Sexualidade nos cuidados paliativos: os desafios para os profissionais de saúde

Os ruídos na comunicação relacionados à sexualidade nos cuidados paliativos podem envolver tanto o paciente quanto a equipe de saúde.

Ao falarmos de cuidados paliativos, muitas coisas podem nos vir à mente. Contudo, sexualidade não costuma ser uma delas. Talvez por isso trate-se de um tema ainda pouco explorado. Apesar de muitos profissionais de saúde acreditarem que os pacientes atribuem ao assunto uma menor importância quando comparado a outras dimensões da doença ou do tratamento, isso parece não corresponder às perspectivas dos pacientes. Dessa forma, os ruídos na comunicação relacionados à sexualidade nos cuidados paliativos podem envolver tanto o paciente e equipe de saúde, como seus correlatos (familiares, companheiros e cuidadores).

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Sexualidade nos cuidados paliativos: os desafios para os profissionais de saúde

Importância do tema

Abordar a sexualidade significa abordar também uma importante dimensão da qualidade de vida. Contudo, o assunto pode ser cercado de embaraços por muitas das partes envolvidas. Muitos profissionais de saúde sequer consideram o assunto ou nunca chegaram a refletir sobre sua importância. Além disso, aspectos sociais, culturais, valorações (como o medo de estarem ultrapassando um limite ao questionarem sobre a intimidade do paciente — o que poderia ser interpretado como uma violência por eles), dificuldades ambientais (como limitações à privacidade ou ao tempo disponível para o atendimento), bem como o fato de não terem sido preparados para isso em suas formações se impõem neste momento. É possível que estes profissionais também não saibam reagir às necessidades e dinâmicas de relacionamento dos pacientes ou acreditam que o doente já está bem adaptado ou não possui dúvidas sobre o assunto. Estes fatores, em certo ponto, podem reforçar o sentimento de que não cabe a eles abordar a sexualidade em seus atendimentos. Por isso uma das grandes dificuldades encontradas diz respeito à comunicação: os profissionais esperam que o doente aborde o assunto, enquanto os doentes acreditam que por que os profissionais de saúde não falam sobre isto, o assunto não deve ser alvo de maior importância. Ou ainda, todos esperam o melhor momento para falar sobre isso — sendo que o momento perfeito pode nunca surgir. 

Outro ponto que deve ser considerado quando se discute este tema é o contexto do doente e a fase do ciclo de vida em que este se encontra. Cada estágio da vida possui necessidades específicas e a cada uma delas cabe a abordagem de tabus, preconceitos ou dificuldades características. Por exemplo, ainda pouco se fala sobre a sexualidade dos idosos. No outro extremo, equipes de saúde podem ter dificuldade em lidar com a sexualidade de adolescentes em cuidados paliativos ou com a forma como os pais ou cuidadores encaram esse assunto. Por isso, o contato com os familiares, cuidadores, companheiros e cônjuges também deveria ser considerado, já que não raramente eles também possuem dificuldades em lidar com a sexualidade do doente e em se comunicar com ele sobre isto.

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Para tanto, é necessário reconhecer a sexualidade como um componente dinâmico da vida, que se relaciona de forma fluida com a saúde física e mental, influenciada pela intimidade que o paciente experimenta consigo mesmo (e seus desdobramentos, como nos casos da autoimagem e autoestima) e com o outro. Considerando que os cuidados paliativos devam focar mais na pessoa do que na doença, percebe-se o quanto é necessário compreender o contexto de vida do doente e aquilo que valoriza ou do qual sente falta. É esperado que suas doenças, tratamentos e seus respectivos desdobramentos causem um impacto considerável sobre seus corpos, sua saúde mental e na sua maneira de se relacionar com os outros, o que repercute em múltiplas esferas. Por exemplo, alterações corporais (ex: mastectomias), disfunções sexuais (ex: disfunção erétil), sintomas como fadiga, perturbações mentais (ex: depressão) e sentimentos conflitantes (ex: raiva, tristeza ou luto) podem causar grande impacto sobre a vida sexual. Por outro lado, os companheiros(as) também podem sofrer por não saberem lidar com a situação do parceiro(a). Nos casais, isto pode marcar uma transformação muito impactante no relacionamento e na qualidade de vida, que muitas vezes não chega a ser abordada nos atendimentos.

Consequências benéficas

Contudo, parece que falar sobre sexualidade no início do tratamento permite uma antecipação e adaptação às mudanças que virão, além de poder ser um contributo capaz de prevenir possíveis dificuldades futuras. Dados indicam que isso é desejado por muitos pacientes e que poderia lhes permitir explorar outras formas de intimidade consigo e com o outro na medida em que tentam se adaptar às mudanças do seu corpo e da sua vida, conforme segue o curso de seu tratamento ou doença. Desta forma, torna-se necessário atuar na formação daqueles que se dedicam a cuidar não só para que estejam dispostos a aperfeiçoar suas estratégias de comunicação, como também para que sintam-se convidados a revisarem e explorarem suas próprias crenças e valores sobre este assunto. Dentre modelos específicos de abordagem, técnicas como o esquema PLISSIT e a possibilidade de referenciar a serviços especializados (onde a presença de profissionais especializados em sexologia ou em psicoterapia, por exemplo, de base sistêmica) sempre que necessário pode oferecer aos profissionais ferramentas para que possam se aperfeiçoar nesta importante dimensão do cuidar. De forma geral, tomar a iniciativa e abordar o assunto nas consultas de rotina, fornecer informações aos pacientes (dentro dos limites do seu conhecimento técnico-científico e livre de juízos de valor), tentar descobrir informações úteis para o paciente ou de que forma pode obtê-las e, em última instância, encaminhar para ajuda especializada sempre que possível são medidas importantes para melhorar esse cenário. 

Referências bibliográficas:

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