Suporte ventilatório não invasivo na Covid-19: quando intubar?

Estudo verificou que o uso de suporte ventilatório não invasivo como primeiro suporte foi fator independente associado a maior sobrevida.

As manifestações respiratórias da Covid-19 promovem variados graus de acometimento clínico. Desde pacientes com necessidade apenas de oxigenioterapia suplementar a pacientes na ventilação mecânica. O suporte ventilatório não invasivo surgiu como peça importante no manejo desses pacientes.

Estudo brasileiro recente produzido por Kurtz et al analisou cerca de 13.300 pacientes graves de 126 UTIs brasileiras. O uso de suporte ventilatório não invasivo como primeiro suporte foi fator independente associado a maior sobrevida [IC 95%], RR 0,59 [0,54–0,65], p < 0,001.

ICU equipment. Nurse near the patient

Suporte ventilatório não invasivo

As estratégias comumente utilizadas no suporte ventilatório não invasivo são a cânula nasal de alto fluxo (CNAF) e a ventilação não invasiva por pressão positiva (interfaces do tipo “Total Face” ou até mesmo tipo “Helmet”). Você pode conferir detalhes técnicos dos dispositivos em três textos produzidos anteriormente aqui no portal.

Existe um racional fisiopatológico de que a lesão autoinduzida pelo próprio paciente (P-SILI) nos cenários de dispneia na Covid-19 teria papel importante na gênese da deterioração clínica e maior acometimento pulmonar desses pacientes. Esse racional ainda não é consensual e continua sendo discutido amplamente, inclusive entre grandes nomes da fisiologia respiratória como Gattinoni e Tobin. A decisão pela intubação de um paciente com Covid-19 em uso de suporte ventilatório não invasivo é decisão sensível, individualizada e o “quando intubar” ainda é reconhecido como a pergunta de um milhão de dólares.

O foco do nosso texto será voltado para a avaliação da resposta desses pacientes ao suporte ventilatório não invasivo, entendendo que a persistência nessa terapia, quando não indicado, pode levar a piores desfechos e que parâmetros objetivos precisam ser aliados a parâmetros subjetivos para embasar tal decisão. Esse texto reúne recomendações atualizadas de entidades nacionais e internacionais como: o Surviving Sepsis Campaign (SSC), a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e a ABRAMEDE (Associação Brasileira de Medicina de Emergência).

Conhecendo o índice ROX

O Índice ROX, validado por estudo multicêntrico europeu em pacientes utilizando Cânula de Alto Fluxo Nasal (CNAF), ajudou a predizer o risco de intubação nesse perfil de pacientes com pneumonia e síndrome do desconforto respiratório agudo. Vale ressaltar que o estudo foi realizado em 2019, antes da pandemia e, até o momento, não temos evidência validando o índice para a Covid-19. No entanto, o uso do índice tem sido enfatizado por especialistas nos pacientes com Covid-19 em uso de CNAF, como estratégia objetiva para auxiliar a decisão, em conjunto com outros dados clínicos.

Como calcular o índice ROX?

O cálculo é simples. Veja abaixo:

ROX = (SpO2/FiO2)/frequência respiratória

Sucesso se ROX > 4,88. Os valores para considerar intubação seguirão abaixo.

OBS: O índice ROX foi validado para guiar a decisão de intubação em pacientes que estavam utilizando cânula nasal de alto fluxo. Tendo em vista o cenário de pandemia e a necessidade de normatização da decisão, unidades na prática têm extrapolado o seu uso para outros dispositivos como a VNI com máscara facial ou outras interfaces (ex: Helmet).

Avaliando a resposta ao suporte não invasivo: quando intubar?

Conforme recomendações da AMIB e ABRAMEDE, em pacientes utilizando suplementação de oxigênio, nos casos de SpO2 < 90% e/ou frequência respiratória > 28 incursões respiratórias por minuto ou retenção de CO2 (PaCO2 >50 mmHg e/ou pH < 7,25) ou uso de musculatura acessória, as equipes podem considerar suporte ventilatório não invasivo ou intubação endotraqueal.

Importante ter em mente que, toda vez que optarmos pelas estratégias não invasivas, a reavaliação clínica seriada é regra, além da necessidade da equipe estar habituada ao dispositivo. Assim, ao iniciarmos uma estratégia não invasiva, deve ser feita uma avaliação inicial imediata (primeiros 30 a 60 min). Se o paciente apresentou sucesso na primeira avaliação, uma reavaliação clínica sequencial com base no ROX pode ser utilizada nas próximas horas. Veja a sugestão abaixo:

  1. Avaliação inicial imediata:
  • Avaliar a resposta do paciente em 30 a 60 min do início do suporte ventilatório;
  • Critérios para intubação endotraqueal (falência de terapia):

Dispneia progressiva ou sem melhora; ausência de melhora da oxigenação e/ou SpO2 < 90% por mais de 5 minutos; ausência de melhora nos sinais de fadiga respiratória; secreções traqueais abundantes; acidose respiratória com pH < 7,3 a despeito do uso da máscara facial para VNI e intolerância à utilização do dispositivo.

  1. Reavaliação clínica sequencial:
  • Para os pacientes que tiveram boa resposta à avaliação inicial imediata (melhora da frequência respiratória, alívio da dispneia e melhora da oxigenação)
  • Realizar no mínimo 3 avaliações do ROX Index nas primeiras 12 horas, conforme fluxograma abaixo.
  • O ROX Index pode ser calculado a qualquer momento se mudança clínica importante.
IOT: intubação orotraqueal.  ΔROX: Maior ROX – Menor ROX (avaliado em um intervalo de mensurações de 30 min). Adaptado de: Ricard, JD., Roca, O., Lemiale, V. et al. Use of nasal high flow oxygen during acute respiratory failure. Intensive Care Med 46, 2238–2247 (2020). https://doi.org/10.1007/s00134-020-06228-7.

Mensagens práticas

  • A decisão pela intubação na Covid-19 é ponto sensível do manejo desses pacientes;
  • A utilização do suporte ventilatório não invasivo como primeira estratégia tem associação com melhores desfechos;
  • Se optar pela estratégia não invasiva, a reavaliação clínica seriada é regra;
  • A utilização do índice ROX em uma estratégia de reavaliações seriadas confere um parâmetro objetivo para predizer a necessidade de intubação endotraqueal;
  • Importante engajar toda a equipe multiprofissional no protocolo.

Referências bibliográficas:

  • Kurtz P, Bastos LSL, Dantas LF, et al. Evolving changes in mortality of 13,301 critically ill adult patients with Covid-19 over 8 months. Intensive Care Med, 2021. doi: 1007/s00134-021-06388-0
  • Roca O, Caralt B, Messika J, et al. An Index Combining Respiratory Rate and Oxygenation to Predict Outcome of Nasal High-Flow Therapy. Am J Respir Crit Care Med. 2019;199(11):1368-1376. doi: 1164/rccm.201803-0589OC
  • Grieco DL, Menga LS, Eleuteri D, Antonelli M. Patient self-inflicted lung injury: implications for acute hypoxemic respiratory failure and ARDS patients on non-invasive support. Minerva Anestesiol. 2019;85(9):1014-1023. doi: 23736/S0375-9393.19.13418-9
  • Tobin MJ, Laghi F, Jubran A. P-SILI is not justification for intubation of Covid-19 patients. Ann Intensive Care. 2020 Aug 3;10(1):105. doi: 1186/s13613-020-00724-1.
  • Torjesen I. Covid-19: When to start invasive ventilation is “the million dollar question”. BMJ. 2021 Jan 14;372:n121. doi: 1136/bmj.n121.
  • Alhazzani W, Evans L, Alshamsi F, et al. Surviving Sepsis Campaign Guidelines on the Management of Adults With Coronavirus Disease 2019 (Covid-19) in the ICU: First Update. Crit Care Med. 2021;49(3):e219-e234. doi: 1097/CCM.0000000000004899
  • Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Orientações sobre o uso racional do gás oxigênio em pacientes graves com suspeita de infecção por SARS-CoV-2. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2021/janeiro/27/ORIENTACOES_SOBRE_O_USO_RACIONAL_DO_GAS_OXIGENIO_EM_PACIENTES_GRAVES_COM_SUSPEITA_DE_INFECCAO_POR_SARS-COV-2VJS.pdf

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