Sociedade Brasileira de Pediatria: quais recomendações sobre volta às aulas presenciais?

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tratou de aspectos referentes a pandemia de Covid-19 e o impacto da volta às aulas presenciais.

Em documento lançado em 26 de janeiro de 2021, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) abordou aspectos referentes a pandemia da doença pelo coronavírus de 2019 (Covid-19) e seu impacto negativo na saúde mental de crianças e adolescentes. Para embasar as suas recomendações, foram citadas algumas experiências vivenciadas por outros países e publicações abordando a participação da faixa etária pediátrica na cadeia de transmissão. Ao trazer à tona a discussão sobre o retorno seguro às aulas presenciais, a SBP reitera o seu compromisso com a proteção e saúde de crianças e adolescentes.

Covid-19 e o impacto da volta às aulas presenciais.

Impacto do isolamento na saúde das crianças e adolescentes

De acordo com publicação do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBP, após o período de pandemia, pediatras atenderam solicitações referentes a surgimento de insônia, anorexia, crises de ansiedade ou depressão. Também foram relatados reaparecimento de comportamentos já superados pela criança, como enurese noturna ou insegurança para dormir sozinho. Além disso, o Departamento Científico de Neurologia, em novembro de 2020, pontuou a relação entre o isolamento social e piora na qualidade do sono. Destacou ainda que distúrbios do sono estão correlacionados com comorbidades psiquiátricas, o que torna necessário o seguimento cuidadoso destas crianças nos anos pós-pandemia.

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Além do aumento da prevalência de transtornos mentais e do desenvolvimento, a pandemia da Covid-19 e a consequente necessidade de isolamento social também aprofundaram as desigualdades sociais. Escolas que conseguiram se mobilizar para o ensino remoto, em substituição às aulas presenciais puderam manter algumas das suas atividades, porém esta não foi a realidade vivenciada pela maioria da população, que não dispõe de computador e/ou acesso à internet.

Como a infecção se comporta nas crianças? Qual a participação das crianças na cadeia de transmissão?

Os casos graves em crianças são raros. Segundo estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (United Nations International Children’s Emergency Fund – UNICEF), publicados em agosto 2020, ainda não está totalmente compreendido até que ponto as crianças contribuem para a transmissão do vírus SARS-CoV-2. De acordo com o banco de dados de vigilância global da OMS de casos confirmados em laboratório, desenvolvido a partir de relatórios fornecidos à OMS pelos Estados Membros e outros estudos, 1 a 7% dos casos de Covid-19 relatados ocorrem entre crianças, apresentando relativamente poucas mortes em comparação a outras faixas etárias. Poucos têm sido os casos graves de síndrome inflamatória multissistêmica em crianças e adolescentes, embora também haja relatos no Brasil.

As crianças e adolescentes representam menos do que 1% da mortalidade e respondem por 2-3% do total das internações. A maioria das crianças tem quadro leve ou assintomático. A publicação da SBP cita uma carta publicada no jornal JAMA Pediatrics, em que pesquisadores da Universidade da Califórnia relataram que menos de 1% das crianças hospitalizadas assintomáticas para Covid-19 e testadas rotineiramente foram positivas.

O Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (European Centre for Disease Prevention and Control – ECDC) mencionou, recentemente, que menos de 5% dos casos de Covid-19 relatados na União Europeia (UE), Espaço Econômico Europeu (EEE) e Reino Unido são entre crianças e jovens com menos de 18 anos de idade e, quando diagnosticados com Covid-19, têm riscos muito menores de serem hospitalizados ou irem a óbito.

Saiba mais: Transmissão da Covid-19 por crianças: o que sabemos até agora?

A SBP menciona que, curiosamente, a prevalência de infecção em crianças assintomáticas parece ter forte associação com a incidência semanal de Covid-19 na população em geral. Esta foi a conclusão obtida pelo trabalho Prevalence of SARS-CoV-2 Infection in Children Without Symptoms of Coronavirus Disease, que analisou crianças com infecção assintomática pelo SARS-CoV-2 provenientes de 28 hospitais diferentes. Este achado sugere que a prevalência de infecção na população geral poderia ser utilizada para orientar a política sobre os ambientes institucionais para crianças.

Em que momento estamos na pandemia?

A taxa de transmissão voltou a subir no país. De acordo com dados divulgados em 12 de janeiro pelo Imperial College (Londres – Reino Unido), no Brasil, cada 100 pessoas infectadas transmitem o vírus para outras 121. A média móvel de casos novos na primeira quinzena do ano foi de 54.182 novos diagnósticos por dia, número recorde desde o início da pandemia.

E como foi a experiência em outros países com o retorno das atividades presenciais?

  • ECDC: de acordo com a investigação dos casos identificados em ambiente escolar, a transmissão de criança para criança nas escolas é incomum. Com a implementação de medidas adequadas de distanciamento físico e higiene, é improvável que as escolas sejam ambientes de propagação de doença mais significativos que outros ambientes ocupacionais ou de lazer com densidades semelhantes;
  • Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention – CDC – Estados Unidos): de acordo com publicação de setembro de 2020, defende que o risco de transmissão depende da modalidade de ensino. O desenho de ensino tal qual existia antes da pandemia, com turmas cheias, representaria a modalidade de maior risco. Uma sugestão apresentada é a formação de grupos de alunos e professores que sempre compareceriam juntos em escalas alternadas com outras equipes; em Salt Lake City, Utah, Estados Unidos: foi realizado um estudo em que foram descritos três pequenos surtos (12 crianças) em instituições escolares, com relato tanto de transmissão do escolar para familiares como contaminação do escolar no espaço domiciliar, reforçando a necessidade de controle com protocolos de testagens, nos casos índice e nos contactantes;
  • Rhode Island, Estados Unidos: a reabertura ocorreu num momento de baixos índices de casos. Inicialmente, foram organizados grupos de 12 pessoas, entre alunos e professores, evoluindo para 20 indivíduos, em esquema de revezamento, com níveis satisfatórios de medidas sanitárias e estruturais. Foi aprovada a abertura de 666 programas (total de 891). Possível transmissão secundária foi observada em 4 dos 666 programas. O bom resultado se deveu, segundo os pesquisadores, às medidas de prevenção, como uso de máscaras, distanciamento no ambiente, exames disponíveis dentre outros.
  • Austrália: houve diferenças de decisão sobre reabertura das escolas entre os estados. Em publicação de agosto de 2020 envolvendo 25 instituições e alunos abaixo de 18 anos, foi observado um número pequeno de casos em crianças e adolescentes, assim como em adultos, no seguimento após reabertura;
  • Irlanda: estudo de modelo retrospectivo analisou as notificações de infecção nas escolas antes do fechamento delas no início da pandemia. Foram identificados 3 casos em crianças e 3 em adultos, sem nenhum registro de transmissão no ambiente escolar. Embora seja um número pequeno de casos, o que empobrece a metodologia, aparentemente a transmissão no âmbito escolar pareceu pequena;
  • Inglaterra: estudo prospectivo demonstrou que surtos em ambientes educacionais foram incomuns. Além disso, a presença destes surtos se correlacionou com a incidência regional da doença, mais uma vez sugerindo que o controle da transmissão na comunidade é essencial para proteger as escolas.

Como poderia ser planejado o retorno seguro e saudável às aulas presenciais?

Reuniões on-line ou presenciais com poucos funcionários da escola são fundamentais para que todos estejam preparados para o retorno, conhecendo os novos procedimentos que serão adotados. Materiais impressos podem ser preparados pelos professores e disponibilizados aos estudantes, com as recomendações de cuidados higiênicos e distanciamento social.

São recomendados:

  • Retorno escalonado de estudantes e profissionais, com parte dos alunos e professores mantendo atividades remotas, quanto a outra parte recebe aulas e atividades presenciais. Pode haver revezamento de estudantes, tendo aulas presenciais em alguns dias da semana e remotas em outros;
  • Manter ambientes arejados com ventilação natural, preparar atividades ao ar livre, manter distância interpessoal de 1 metro, equipar a escola com pias e lavatórios para higienização das mãos, dispensadores de sabonete líquido e álcool em gel;
  • Planejar fluxo de entrada e saída, familiares e profissionais para evitar aglomerações nestes espaços. Sugere-se horários diferenciados para cada turma;
  • Superfícies como mesas, cadeiras e estantes podem ser higienizadas com álcool 70%. Remover lixos frequentemente. Lixeiras com tampa e acionamento por pedal. Funcionários que removem lixo devem estar com equipamento de proteção individual (EPI) adequados;
  • Higiene constante das mãos: todo espaço deve ter fácil acesso a pia ou lavatório com água, sabonete líquido e papel toalha. De forma alternativa, pode ocorrer com álcool 70% em gel. A SBP sugere colocar um cartaz plastificado em cima das pias com a orientação sobre lavagem adequada das mãos;
  • Planejar a oferta das refeições de forma que os estudantes se mantenham afastados. Evitar o sistema self-service. Recomenda-se uso de protetor facial para o profissional da escola que vai servir os pratos e/ou levá-los onde o estudante irá comer. Individualizar o uso de água para beber, evitar bebedouros e priorizar garrafas ou copos individuais;
  • Recomenda-se o uso de máscaras de pano, com duas camadas, bem ajustadas ao rosto, do nariz até o queixo, que devem ser trocadas a cada 3 horas ou caso fiquem sujas ou úmidas;
  • Planejar o cuidado com pessoas sintomáticas! Somente pessoas assintomáticas podem ser recebidas em ambiente escolar. Caso um estudante ou um profissional de saúde desenvolva sintomas, deve ser encaminhado a espaço destinado exclusivamente a este propósito, com profissionais com EPI adequados, enquanto aguarda para se retirar;
  • Jogos, competições, festas, reuniões, comemorações e atividades que envolvam coletividades devem ser temporariamente suspensos.

Conclusões e desafios

Com base no impacto negativo do fechamento das escolas para a saúde mental e física das crianças e adolescentes e considerando que, aparentemente, a faixa etária pediátrica não exerce papel fundamental na cadeia de transmissão, espera-se que se efetivem, com urgência, os passos voltados ao planejamento estratégico para o retorno seguro às aulas presenciais. Devem ser garantidas melhores condições estruturais e de gestão dos processos voltados ao controle de riscos contra a transmissão do SARS-CoV-2 no ambiente escolar.

Ao observarmos as experiências de demais países, surge uma grande preocupação a respeito da fragilidade nos projetos de ampla testagem enfrentados no país, o que prejudica o real acompanhamento da pandemia. Outra questão a ser considerada é o perfil precário do transporte público, na maioria das grandes cidades, o que deve servir de alerta para as famílias que necessitam utilizá-lo, ao levar os filhos para a escola.

Considerando que as escolas e a educação de crianças e adolescentes devem ser classificadas no âmbito das atividades ditas como essenciais para a sociedade, particularmente se estimados os riscos sociais, psíquicos e de desenvolvimento, no longo tempo de fechamento das instituições de ensino, a SBP enfatiza que nosso foco necessita ser criar condições seguras para o adequado retorno às aulas presenciais.

Referências bibliográficas:

  • Sociedade Brasileira de Pediatria. Retorno Seguro nas Escolas. Rio de Janeiro: SBP, 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/. (acesso em: 28/01/2021)

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