Similaridades e diferenças entre edema agudo de pulmão cardiogênico e traumático

A compreensão das diferenças dos dois tipos de edema pulmonar (cardiogênico e traumático) pode salvar a vida ou evitar as complicações do quadro clínico.

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A comparação da fisiopatologia do distúrbio pulmonar, que ocorre nos casos de contusão pulmonar importante, com o distúrbio do mesmo órgão ventilatório, por consequência de insuficiência da bomba cardíaca, traz conclusões relevantes a respeito dos cuidados iniciais na terapêutica do edema pulmonar traumático. Em geral, na graduação médica, o edema agudo de pulmão (EAP) cardiogênico é o modelo mais estudado em termos de fisiopatologia e terapêutica. Há algumas peculiaridades, no entanto, no tratamento do edema pulmonar agudo advindo de uma contusão pulmonar. As diferenças fisiopatológicas devem ser lembradas pelo emergencista e já aplicadas na sala de emergência na avaliação e terapêutica iniciais.

Nessa resenha, lembramos alguns pontos importantes que o emergencista deve ter em mente no atendimento do trauma torácico. A compreensão das diferenças etiopatogênicas dos dois tipos de edema pulmonar (cardiogênico e traumático) pode salvar a vida ou evitar as complicações do quadro clínico do paciente traumatizado torácico.

Um trauma torácico contuso pode desenvolver um EAP mesmo algumas horas após a lesão traumática ter ocorrido e algumas vezes sem que se observe evidência de trauma pulmonar importante no exame físico e radiológico inicial do tórax. O edema pulmonar agudo secundário ao trauma da contusão pulmonar deve ser sempre suspeitado e previsto no atendimento inicial do trauma torácico, visto que o exame físico inicial na sala de emergência nem sempre permite estimar a real dimensão de gravidade do trauma pulmonar subjacente. Com frequência não é possível obter-se uma previsão precisa a respeito do risco de se desenvolver edema pulmonar agudo subsequentemente ao atendimento inicial. Por vezes, tem-se um resultado inicial do exame primário normal na avaliação inicial do tórax na sala de emergência. Mesmo uma radiografia torácica feita no leito, na sala de trauma, pode não identificar de início o grau do acometimento pulmonar traumático e da contusão pulmonar subjacente.

Edema pulmonar agudo consequente a traumatismo do tórax acompanhado de insuficiência respiratória aguda é pouco comum, se comparado ao edema pulmonar agudo cardiogênico, quadro sempre acompanhado de insuficiência respiratória. No entanto, o edema pulmonar agudo consequente à contusão pulmonar traumática, quando ocorre, pode trazer consigo uma armadilha diagnóstica: evolução clínica repentina para um quadro de insuficiência respiratória aguda, a qual pode ocorrer em alguns casos algumas horas após a chegada do paciente à emergência. Essa evolução costuma ser, quando não prevista e tratada profilaticamente, um quadro clínico dramático, com rápida deterioração clínica. A insuficiência pulmonar, gerando a temida hipoxemia, ocorre quando o edema do tecido pulmonar, secundário ao trauma do parênquima dos pulmões, atinge tal magnitude, que os alvéolos e bronquíolos não mais são capazes de realizar adequadamente o processo de hematose, por estarem, juntamente com o espaço extracelular, preenchidos por excesso de líquido. Esse líquido patologicamente acumulado no interstício pulmonar funciona como barreira mecânica para a troca de gases entre o sangue (capilar do alvéolo) e o ar intra-alveolar, oriundo do ar ambiente que adentra as vias aéreas a cada movimento ventilatório. Além desse efeito de barreira mecânica, a congestão líquida pulmonar dificulta a expansibilidade do parênquima pulmonar durante o ciclo de ventilação espontânea do paciente.

O ponto aqui é ter-se em mente que a transição da aparente normalidade ventilatória para uma situação de insuficiência respiratória pode dar-se de forma virtualmente pouco perceptível, através de aumentos progressivos da frequência respiratória, os quais podem facilmente passar despercebidos pelo médico no contexto do atendimento emergencial ao trauma, principalmente quando há múltiplos traumatismos.

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Nesse ambiente de inúmeros acontecimentos clínicos concomitantes, facilmente ficam em segundo plano alguns cuidados clínicos essenciais na prevenção da gênese ou da piora de um edema pulmonar agudo traumático. Em havendo suspeita ou confirmação de trauma torácico, deve-se atentar para a administração endovenosa de líquidos cristaloides. O excesso de administração de volume líquido intravenoso pode contribuir significativamente para início ou agravamento do EAP traumático.

Quando ocorre evolução clínica da contusão pulmonar, observando-se um importante edema pulmonar agudo, ensejando evolução rápida de aparente normalidade ventilatória para quadro de insuficiência respiratória aguda, está indicado inequivocamente o procedimento de entubação traqueal, para o início de ventilação mecânica com administração de pressão positiva nas vias aéreas. A entrada de ar nos pulmões, produzida por pressão negativa (aquela normalmente gerada de forma sinérgica pelo fole torácico, além de alguns músculos do pescoço e do abdome), não mais consegue ser suficiente para que o ar adentre as vias aéreas, chegando aos alvéolos e lá permitindo a troca gasosa, a hematose. A ventilação pulmonar com pressão positiva, além de ser potencialmente salvadora da vida naquele momento específico, devido à insuficiência respiratória aguda que se instala abruptamente, ainda acaba por ser terapêutica também mais sub-agudamente, agindo mecanicamente nos bronquíolos e nos alvéolos de forma a “empurrar” o transudato sérico (líquido) que permeia, principalmente, os espaços extracelulares e, eventualmente, os alvéolos do parênquima pulmonar reversamente para dentro dos vasos capilares dos alvéolos.

É interessante aqui observar-se similaridades e diferenças fisiopatológicas e clínicas (terapêuticas, principalmente) entre o EAP da insuficiência cardíaca (cardiogênico) e o EAP traumático. Enquanto no primeiro (EAP cardiogênico), tem-se como causa primária do distúrbio ventilatório uma etiologia mista (mecânica – contração miocárdica insuficiente – e bioquímica – hipervolemia mediada pelo sistema renal), no segundo (EAP traumático) temos causa apenas mecânica (trauma torácico direto), com a energia cinética do trauma sendo transmitida do arcabouço torácico ao parênquima pulmonar, causando aumento da permeabilidade capilar pulmonar por macro e micro-rupturas nas vias aéreas baixas (alvéolos e bronquíolos) levando a intensa reação inflamatória e acúmulo de líquido intersticial e até mesmo intra-alveolar, porém com um coração em geral normofuncionante.

Essas diferenças de etiopatogenia ditam que a abordagem dessas patologias tenha também condutas terapêuticas diferenciadas. Dito de outra forma, enquanto no EAP cardiogênico os principais distúrbios patológicos são o déficit de contração e relaxamento do miocárdio, com consequente acúmulo de líquido corporal crônico (hipervolemia por resposta renal ao déficit de bombeamento miocárdico) nos pulmões, no EAP traumático tem-se uma causa mecânica de quebra de barreiras vasculares e parenquimatosas pulmonares secundárias a trauma pulmonar, gerando acúmulo de líquido nos espaços pulmonares (edema em geral restrito aos pulmões).

Essas diferenças implicam, como já acentuado, na terapêutica da seguinte forma: enquanto no EAP cardiogênico os principais tratamentos são o uso de diuréticos intravenosos a fim de reduzir a hipervolemia e a utilização de vasodilatadores (nitratos), objetivando diminuir o esforço miocárdico na contração sistólica (pós-carga), na tentativa de melhora do desempenho cardíaco como bomba propulsora sanguínea, no EAP traumático o principal tratamento é mecânico, com fornecimento de pressão positiva intra-alveolar, através de ventilação mecânica, forçando hidraulicamente que o transudato formador do edema líquido no espaço extracelular e intra-alveolar faça o caminho reverso para dentro dos capilares sanguíneos, reduzindo o EAP tanto de forma aguda, recuperando de imediato a ventilação do paciente, quanto de forma mais sub-aguda permitindo uma ventilação adequada (utilizando-se técnicas ventilatórias protetoras) na sequência, a fim de que possa ocorrer uma troca gasosa apropriada ao nível alveolar até que haja significativa redução dos processos inflamatórios pulmonares secundários ao trauma.

Quando se tem um EAP traumático num paciente jovem, pode-se observar por vezes uma deterioração clínica abrupta (frequentemente não há uma maneira de se saber com precisão a magnitude do trauma pulmonar do paciente até que algum exame de imagem mais demorado como uma tomografia computadorizada do tórax, por exemplo, seja feito). Também de forma rápida costuma dar-se a recuperação (caso o tratamento adequado seja prontamente instituído, com uso das técnicas de ventilação protetora com baixas pressões ventilatórias e frequências respiratórias mais próximas ao limite superior da normalidade desse parâmetro). Em geral, o distúrbio (desequilíbrio homeostático) está restrito ao tórax (parede torácica e pulmões), no caso de EAP secundário a trauma isolado do tórax. De modo geral, não há envolvimento compensatório do sistema renal no EAP traumático, devido ao tempo de instalação dessa patologia (edema pulmonar consequente ao trauma), com ponto de máxima de gravidade inflamatória advinda do trauma quase sempre menor do que 24 horas, não havendo, portanto, tempo suficiente para resposta renal compensatória plena (redução da volemia, por exemplo).

Dessa forma, até que novas tecnologias estejam disponíveis para uso em sala de trauma e nos permitam mais previsibilidade em relação a um EAP traumático que ainda não aconteceu, precisamos atentar para a possibilidade de deterioração clínica abrupta desses casos, tanto com o paciente ainda na sala de trauma, quanto durante a realização de exames complementares (radiografias no setor de radiologia ou tomografias) logo após a avaliação primária na Sala de Trauma.

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Referências:

  • Advanced Trauma Life Support 2018.
  • Blunt Chest Trauma. Medscape 2017.
  • Cardiogenic Pulmonary Edema. Medscape 2017.

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