente precisam de um exame físico;
  • Quando um exame físico mais específico (por exemplo, ginecológico) não possa ser evitado;
  • Pacientes com dificuldade para usar a tecnologia (por exemplo, em casos de confusão mental ou dificuldades auditivas), ou ansiedade significativa relacionada com a tecnologia (sem não houver acompanhantes para auxiliar).

Outros desafios

Se, numa consulta presencial, os aspectos comportamentais já eram muito importantes, numa teleconsulta eles devem ser ainda melhor praticados. Afinal, a ausência do contato físico precisa ser compensada por habilidades de empatia e comunicação online. Por isso, há a necessidade de escutar bem, demonstrar atenção zelar por clareza verbal, expressão facial adequada e entonação coerente com o teor da mensagem que se quer passar.

Também todo o âmbito do que alguns chamam de etiqueta digital deve ser bem cuidado, da parte do médico e do paciente: evitar que outros sites e notificações emitam ruídos durante a teleconsulta; cuidar da qualidade do som, para que ambos se entendam; que a iluminação ambiente seja favorável; etc.

Do mesmo modo, itens importantes como ética, sigilo, privacidade e humanização deverão ser adaptados para uma melhor experiência do paciente e eficiência durante o atendimento digital.

Conclusão

Algumas limitações são intrínsecas a esta modalidade de atendimento médico, já outras dependem apenas de ajustes e consenso nas permissões legais. Não se sabe como ficará as regras para a telemedicina após a pandemia, mas muitos apostam que esta é uma realidade que veio pra ficar.

Seja pela praticidade em alguns casos, seja por demanda do paciente ou pelo incentivo de algumas empresas e seguradoras, provavelmente a medicina online seguirá fazendo parte da nossa vida e precisamos estar preparados para isso.

Temos a certeza que a telemedicina será uma excelente maneira de oferecer bons cuidados de saúde, se lembrarmos que um pré-requisito para que sejamos um bom médico online é que também sejamos um bom médico “ao vivo”, no mundo real, nos aspectos técnicos e éticos.

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