Sociedade Brasileira de Cardiologia publica diretriz de diagnóstico e tratamento de miocardites

Miocardites são doenças inflamatórias do miocárdio, com alterações histológicas, imunológicas e imuno-histoquímicas características.

Recentemente foi publicada a diretriz de miocardites da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Abaixo seguem os principais pontos em relação ao diagnóstico e tratamento.

Sociedade Brasileira de Cardiologia publica diretriz de diagnóstico e tratamento de miocardites

Definição e etiologia

A miocardite é definida como doença inflamatória do miocárdio, com alterações histológicas, imunológicas e imuno-histoquímicas características. Conforme o tipo de infiltrado inflamatório pode ser classificada em linfocítica, eosinofílica, polimórfica, miocardite de células gigantes e sarcoidose cardíaca.

As causas são bastante variadas e as mais frequentes são as infecciosas, que podem ser desencadeadas por vírus, protozoários, bactérias, clamídias, rickéttsias, fungos ou espiroquetas. Os mecanismos não infecciosos são encontrados na miocardite tóxica (por drogas, metais pesados ou radiação), nas autoimunes (sarcoidose, síndrome hipereosinofílica, esclerodermia, lúpus) e nas de hipersensibilidade (as eosinofílicas, colagenoses, induzidas por vírus e rejeição do coração transplantado). Alguns estudos sugerem que alterações genéticas podem proporcionar maior suscetibilidade a esta doença.

A infecção viral é a causa mais frequente, principalmente em crianças, e os principais vírus são enterovírus, parvovírus B19, adenovírus, influenza A, herpes vírus, Epstein-Barr, citomegalovírus, vírus da hepatite C e do HIV.

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Diagnóstico

A suspeita clínica, classificada em baixa, intermediária ou alta, é baseada na apresentação clínica e exames complementares alterados sugestivos de lesão inflamatória miocárdica.

Pacientes com baixa suspeita geralmente têm bom prognóstico, sendo necessário diagnóstico diferencial com doença coronária na maioria das vezes, assim como os com suspeita intermediária. Pacientes com piora clínica, disfunção ventricular, arritmias e bloqueios atrioventriculares devem realizar coronariografia para excluir doença coronária, seguida de biópsia endomiocárdica.

Quadro Clínico

O quadro clínico é bastante variável e os pacientes podem ter desde manifestações leves até quadros graves, com arritmias, instabilidade hemodinâmica e choque cardiogênico, além de mais raramente morte súbita.

O clássico é a apresentação de dor torácica sugestiva de infarto em pacientes jovens após infecção respiratória ou intestinal. Pode também ocorrer miocardite subclínica, com elevação transitória da troponina ou alterações no eletrocardiograma após quadro viral agudo e ocorrência de febre, mialgia, sintomas respiratórios ou gastrointestinais.

As principais formas de apresentação são:

  • Quadro semelhante a síndrome coronariana aguda (SCA): dor torácica com alterações eletrocardiográficas variáveis (supra ou infra de ST, inversão de onda T, ondas Q patológicas), alterações segmentares no ecocardiograma e aumento de troponina. Em pacientes que se apresentam com quadro sugestivo de SCA e a coronariografia não mostra lesões, miocardite deve ser uma hipótese.
  • Sintomas de insuficiência cardíaca (IC) aguda (entre 3 dias e 3 meses de história): os pacientes se apresentam com sintomas de IC aguda ou subaguda sem causa aparente para disfunção miocárdica. O comprometimento leve da fração de ejeção (FE) pode melhorar em semanas a meses, porém quando a disfunção é importante (FE < 35%) o quadro de IC pode persistir e uma parte dos pacientes vai precisar de transplante ou dispositivo de assistência ventricular.
  • Sintomas de IC crônica ou progressiva (mais de 3 meses): na ausência de doença coronariana, miocardite está presente em até 40% dos pacientes com cardiomiopatia crônica que se mantem sintomáticos mesmo com tratamento.
  • Manifestação com condições ameaçadoras a vida: manifestação com arritmias ventriculares ou distúrbios de condução como bloqueio atrioventricular (BAV) de 2 ou 3 grau. Além disso, uma parte dos pacientes pode se apresentar com choque cardiogênico e necessidade de inotrópicos ou suporte circulatório mecânico. Geralmente esses casos são decorrentes de miocardite de células gigantes, miocardite eosinofílica ou tóxica.

Marcadores inflamatórios e biomarcadores

Na suspeita clínica, está indicada a coleta de marcadores inflamatórios e biomarcadores, que tem papel diagnóstico e prognóstico: leucócitos, VHS e PCR, troponinas, BNP ou NT-próBNP. As sorologias virais têm papel limitado no diagnóstico, não sendo indicadas de rotina.

Eletrocardiograma

O eletrocardiograma é bastante inespecífico e uma das alterações mais comuns é a taquicardia sinusal. Outros achados são supra de ST, geralmente côncavo e difuso, sem alterações recíprocas (imagem em espelho), que são transitórios e reversíveis na evolução. Também pode haver padrão de repolarização precoce. BAV sugere mais doença de Lyme, sarcoidose ou miocardite de células gigantes. Apesar de inespecífico, o ECG auxilia na estratificação de risco, sendo que alargamento de QRS, BAVs avançados, taquicardia ventricular e fibrilação atrial tem relação com maior mortalidade.

Ecocardiograma

O ecocardiograma também tem papel limitado no diagnóstico, porém ajuda na avaliação de diagnósticos diferenciais. Não há um achado específico e podem ocorrer alterações segmentares, difusas, edema miocárdico e derrame pericárdico.

Ressonância cardíaca

A ressonância magnética cardíaca é o exame padrão ouro para o diagnóstico, com excelente acurácia e reprodutibilidade, o que auxilia inclusive no seguimento dos pacientes. As principais técnicas para caracterizar as lesões da miocardite são as ponderadas em T2, que avaliam edema secundário a processo inflamatório, e a técnica do realce tardio, que avalia áreas de necrose e fibrose, geralmente na região mesocárdica e poupando o endocárdio. As alterações encontradas são divididas em critérios principais e de suporte para o diagnóstico pela imagem.

A cintilografia com gálio pode ser usada como alternativa em pacientes que não podem realizar ressonância, assim como o PET com F-FDG, principalmente na suspeita de sarcoidose.

Avaliação coronariana

Na suspeita de miocardite com manifestação inicial semelhante a infarto, pode-se realizar avaliação de coronárias por coronariografia ou angioTC. Um estudo mostrou que nos casos de IAM com coronárias normais, infarto foi visto na ressonância em apenas 24% dos pacientes e miocardite estava presente em 33% dos casos. Esses casos geralmente eram associados a pacientes jovens e PCR aumentado.

Biópsia

O diagnóstico definitivo é feito pela biópsia endomiocárdica. Utiliza-se os critérios de Dallas associado a imuno-histoquímica com painel de anticorpos monoclonais e policlonais e análise genômica viral, com triagem para os enterovírus, influenza, adenovírus, citomegalovírus, Epstein-Barr, parvovirus B19 e herpes vírus humano.

A biopsia precoce auxilia no diagnóstico diferencial dos tipos de miocardite, além de fornecer diagnósticos diferenciais de doenças que simulam miocardite. A principal indicação é em pacientes de alto risco, com IC de início recente (menos de 2 semanas), com apresentação clinica grave (instabilidade hemodinâmica, uso de suporte circulatório mecânico ou inotrópicos ou refratariedade ao tratamento) ou arritmias de alto risco (arritmias ventriculares sustentadas ou sintomáticas ou bloqueios cardíacos avançados).

A biópsia é questionável em pacientes de baixo risco e com boa resposta ao tratamento e deve ser considerada nos pacientes de risco moderado quando ocorre manutenção ou agravamento dos sintomas, disfunção ventricular, arritmias e distúrbios de condução.

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Tratamento

A maioria das miocardites tem regressão espontânea dos sintomas e melhora da função ventricular sem necessidade de intervenção.

Pacientes com baixa suspeita, sem sinais de gravidade, com função ventricular preservada e sem arritmias tem evolução favorável e podem apenas ser acompanhados, sem necessidade de medicação.

Na suspeita intermediária, com função preservada ou disfunção com melhora progressiva, indica-se cardioproteção com betabloqueadores e IECA ou BRA por pelo menos 12 meses. Quando há disfunção ventricular com queda da FE o tratamento é o mesmo que para os pacientes com IC com FE reduzida.

Na suspeita alta, quando há algum indicador de mal prognóstico, está indicada a biópsia, com objetivo de avaliar a inflamação e agente etiológico e início de tratamento específico com imunossupressão, imunomodulação e/ou antivirais.

Na ausência de infecção viral, os imunossupressores mais utilizados são corticosteroides associados ou não a azatioprina. Quando há infecção viral, indica-se o antiviral, que varia para cada agente e pode haver necessidade de imunomoduladores, como as imunoglobulinas.

Comentários e conclusão

Essa diretriz traz uma padronização dos critérios diagnósticos, o que facilita a avaliação dos pacientes na prática clínica, além de trazer fluxogramas para guiar o tratamento medicamentoso, quando indicado.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Montera MW, et al. Brazilian Society of Cardiology Guideline on Myocarditis – 2022. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(1):143-211. DOI: 10.36660/abc.20220412

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