Superinfecção bacteriana em pacientes com pneumonia grave por Covid-19

A real incidência e impacto das complicações por infecção badcteriana nos pacientes intubados por formas graves de Covid-19 ainda é incerto.

A real incidência e o real impacto das complicações infecciosas bacterianas nos pacientes intubados por formas graves de Covid-19 ainda é incerto, porém estima-se que deve acompanhar a tendência de outras infecções virais graves, como a H1N1, onde até 32% dos pacientes em autópsia revelaram a presença de coinfecção bacteriana como fator contribuinte ao óbito (1,2)

Nesse cenário, apesar de recomendações baseadas em evidências fracas, diversas sociedades recomendam o uso empírico de antimicrobianos nas formas graves de Covid-19, porém com evidências crescentes que levam à mudança de estratégia, uma vez que essa conduta eleva grandemente a incidência de infecção por germes resistentes em pacientes que sequer tinham coinfecção bacteriana em curso (3-5)

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Dentro do que seria considerado mais racional hoje, a melhor conduta seria embasar-se de critérios clínicos e laboratoriais mais objetivos, antes de iniciar amplo esquema antimicrobiano empírico, tendo em mente que o lavado broncoalveolar permanece sendo o padrão-ouro para a identificação microbiológica, sendo superior ao swab nasofaríngeo e ao aspirado traqueal convencional (6).

O objetivo deste estudo, publicado em junho de 2021 na revista American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, foi de realizar um estudo observacional unicêntrico para determinar a prevalência e etiologia da superinfecção bacteriana no momento da intubação inicial e a incidência e etiologia de PAV (Pneumonia associada à ventilação mecânica) bacteriana subsequente em pacientes com pneumonia grave por SARS-CoV-2 (7).

Superinfecção bacteriana em pacientes com pneumonia grave por Covid-19

Metodologia

Este estudo consistiu de uma análise retrospectiva e observacional no Northwestern Memorial Hospital (NMH), um hospital de urgência na cidade de Chicago. Foram incluídos os pacientes admitidos nas unidades de terapia intensiva com insuficiência respiratória secundária à pneumonia por SARS-CoV-2 confirmada por PCR, que foram intubados e receberam alta hospitalar ou faleceram entre 1º de março e 30 de junho de 2020. Pacientes com Covid-19 intubados por outras razões que não fossem pneumonia (procedimentos cirúrgicos, intoxicação, etc.) foram excluídos após a avaliação de pelo menos dois médicos intensivistas. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa.

Os pacientes tinham um lavado broncoalveolar realizado dentro das primeiras 48 horas após a intubação e sempre que fossem suspeitos de terem desenvolvido PAV. Os casos foram definidos como superinfecção bacteriana quando isolavam ou por meios de cultura convencional ou por meio de métodos por PCR, um germe sabidamente causador de infecção pulmonar.

Resultados

Ao todo foram analisadas 386 amostras de lavado (LBA) de 179 pacientes com formas graves e confirmadas de Covid-19 e que necessitaram de ventilação mecânica. Foi confirmada a superinfecção bacteriana nas 48 horas de intubação em 21% dos pacientes com Covid-19. Ao longo da internação, 72 pacientes (44,4%) desenvolveram pelo menos um episódio de PAV (Densidade de PAV de 45,2 / 1000 dias de ventilação) e 15 (20,8%) dos casos de PAV foram causadas por patógenos resistentes. 

Foi visto ainda que o uso isolado de critérios clínicos não distinguem corretamente entre os pacientes com ou sem superinfecção bacteriana. Uma estratégia racional de antimicrobianos baseada em LBA foi associada significativamente à redução do uso de antibióticos em comparação com as recomendações das diretrizes convencionais.

Conclusão

Nos pacientes com pneumonia grave por Covid-19 que evoluem com a necessidade de ventilação mecânica, a superinfecção bacteriana presente no momento da intubação ocorre em menos de 25% dos pacientes. O manejo empírico e precoce de antibióticos com base em recomendações fracas de diretrizes no momento da intubação resulta em uso excessivo de antibióticos e elevado potencial de desenvolvimento de cepas resistentes. A PAV complicou 44% dos pacientes e não pôde ser identificada com precisão sem adequada análise microbiológica por LBA.

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Minha impressão

O uso de antibióticos de forma empírica para pacientes com pneumonia viral é de fato irracional do ponto de vista terapêutico. Esse estudo reforça o racional de uma adequada estratégia de uso racional de antimicrobianos e de stewardship. Aliar dados clínicos com parâmetros laboratoriais como a procalcitonina, PCR e leucometria, bem como adotar uma agressiva busca microbiológica de rotina parece ser o mais adequado ao cenário de pneumonias virais.

Referências bibliográficas:

  1. Morens DM, Taubenberger JK, Fauci AS. Predominant role of bacterial pneumonia as a cause of death in pandemic influenza: implications for pandemic influenza preparedness. J Infect Dis. 2008; 198: 962-970. doi10.1086/591708
  2. Gill JR, Sheng ZM, Ely SF, Guinee DG, Beasley MB, Suh J, Deshpande C, Mollura DJ, Morens DM, Bray M, Travis WD, Taubenberger JK. Pulmonary pathologic findings of fatal 2009 pandemic influenza A/H1N1 viral infections. Arch Pathol Lab Med. 2010; 134: 235-243. doi10.5858/134.2.235
  3. Clancy CJ, Schwartz IS, Kula B, Nguyen MH. Bacterial Superinfections Among Persons With Coronavirus Disease 2019: A Comprehensive Review of Data From Postmortem Studies. Open Forum Infect Dis. 2021; 8: ofab065. doi: 10.1093/ofid/ofab065
  4. Metlay JP, Waterer GW, Long AC, Anzueto A, Brozek J, Crothers K, Cooley LA, Dean NC, Fine MJ, Flanders SA, Griffin MR, Metersky ML, Musher DM, Restrepo MI, Whitney CG. Diagnosis and Treatment of Adults with Community-acquired Pneumonia. An Official Clinical Practice Guideline of the American Thoracic Society and Infectious Diseases Society of America. Am J Respir Crit Care Med. 2019; 200: e45-e67. doi10.1164/rccm.201908-1581ST
  5. Alhazzani W, Moller MH, Arabi YM, Loeb M, Gong MN, Fan E, Oczkowski S, Levy MM, Derde L, Dzierba A, Du B, Aboodi M, Wunsch H, Cecconi M, Koh Y, Chertow DS, Maitland K, Alshamsi F, Belley-Cote E, Greco M, Laundy M, Morgan JS, Kesecioglu J, McGeer A, Mermel L, Mammen MJ, Alexander PE, Arrington A, Centofanti JE, Citerio G, Baw B, Memish ZA, Hammond N, Hayden FG, Evans L, Rhodes A. Surviving Sepsis Campaign: Guidelines on the Management of Critically Ill Adults with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Crit Care Med. 2020; 48: e440-e469. doi10.1007/s00134-020-06022-5
  6. Fagon JY, Chastre J, Wolff M, Gervais C, Parer-Aubas S, Stephan F, Similowski T, Mercat A, Diehl JL, Sollet JP, Tenaillon A. Invasive and noninvasive strategies for management of suspected ventilator-associated pneumonia. A randomized trial. Ann Intern Med. 2000; 132: 621-630. doi10.7326/0003-4819-132-8-200004180-00004
  7. Pickens CO, Gao CA, Cuttica MJ, Smith SB, Pesce LL, Grant RA, Kang M, Morales-Nebreda L, Bavishi AA, Arnold JM, Pawlowski A, Qi C, Budinger GRS, Singer BD, Wunderink RG; NU COVID Investigators. Bacterial Superinfection Pneumonia in Patients Mechanically Ventilated for COVID-19 Pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 2021 Aug 19. doi: 10.1164/rccm.202106-1354OC. Epub ahead of print. PMID: 34409924. doi10.1164/rccm.202106-1354OC

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