Síndrome inflamatória multissistêmica associada à Covid-19: veja como identificar para notificar

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiu um documento sobre os casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P).

No último dia 7, os Departamentos Científicos de Infectologia, Reumatologia, Cardiologia, Terapia Intensiva e Emergência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiram o documento “Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) potencialmente associada à Covid-19”, corroborando a imprescindibilidade de notificação nacional compulsória da síndrome.

Através da Secretaria de Vigilância em Saúde, o Ministério da Saúde (MS) irá comandar o fluxo de informações das notificações da SIM-P em todo o território brasileiro por meio da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações. Pontos relevantes abordados neste documento são resumidos a seguir.

médico consultando criança com síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica

Síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica

A SIM-P ocorre em dias a semanas depois de uma infecção aguda pelo “severe acute respiratory syndrome coronavirus 2” (SARS-CoV-2). Suas manifestações clínicas são semelhantes à doença de Kawasaki, à síndrome de choque associada à síndrome de Kawasaki, à síndrome de ativação macrofágica e à síndrome de choque tóxico.

No entanto, apesar de muitos pacientes pediátricos com SIM-P apresentarem critérios para a síndrome de Kawasaki completa ou incompleta, o quadro ocorre, em geral, em crianças mais velhas, escolares e adolescentes, com a presença de marcadores inflamatórios mais exuberantes e importantes aumentos dos marcadores de lesão cardíaca.

Manifestações clínicas

A SIM-P envolve, pelo menos, dois órgãos e sistemas. Destacam-se as seguintes manifestações:

  1. Cardiovasculares: disfunção miocárdica, miocardite, pericardite, aneurismas coronarianos, hipotensão arterial e choque cardiogênico. Eletrocardiograma e ecocardiograma devem ser realizados de forma sistemática. A ressonância nuclear magnética cardíaca e a angiotomografia computadorizada cardíaca podem ser necessárias em casos graves com disfunções miocárdicas ou aneurismas coronarianos.
  2. Renais: doença renal aguda dialítica.
  3. Respiratórias: dispneia, taquipneia e hipoxemia.
  4. Hematológicas: trombose (localizada ou sistêmica), anemia, leucopenia, linfopenia, plaquetopenia e coagulopatia de consumo.
  5. Gastrointestinais: dor abdominal intensa, vômito e diarreia.
  6. Mucocutâneas: edema e fissura de lábios, língua em framboesa, eritema de orofaringe, conjuntivite, exantema polimórfico, vesículas e eritema pérnio.
  7. Neurológicas: cefaleia persistente, convulsão e psicose.
  8. Febre persistente.
  9. Pode evoluir para insuficiência respiratória aguda e síndrome da disfunção de múltiplos órgãos (em adultos está associada à síndrome da tempestade de citocinas).

Leia também: Covid-19: SBP emite nota sobre pacientes pediátricos com doença inflamatória intestinal

Alterações laboratoriais

  1. Provas de atividade inflamatória aumentadas: proteína-C-reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS), procalcitonina e ferritina.
  2. Marcadores de coagulopatia aumentados: tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) e D-dímero elevados.
  3. Provas de função miocárdica aumentadas: troponina e N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT-proBNP).
  4. Aumento de citocinas pró-inflamatórias, principalmente IL-1, IL-2, IL-6, IL-7, anti-TNF alfa e fator estimulador de colônias de granulócitos.

Diagnóstico

Através de critérios propostos pelo MS, baseados na definição de caso da OPAS/OMS e validados pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Sociedade Brasileira de Reumatologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia e Instituto Evandro Chagas:

Casos que foram hospitalizados com:

  1. Febre elevada (> 38°C) e persistente (≥ 3 dias) em pacientes com idade até 19 anos; +
  2. Pelo menos duas das seguintes manifestações clínicas: conjuntivite não purulenta ou lesão cutânea bilateral ou sinais de inflamação mucocutânea (oral, mãos ou pés), hipotensão arterial ou choque, manifestações de disfunção miocárdica, pericardite, valvulite ou alterações coronarianas (englobando achados no ecocardiograma ou aumento de Troponina ou NT-proBNP), indícios de coagulopatia (TP, TTPa ou D-dímero aumentados), manifestações gastrointestinais agudas (diarreia, vômito ou dor abdominal); +
  3. Aumento de marcadores inflamatórios (VHS, PCR ou procalcitonina, entre outros); +
  4. Tendo sido afastadas quaisquer outras causas de origem infecciosa e inflamatória (como sepse bacteriana, síndromes de choque estafilocócico ou estreptocócico); +
  5. Evidência de Covid-19 (através de biologia molecular, teste antigênico ou sorológico positivos) ou história de contato com caso da infecção.

A nota destaca que, para a realização do diagnóstico, podem ser incluídos pacientes pediátricos que preencherem critérios completos ou parciais para a síndrome de Kawasaki ou síndrome do choque tóxico. Além disso, os profissionais de saúde devem considerar a possibilidade de SIM-P em qualquer causa de óbito de criança ou adolescente característico com indícios de infecção por SARS-CoV-2.

Diagnóstico diferencial

  • Sepse bacteriana;
  • Doença de Kawasaki;
  • Síndrome da pele escaldada;
  • Síndrome do choque tóxico;
  • Apendicite;
  • Outras infecções virais, como causadas pelo vírus da dengue, Epstein-Barr, citomegalovírus, adenovírus e enterovírus. A pesquisa desses vírus deve ser ponderada na investigação diagnóstica;
  • Síndrome de ativação macrofágica;
  • Lúpus eritematoso sistêmico juvenil;
  • Vasculites primárias.

Critérios de hospitalização

  • Dispneia;
  • Taquicardia, taquipneia, hipotensão arterial;
  • Choque;
  • Redução do nível de consciência, convulsões, encefalopatia, cefaleia intensa e persistente e déficit neurológico focal;
  • Injúria renal, hepática ou coagulopatia;
  • Dor abdominal intensa, vômitos incoercíveis, incapacidade de se alimentar;
  • Desidratação;
  • Sinais de síndrome de Kawasaki (completa ou parcial);
  • Condições clínicas de base;
  • Incapacidade de seguimento ambulatorial;
  • Marcadores inflamatórios muito alterados;
  • Eletrocardiograma alterado ou alterações de uma das enzimas indicativas de lesão miocárdica.

Observações:

  • De acordo com a gravidade das manifestações da doença, deve-se avaliar a indicação de encaminhamento para uma unidade de terapia intensiva;
  • Medidas de isolamento devem ter como base as manifestações clínicas da doença e os resultados virológicos (RT-PCR para o SARS-CoV-2), não os sorológicos.

A nova edição da Revista PEBMED traz as principais evidências sobre Covid-19 em pediatria! Baixe grátis!

Tratamento geral em unidades de internação

  • O manejo adequado deve ser realizado em locais que possuam infraestrutura e equipe pediátrica multiprofissional, englobando emergencistas, intensivistas, cardiologistas, infectologistas, reumatologistas, imunologistas, nefrologistas, neurologistas, gastroenterologistas e hematologistas. Após a alta hospitalar, os pacientes sobreviventes deverão ser sistematicamente acompanhados, especialmente em casos de cardiopatias (aneurismas coronarianos e disfunções miocárdicas), pneumopatias, doença renal aguda, tromboses e neuropatias.
  • O objetivo do tratamento é minimizar a incidência de sequelas, como lesões coronarianas e disfunção cardíaca, além de diminuir a mortalidade.
  • A abordagem deve ser individualizada.
  • Crianças e adolescentes suspeitos sem indícios de quadro inflamatório podem ser acompanhadas ambulatorialmente, devendo ser reavaliados em 24 a 48 horas.

Tratamento

Antibióticos: deve ser iniciada antibioticoterapia empírica de forma imediata em pacientes com choque e sinais de sepse.

Antivirais: atualmente, o papel dos antivirais disponíveis ainda não está estabelecido.

Imunoglobulina endovenosa (IGEV): seu uso deve ser considerado nas apresentações moderadas e graves e nos pacientes que preenchem critérios completos ou parciais para a síndrome de Kawasaki e/ou síndrome de ativação macrofágica. Considerar também seu uso na síndrome do choque tóxico refratária ao tratamento convencional.

  • Dose: 1 a 2 g/kg, em infusão endovenosa contínua de 12 horas. Pode ser repetida em casos refratários à primeira dose.

Corticosteroides: sua aplicação deve ser considerada, junto com a IGEV, em casos graves e naqueles que foram refratários à sua infusão.

  • Escolha: metilprednisolona (pode ser administrada como pulsoterapia). Dose alta inicial: 10 a 30 mg/kg/dia por 1 a 3 dias consecutivos, seguido de 2 mg/kg/dia por 5 dias. Essa dose deve ser reduzida de forma gradual ao longo de 2 a 3 semanas.

Imunomoduladores: seus riscos e benefícios ainda não foram adequadamente estabelecidos em pacientes pediátricos. Devem ser usados somente em casos refratários ao tratamento com IGEV e pulsoterapia com metilprednisolona.

  • Exemplos de imunomoduladores incluem: canaquinumabe (anti-IL-1) ou tocilizumabe (anti-IL-6) e Anakinra (não disponível no Brasil). Sua utilização deve ser acompanhada por reumatologista pediátrico e em um estudo clínico aprovado em comitê de ética.

Veja mais: Whitebook: como abordar a síndrome inflamatória multissistêmica relacionada à Covid-19?

Anticoagulantes:

  • Ácido acetil salicílico (AAS): em SIM-P com manifestações da síndrome de Kawasaki e/ou trombocitose (≥450.000/µL). Dose: 30 a 50 mg/kg/dia. A dose deve ser diminuída para 3 a 5 mg/kg/dia (máximo 80 mg/dia) assim que a criança estiver sem febre por 48 horas. Essa dose deve ser mantida até que o número de plaquetas esteja normal e haja confirmação de coronárias sem alterações com, no mínimo, 4 semanas do diagnóstico. Evitar em pacientes com plaquetas ≤80.000/µL.
  • Enoxaparina: associar ao AAS quando houver aneurismas coronarianos com z-score ≥10. Deve ser mantida por tempo indefinido. Em casos de SIM-P com evidência de trombose ou disfunção ventricular (fração de ejeção < 35%), deve ser mantida por, no mínimo, 2 semanas após a alta hospitalar.

Suporte inotrópico: milrinona ou dobutamina estão indicados em pacientes com sinais de baixo débito sistêmico ou insuficiência cardíaca e com disfunção ventricular, desde que a pressão arterial sistêmica ainda esteja adequada. A epinefrina em infusão contínua deve ser o medicamento de escolha em casos de hipotensão arterial sistêmica.

Referências bibliográficas:

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.