Síndromes mielodisplásicas: revisão sobre diagnóstico e tratamentos em 2022

Síndromes mielodisplásicas (SMD) identificam distúrbios onde células formadoras do sangue anormais se desenvolvem na medula óssea.

As neoplasias mielodisplásicas (NMD), antigamente conhecidas como síndromes mielodisplásicas (SMD), caracterizam-se por um grupo de células tronco clonais que adquiriram diversas mutações somáticas epigenéticas e que levam a uma desregulação e ineficiência no processo de maturação celular. Assim, poucas células maduras são adequadamente formadas para ganhar o sangue periférico e exercer suas funções de maneira adequada.

Frente a esse fato, observa-se à biópsia uma medula óssea hipercelular com diversas alterações morfológicas displásicas (ex: neutrófilos hipogranulares, micromegacariócitos, sideroblastos em anel, núcleos com formato de pseudo-Pelger-Huet) e acúmulo de ferro intramedular secundário à hemólise in locco e a um ambiente hiperinflamatório. Podemos encontrar ainda uma variante hipocelular das NDM/SMD em que o diagnóstico diferencial com aplasia de medula é mandatório.

Leia também: Síndrome mielodisplásica com deleção de 5q

Vamos a uma dica: para tentar estimar a celularidade da medula óssea baseada na idade, devemos subtrair a idade do paciente de 100%. Portanto, em um paciente de 70 anos, deveríamos esperar 30% de celularidade como nível basal.

Logo, a condição sine-qua-non para o diagnóstico de uma neoplasia mielodisplásica é a observância de ao menos uma citopenia de sangue periférico, seja ela: Hemoglobina (Hb) < 10 g/dL, Neutrófilos < 800/mm³, Plaquetas < 100.000/mm³. De maneira geral são divididas em neoplasias mielodisplásicas de baixo, intermediário ou alto risco, sendo este atribuído à transformação dessas formas neoplásicas em leucemias mieloides agudas secundárias.

Esse grupo de doenças é mais prevalente em homens brancos a partir da sétima ou oitava década de vida, alcançando taxas de incidências próximas a 25/100.000 indivíduos ≥ 65 anos (incidência basal aproximada de 3,9 a 5,4/100.000 indivíduos). Fatores de risco associados ao desenvolvimento são: (1) exposição prévia à radiação ou quimioterapia; (2) antecedente de história hematológica como aplasia de medula; (3) doenças autoimunes como artrite reumatoide; (4) exposição a toxinas do meio-ambiente; (5) predisposição congênita (síndrome de Fanconi) ou mutações de germline adquiridas.

Síndromes mielodisplásicas revisão sobre diagnóstico e tratamentos em 2022

Apresentação clínica e diagnóstico

Normalmente esses pacientes apresentam-se com sintomas inespecíficos como fadiga e anorexia e/ou sintomas relacionados às citopenias encontradas (sangramento, infecções, taquicardia, etc.). O diagnóstico diferencial nesses pacientes passa pela investigação de doenças autoimunes, deficiências vitamínicas (ferro, vitamina B12, folato), sangramento, alterações endocrinológicas (ex: hipotireoidismo) e outras doenças hematológicas como aplasia de medula, hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) e neoplasias mieloproliferativas (policitemia vera, trombocitemia essencial, mielofibrose). A anemia é caracteristicamente normocítica ou macrocítica.

Os critérios diagnósticos de neoplasias mielodisplásicas (NMD)/síndromes mielodisplásicas (SMD) propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em sua publicação de 2016 são:

  • Presença de uma citopenia periférica (já comentadas anteriormente) por pelo menos 6 meses associada a alterações mielodisplásicas em ≥ 10% das formas celulares de pelo menos 01 das 03 linhagens (eritroide, granulocítica ou megacariocítica) e/ou alterações cariotípicas ou moleculares compatíveis com NMD/SMD.

Como visto anteriormente, para o diagnóstico de NMD/SMD devemos proceder à realização de mielograma, coleta de cariótipo, biópsia de medula óssea e, de preferência, biologia molecular e painel genético (“next generation sequencing”). Frente à alta complexidade e alto custo da biologia molecular e do painel genético, não realizamos esses testes em alguns locais do nosso país.

Devemos chamar atenção para um ponto importante que não está no artigo! Atualmente um número de blastos ≥ 10% em medula óssea caracteriza a doença como Leucemia Mieloide Aguda (LMA)/SMD e não mais síndromes mielodisplásicas (SMD) com excesso de blastos como era feito antigamente. Dessa forma, para fins de tratamento, abordaremos esses pacientes como LMA. Essas alterações foram propostas pelo European Leukemia Net de 2022.

Alterações cariotípicas e moleculares características de NMD/SMD

As alterações citogenéticas classicamente associadas ao diagnóstico de mielodisplasia são: monossomia do 5, 7, ou 13; deleção do 5q, 7q, e do 13q; inversão(17p) e translocação(17p); deleção do 11q; deleção do 9q ou do 12p; ou t(12p), idic (X)(q13). Estas alterações são diagnósticas mesmo na ausência de citopenias, porém ocorrem em menos de 10% dos pacientes com SMD.

A mutação do SF3B1 é típica de uma SMD com sideroblastos em anel e confere bom prognóstico, enquanto alterações do TP53 conferem mau prognóstico.

Lesões precursoras e caracterização de risco

Com o avançar da idade, é possível que se observe o desenvolvimento de alterações cariotípicas em indivíduos sem citopenias em sangue periférico e sem critérios para o diagnóstico de NMD/SMD, que culminam em uma hematopoiese clonal de significado indeterminado (sigla em inglês – CHIP). Tal alteração pode ser vista como precursora das NMD, ainda que 90% desses pacientes virão a falecer de outras causas sem nunca apresentar o diagnóstico da doença em si.

A presença de alterações clonais não relacionadas a NMD/SMD associadas a citopenias periféricas sem alterações morfológicas típicas de NMD/SMD são classificadas como citopenias clonais de significado incerto (sigla em inglês – CCUS). Nos casos de citopenias periféricas sem o achado de alterações cariotípicas e sem critérios diagnósticos para NMD/SMD, classificamos esses pacientes como possuindo citopenias idiopáticas de significado incerto (ICUS), não sendo essa uma precursora das neoplasias mielodisplásicas.

Como mencionado anteriormente, pacientes com diagnóstico de SMD e mutação do SF3B1 são de baixo risco citogenético, assim como os pacientes com deleção do 5q. Enquanto isso, pacientes com mutação do TP53 são de alto risco citogenético. Para classificação de risco os pacientes devem ser submetidos ao score prognóstico IPSS ou IPSS-R que levam em consideração grau de anemia, trombocitopenia, neutropenia, porcentagem de blastos na medula óssea e cariótipo.

Saiba mais: Transplante alogênico de células hematopoiéticas idosos com Leucemia Mieloide Aguda (LMA) em primeira remissão completa

Tratamento dos pacientes com neoplasias mielodisplásicas (NMD)/síndromes mielodisplásicas (SMD)

Pacientes com risco baixo (IPSS-R < 3,5): não foram demonstrados tratamentos que alteraram sobrevida global. Dessa forma, os tratamentos propostos visam melhorar sintomas. No caso de anemia, agentes estimulantes de eritropoetina como alfapoetina (60.000 UI/semana) ou darbopoetina-alfa (500 µg a cada 3 semanas) são indicados. Luspatercepet pode ser utilizado em SMD com sideroblastos em anel. Pacientes de baixo risco com deleção do 5q devem utilizar Lenalidomida em primeira linha. Romiplostim e Eltrombopag são agonistas de trombopoetina e podem ser utilizados em pacientes com plaquetopenia intensa (< 20.000/mm³) e/ou necessidade transfusional desde que apresentem contagem de mieloblastos < 5% em MO.

Pacientes com múltiplas citopenias podem se beneficiar do tratamento com hipometilantes (Azacitidina, Decitabina) ainda que poucos estudos tenham sido realizados nesse cenário com pacientes de baixo risco. Alguns centros admitem transplante de medula óssea alogênico totalmente compatível para pacientes jovens com necessidade transfusional elevada com um grau baixo de evidência. O uso de fatores estimulantes de colônias de granulócitos (GCSF – filgrastim) são evitados devido ao risco ainda que mal quantificado de estímulo à produção de blastos e transformação para LMA.

Pacientes de risco intermediário e alto devem ser considerados para tratamento. No entanto, o uso de agentes hipometilantes como Azacitidina e Decitabina nesse grupo de pacientes trouxe apenas ganhos modestos de sobrevida tanto em monoterapia quanto em associação com outras drogas em diversos estudos clínicos quando comparados com Citarabina subcutânea em baixas doses ou tratamento suportivo (entre 9 meses e 15 meses).

Combinações de Citarabina com Venetoclax têm sido estudadas para pacientes com pouca resposta aos hipometilantes. O transplante de medula óssea alogênico totalmente compatível é a única opção curativa desses pacientes e a idade isolada não deve ser utilizada como fator prognóstico. É encorajado o uso de scores de fragilidade geriátrico em pacientes ≥ 65 anos para melhor determinação.

Os esquemas de indução de remissão variam de agentes hipometilantes em monoterapia ou em associação com poliquimioterapia a depender da classificação da doença (LMA/SMD ou síndromes mielodisplásicas de alto risco).

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Sekeres MA, Taylor J. Diagnosis and Treatment of Myelodysplastic Syndromes: A Review. 2022;328(9):872–880. DOI: 10.1001/jama.2022.14578

Especialidades