Sepse na gestação: como reconhecer e abordar?

A sepse na gestação é rara, embora ocupe a 4ª causa de morte materna nos EUA. As alterações da mulher representam um desafio no reconhecimento e tratamento.

A sepse é uma condição rara na gravidez, embora ocupe a quarta causa de morte materna nos EUA. As alterações fisiológicas da gestante representam um desafio no reconhecimento e tratamento precoce da sepse na gestação e as atuais diretrizes – baseadas em ensaios clínicos randomizados – não incluem gestantes, dificultando ainda mais o estabelecimento de protocolos objetivos para esse público.

Sepse na gestação

Recentemente, foi publicado no Western Journal of Emergency Medicine, o artigo “Sepsis in Pregnancy: Recognition and Ressuscitation” (2019), que revisou a literatura para otimizar o reconhecimento e manejo da sepse na gestação. Até o momento, os principais critérios diagnósticos como SIRS, q-SOFA e SOFA não foram validados para gestantes.

Desta forma, foi sugerido o uso de uma combinação destes e de outros escores adaptados para gestantes – como o SOS e o MEOWS – para o diagnóstico.

Pneumonia

Cerca de 30% das gestantes com sepse tem como etiologia primária a pneumonia. O diagnóstico frequentemente sofre atraso, predispondo gestantes à complicações como empiema e insuficiência respiratória. A radiografia de tórax pode ser realizada com proteção abdominal na propedêutica. Contudo, o deslocamento do diafragma pelo útero gravídico e o aumento da densidade do parênquima podem dificultar sua avaliação.

Embora a tomografia (TC) seja raramente solicitada, ela pode ser realizada se necessária para o diagnóstico. Para o tratamento, penicilinas, cefalosporinas e macrolídeos são drogas consideradas seguras. Já as fluorquinolonas devem ser evitadas. Vancomicina e linezolida atualmente não têm perfil de segurança estabelecido na gestação, mas devem ser considerados em casos de suspeita de MRSA.

O trial PROTECT, que identificou fatores de risco para mortalidade secundária à pneumonia em pacientes admitidos no CTI, também excluiu gestantes. Contudo, se sabe que o limiar para admissão no CTI deve ser menor para gestantes, já que elas têm menor tolerância à hipoxemia (hipoxemia materna leva rapidamente à descompensação fetal). Por isso, deve ser mantida uma PaO2 maior que 70 mmhg. A interpretação da gasometria arterial da gestante deve ser mais cuidadosa devido à alcalose fisiológica (que pode mascarar os achados iniciais de uma insuficiência respiratória hipercapneica).

Pielonefrite

Pielonefrite é uma complicação mais comum nos 2º e 3º trimestres. Mudanças fisiológicas neste período como dilatação dos cálices renais, redução da peristalse uretral, compressão mecânica da bexiga e aumento na taxa de filtração glomerular (TFG) com glicosúria e alcalúria favorecem o quadro.

Opções para o tratamento incluem ceftriaxona, cefepima ou ampicilina + gentamicina, embora a ceftriaxona deva ser evitada no período peri-parto (risco de Kernicterus). Carbapenêmicos (exceto Imipenem) e piperacilina-tazobactan podem ser utilizados em pacientes imunocomprometidas ou em pielonefrite grave com prejuízo da drenagem urinária.

Apendicite

A apendicite durante a gestação pode se apresentar de forma atípica. Geralmente, se apresenta com dor e desconforto em QID (75%), náuseas e vômitos. Contudo, também pode se manifestar com dor no QSD. Além disso, em quase metade dos casos em gestantes há sensibilidade retal. A presença de leucocitose materna não é confiável para o diagnóstico.

A presença de hiperbilirrubinemia > 1,0 mg/dL tem demonstrado sensibilidade de 70% e especificidade de 86% na avaliação da apendicite perfurada, o que pode auxiliar no julgamento clínico. Além de avaliação imediata da cirurgia geral, para o tratamento devemos utilizar terapia antimicrobiana com cefalosporina de 2ª geração associada à clindamicina ou metronidazol.

Doença inflamatória pélvica (DIP)

A DIP é uma rara etiologia de sepse mais comum no 1ª trimestre. Neste período, pode ocorrer ascensão de bactérias antes da proteção completa do tampão mucoso, que ocorre até a 12ª semana. A DIP se apresenta com febre, dor abdominal, sensibilidade anexial e dor à mobilização do colo. A presença de febre com leucocitose e diarreia deve nos fazer pensar imediatamente em abscesso tubo-ovariano, independentemente do valor da PCR.

O tratamento deve ser realizado com azitromicina associada à uma cefalosporina de 2ª geração. A doxiciclina, muito utilizada para o tratamento no tratamento de DIP, não deve ser utilizada em gestantes por sua teratogenicidade.

Endometrite

Endometrite é uma infecção comumente polimicrobiana, com 2/3 de anaeróbios (Bacterioides fragillis, Clostridium e Peptostreptococo) e 1/3 de aeróbios (Streptococcus do grupo B, E. coli e enterococcus). A presença de hematoma sugere infecção por Streptoccus pyogenes ou Staphylococcus aureus. Se apresenta clinicamente com febre no pós-parto associada à taquicardia e lóquios desagradáveis e/ou corrimento de odor fétido. Para o tratamento, clindamicina e gentamicina costumam ser eficazes, embora essa combinação não cubra Enterococcus.

Mais da autora: Precisamos de critérios diagnósticos mais rigorosos para o diabetes gestacional?

Manejo

No manejo da gestante, a ressuscitação inicial deve incluir reposição de fluidos e posicionamento em decúbito lateral esquerdo (DLE). Nas primeiras 3 horas de início do quadro, deve-se iniciar a reposição com 30 mL/kg de cristaloide se hipotensão ou lactato > 4 mmol.

Embora lactato > 4 mmol/L seja a recomendação, questiona-se a real sensibilidade deste valor de lactato em uma paciente que sofre aumento de volume plasmático fisiologicamente e coortes já demonstraram valores inferiores de lactato – como 2,6 mmol – em gestantes admitidas no CTI. Embora não existam recomendações específicas de vasopressores em gestantes, as diretrizes da Sociedade de Medicina Intensiva (2016) apoiam o uso de norepinefrina em primeira linha.

Outros cuidados importantes na sepse materna são controle glicêmico (glicemia deve ser mantida abaixo de 180 ou pode causar acidemia fetal), uso de corticoide para maturação pulmonar fetal em mulheres entre 24 e 33 semanas + 6 dias e profilaxia de tromboembolismo venoso (TVP).

Apesar de cuidados bem estabelecidos, a falta de objetividade no diagnóstico da sepse dificulta sua abordagem precoce, gerando alta morbimortalidade materna e fetal. Por isso, mais pesquisas são necessárias para otimização do tratamento precoce e alteração do curso da doença.

Referências bibliográficas:

  • BRIDWELL, Rachel E; CARIUS, Brandon M; LONG, Brit J et al. Sepse in Pregnancy: Recognition and Ressuscitation. Western Journal of Emergency Medicine: Integrating Emergency Care with Population Health, 2019.

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