Temas controversos em UTI: hipotensão arterial

Um dos principais motivos que indicam internação em uma UTI é a presença de hipotensão arterial. Saiba mais.

Um dos principais motivos que indicam internação em uma unidade de terapia intensiva é a presença de hipotensão arterial. Apesar disso, a hipotensão arterial não significa, necessariamente, a presença de hipoperfusão tecidual; de forma análoga, a normotensão não garante a presença de boa perfusão tecidual.  

Observamos essas situações no nosso dia a dia. Um paciente com cirrose ou cardiopatia chagásica, por exemplo, pode comparecer ao seu consultório com pressão arterial média (PAM) baixa, sem qualquer disfunção orgânica aguda. Um adulto previamente hígido, pode chegar ao pronto socorro com sepse de foco pulmonar, apresentando confusão mental, lesão renal aguda, e diversas outras disfunções orgânicas, porém PAM absolutamente normal. 

UTI

Casos de hipotensão

Diante de um paciente com hipotensão, o médico deve avaliar a presença de disfunções orgânicas agudas. 

Figura 1: As disfunções orgânicas podem se manifestar em diferentes sistemas orgânicos. (arquivo pessoal – @emergencia.simm). TEC: tempo de enchimento capilar em segundos; pO2: pressão arterial de oxigênio; FiO2: fração inspirada de oxigênio.

 

Um artigo clássico da terapia intensiva propõe uma forma simplificada de avaliar o paciente com hipotensão arterial através das chamadas “janelas da perfusão”. Elas são parâmetros avaliados no exame clínico, que permitem visualizar diretamente a presença de hipoperfusão tecidual. São elas: pele, diurese, e sistema nervoso central; representantes de parâmetros chamados macro hemodinâmicos.

  • Pele 
  1. Tempo de enchimento capilar
  2. Temperatura de extremidades
  3. Mottling score
Figura 2: O mottling escore avalia a presença e extensão de livedo nos membros inferiores. Ele varia desde ausência de livedo (escore 0), até livedo alcançando a raiz da coxa
(escore 5). Pontuações maiores estão diretamente associadas à maior mortalidade (retirada do artigo original: Mottling score predicts survival in septic shock. Intensive Care Med. 2011 May;37(5):801-7. doi: 10.1007/s00134-011-2163-y)

 

  • Débito urinário
  1. Pode ser avaliado, por exemplo, através de sondagem vesical de demora ou mesmo quantificação de volume urinário com ultrassonografia vesical.
  • Sistema nervoso central
  1. Avaliação de nível de consciência (escala de coma de glasgow 2, escala FOUR 3)
  2. Avaliação de conteúdo de consciência (avaliação de delirium)
Figura 3: Avaliação do paciente com hipotensão. Nos pacientes com sinais de hipoperfusão, é necessário a avaliação do diagnóstico diferencial da etiologia (retirado de Circulatory shock. N Engl J Med. 2013 Oct 31;369(18):1726-34)

 

Assim como existem parâmetros macro hemodinâmicos para avaliação de choque, também existem dados micro hemodinâmicos que podem auxiliar esse diagnóstico (ex: lactato, base excess, gap de pCO2, saturação venosa central de O2, entre outros). No entanto, na determinação da presença de hipoperfusão, os parâmetros laboratoriais sempre virão em segundo lugar, somente após a avaliação clínica. O estudo ANDROMEDA 24 comparou o uso de lactato versus tempo de enchimento capilar (TEC), com o objetivo de avaliar o melhor parâmetro para guiar a ressuscitação volêmica de pacientes com choque séptico. Não houve diferença significativa na mortalidade em 28 dias entre os grupos. Aqui, a clínica segue sendo soberana. 

Ainda assim, pressão arterial e perfusão tecidual andam muitas vezes em paralelo. Na prática clínica, em algumas ocasiões, o nosso trigger para a avaliação da presença de choque ainda é o monitor alarmando a presença de hipotensão arterial. 

Por isso, vamos discutir nesta revisão alguns pontos fundamentais no manejo desses pacientes, focando naqueles com sepse. Abordaremos a história dos bundles de sepse; como escolher o fluido ideal; o timing de início e qual vasopressor utilizar.

A história (resumida) dos bundles de sepse

Após diagnóstico da presença de choque séptico, as prioridades são a correção da hipotensão, na tentativa de melhorar a perfusão tecidual. Com o intuito de auxiliar os médicos nessa função, foram criados bundles de atendimento ao paciente com sepse.

Tudo começou em 2001, quando Rivers publicou um estudo unicêntrico 5 comparando o cuidado usual de pacientes sépticos com o bundle chamado Early-Goal Directed Therapy (EGDT). A unidade em que o estudo foi conduzido possuía apenas 9 leitos, atendidos por um médico emergencista, dois médicos residentes, e três enfermeiras. O estudo demonstrou redução de mortalidade de 46.5% para 30.5%, com o uso da EGDT. Esses resultados impressionantes motivaram a adoção do protocolo utilizado no estudo em larga escala, em todo o mundo. 

No entanto, no artigo original não existem referências descrevendo de onde surgiu o protocolo implementado na EGDT. Posteriormente, quando o debate entre EGDT versus cuidado usual estava pegando fogo, os mesmos autores do estudo original publicaram um texto onde citam as referências em que se basearam para a criação do EGDT 6.  Uma análise atenta revela que a EGDT foi baseada apenas em frágeis estudos observacionais ou fisiológicos.

Posteriormente, uma avalanche de estudos vieram colocar à prova o EGDT versus cuidado usual. Em 2014, os estudos ARISE 8 (ANZICS) e ProCESS 9 (americano) foram publicados; e em 2015, o estudo ProMISe 10 (britânico). Todos estes trabalhos falharam em demonstrar o benefício da EGDT em comparação ao cuidado habitual. Em virtude de críticas, boa parte advindas dos coautores do artigo original de Rivers, os grupos envolvidos na condução destes três trabalhos resolveram se juntar para fazer uma metanálise com os dados individuais dos seus pacientes. Essa grande metanálise, talvez o estudo mais importante de todos os tempos sobre este tema, veio para encerrar a discussão. Publicada em 2017, o estudo PRISM 7 reafirmou a ausência de diferenças em desfechos clínicos entre a EGDT e o cuidado usual. 

Não se pode negar, no entanto, a grande importância do estudo de Rivers em atrair atenção da comunidade científica para este tema. Ele e os estudos subsequentes, foram responsáveis por um agregar um conhecimento imensurável para o tratamento de pacientes sépticos. 

De onde surgiu o fluido ideal e como/quanto usar?

Aproveitando a história dos bundles, o fluido ideal é outra dúvida debatida há muito tempo. O trabalho de Rivers em 2001 incluiu apenas pacientes com hipotensão arterial persistente após expansão volêmica com 20 a 30 ml/Kg de fluidos, cujo valor foi determinado de forma arbitrária para o protocolo do estudo. No entanto, os guidelines da Surviving Sepsis Campaign (SSC) de 2004 e 2008 não faziam essa recomendação, orientando a administração de alíquotas de 500 a 1000 ml de fluidos endovenosos, seguido de reavaliação da necessidade de nova etapa de hidratação.

Misteriosamente, no guideline da SSC de 2012 surge a recomendação da realização de 30 ml/Kg de fluidoterapia em pacientes hipotensos (recomendação 1C), sem menção à referência utilizada. Para um paciente de 70 kg, isso representa 2100 ml de reposição volêmica, a serem administrados em 3 horas.

De forma mais clara, o guideline de 2016 da SSC revela que não existe evidência robusta para a recomendação de expansão volêmica com 30 ml/Kg, sendo este um valor arbitrário utilizado no protocolo de alguns estudos da época, como ARISE, ProCESS e ProMISe.  

Dessa forma, não existe motivo pelo qual seguir cegamente esta recomendação.

Uma abordagem mais racional é adaptar a reposição volêmica ao paciente que você está tratando. Pacientes com choque por estados hipovolêmicos provavelmente se beneficiam mais de alíquotas de volume (ex: cetoacidose diabética). Em pacientes com choque hemorrágico, a mesma premissa se mantém, porém o fluido de escolha seriam os hemocomponentes, na forma de protocolos de transfusão maciça (nessa situação os cristalóides são uma ponte até a chegada dos hemoderivados). 

Por outro lado, em situações graves de choque distributivo, onde predomina a queda na resistência vascular sistêmica, a reposição de volume não vai conseguir solucionar isoladamente o problema de base.

O nosso volume sanguíneo se encontra dividido sob as formas de volume estressado e não-estressado. Estruturas elásticas, como os vasos sanguíneos, possuem a capacidade de acomodar volume, sem aumento da tensão em sua parede até um certo limiar (volume não estressado). Quando ultrapassado o comprimento de repouso da estrutura elástica, o acréscimo de mais volume irá causar aumento da tensão de parede da estrutura (volume estressado). Somente o volume estressado é capaz de gerar pressão arterial, e assim, fluxo sanguíneo, através da força de recolhimento elástica produzida pela tensão na parede dos vasos. 

Cerca de 70% do nosso volume sanguíneo se encontra sob a forma de volume não estressado 12, prontamente disponível para ser mobilizado em situações de necessidade de aumento da pressão sanguínea. Um paciente de 70 kg, possui 5.5 litros de sangue, dos quais apenas 1.3 litros são responsáveis por gerar efetivamente pressão arterial. Em situações de ativação intensa do sistema nervoso simpático, podemos mobilizar até 18 ml/Kg de volume do compartimento não-estressado para o estressado, apenas com a ação da vasoconstrição vascular. Isso representaria para nosso paciente de 70 kg, um aumento de 1260 ml de sangue para o volume circulante efetivo (praticamente 100% de aumento do volume estressado inicial). 

Figura 4: A. Tentativa de bombear fluido através de um sistema de tubulação rígida, sem complacência. Não existe fluxo, pois o aumento de pressão em um segmento rapidamente se transmite aos demais e não há gradiente de pressão para ocorrer o fluxo. B. Um território de alta capacitância (território venoso) permite que exista fluxo de sangue entre um território de alta pressão (aorta) para território de baixa pressão (átrio direito). C. Paciente com sepse: a vasodilatação aumenta a complacência do sistema, de forma que mesmo a infusão de grande quantidade de volume não consegue aumentar a pressão arterial. Os pulsos se tornam filiformes. Partindo de C, de volta para a imagem B: Paciente com choque após início de vasopressor: a vasoconstrição reduziu a região complacente do sistema (território venoso), de modo a aumentar volume estressado. A pressão arterial aumenta sem qualquer necessidade de reposição volêmica, e os pulsos voltam a ser amplos.

 

Conclusão, em situações de choque séptico, podemos fazer pequenas alíquotas de cristalóides (500ml), com reavaliação seriada do paciente. Porém, não devemos insistir na reposição volêmica enquanto o paciente permanece hipotenso, pois esse atraso permite que a hipoperfusão se prolongue. Quanto maior a demora na correção da hipoperfusão, maior a amplificação do ciclo vicioso: “hipoperfusão gera vasodilatação que piora a hipoperfusão”.

Assim, vasopressores devem ser iniciados de forma precoce, concomitantes à reposição volêmica nos casos graves, para interromper rapidamente a origem do problema. Os vasopressores são capazes de mobilizar o volume não-estressado para volume estressado em questão de segundos, mais rapidamente do que qualquer infusão de volume exógena.

Tudo bem, mas qual o fluido ideal para a reposição volêmica? 

Discutimos esse tema em artigo específico aqui no PEBMED. Diversos estudos compararam cristalóides e colóides ao longo dos anos. O estudo SAFE 14 (NEJM 2004) comparou o uso de  albumina 4% ou soro fisiológico 0,9% (SF), para expansão volêmica em pacientes internados em UTIs da ANZICS (Sociedade de Medicina Intensiva da Austrália e Nova Zelândia). Ele demonstrou a ausência de diferença no desfecho primário de mortalidade em 28 dias (p=0.87), ou em qualquer outro desfecho secundário. Em função do custo mais elevado das soluções albuminadas, os cristalóides foram então amplamente adotados como fluido de escolha. 

A primeira solução abandonada da prática clínica foram os amidos, após o estudo 6S 13 (NEJM 2012) que demonstrou que os amidos, em comparação com o ringer acetato, aumentaram o desfecho composto de mortalidade ou dependência de hemodiálise em 90 dias (grupo amido 51% versus grupo ringer acetato 43% [p=0.03]). 

Após os amidos e colóides serem deixados em segundo plano, os próximos estudos se dedicaram a avaliar qual o cristalóide de escolha, SF 0,9% ou soluções balanceadas?

Figura 5: Comparação entre a composição dos diferentes tipos de cristalóides e o plasma humano. A figura acima reforça que, a despeito do nome, o soro fisiológico (SF 0,9%) difere significativamente da composição do plasma, lhe rendendo o apelido de “soro anti-fisiológico”. O excesso de cloreto presente no SF 0,9%, em comparação com os cristaloides balanceados (ringer lactato e plasma-lyte®️), induz maior ocorriencia de acidose hiperclorêmica. (reproduzido de 15: Kellum JA. Abnormal saline and the history of intravenous fluids. Nat Rev Nephrol. 2018 Jun;14(6):358-360. doi: 10.1038/s41581-018-0008-4. PMID: 29654298.)

 

A comparação entre o SF 0,9% e as soluções cristalóides balanceadas foi avaliada em dois grandes estudos de 2018, publicados no NEJM, chamados SMART e SALT-ED.

O SMART comparou uso de SF 0,9% versus cristalóides balanceados (ringer lactato ou plasma-lyte ® ️), no ambiente da UTI, com um desenho de múltiplos crossovers. A cada mês o fluido administrado pela UTI envolvida era alternado entre estas duas intervenções. O estudo SALT-ED foi conduzido em uma unidade de emergência, também utilizando um desenho com múltiplos crossovers, onde em determinado mês do ano, todos os pacientes admitidos recebiam o mesmo fluido (SF 0,9% ou cristalóide balanceado), alternando o tipo do fluido no mês subsequente, e assim em diante.

O desfecho primário do SMART foi um composto de “major adverse kidney events within 30 days” (MAKE30), que engloba morte, necessidade de diálise, ou disfunção renal persistente (aumento de creatinina acima de 2x o valor basal). O desfecho primário do SALT-ED foi dias-livres de hospital, tendo como um dos desfechos secundários o mesmo MAKE30.  Ambos estudos demonstraram redução significativa do MAKE30 (desfecho primário do SMART e secundário do SALT-ED) em pacientes que utilizaram cristalóides balanceados. Não houve diferença nos dias livres de hospital (desfecho primário do SALT-ED) ou dias livres de UTI (desfecho secundário do SMART). Também não houve diferença entre os grupos quando avaliados os componentes do MAKE30 individualmente (morte, diálise, ou disfunção renal persistente).

Conclusão: as soluções balanceadas (ringer lactato ou plasma-lyte®️) são superiores ao SF 0,9%, seja no departamento de emergência ou na UTI, tanto para reposição volêmica, quanto para a diluição de medicações. Atualmente essas são as soluções de escolha, exceto em situações específicas onde o SF0,9% ainda tem espaço (alcalose metabólica e alguns pacientes neurocríticos).

Como decidimos o timing de início e qual vasopressor utilizar?

Seguindo a ideia de resolução rápida do estado de hipoperfusão associado ao choque, outra polêmica aparece: podemos iniciar vasopressores em acesso venoso periférico? 

A resposta é absolutamente sim! Na abordagem do paciente com choque, não se deve atrasar o início de vasopressor em função da ausência de acesso venoso central. As drogas vasoativas podem ser administradas de forma segura através de um acesso venoso periférico em veia calibrosa. Existem algumas metanálises sobre o assunto, indicando baixas taxas de extravasamento, especialmente se usados cateteres de 20G ou mais calibrosos. 

Uma metanálise de 2020 demonstrou taxas de extravasamento em 3.4% em 1382 pacientes 18, sem nenhum relato de necrose tecidual ou isquemia de membros. Neste trabalho, o tempo médio de infusão de vasopressores em acesso periférico foi de 22 horas. Outra metanálise 19 recente, avaliou 1835 pacientes, constatando uma incidência de 122 complicações (7% dos pacientes). No entanto, destas, 96% eram complicações leves (extravasamento, celulite, ou tromboflebite), enquanto outras 4% foram consideradas graves (trombose venosa periférica).  Neste trabalho também não ocorreu nenhum caso de necrose tecidual ou isquemia de membros. 

No estudo ARISE, 937 pacientes receberam vasopressores, destes, 42% iniciaram a infusão em acesso periférico, e 58% iniciaram através de acesso venoso central. Com base nisso, foi realizada uma interessante análise post-hoc 19 do estudo, após realizar correção para as características de base dos pacientes. Ela demonstrou que o uso inicial do acesso periférico versus acesso venoso central, reduziu o tempo para início de vasopressores (2.4 horas versus 4.9 horas; p<0,001) e tempo para início de antibióticos (55 minutos versus 71 minutos; p<0,001). Mais uma vez, não ocorreu nenhum caso de isquemia de pele ou membros nesse estudo. 

Isso significa que os vasopressores podem ser iniciados de forma segura em acesso venoso periférico, com posterior obtenção de acesso venoso central, em condições ideais, após estabilização inicial do paciente. 

Porque a noradrenalina é o vasopressor inicial de escolha?

O estudo VASST 21 , em 2008, incluiu pacientes com sepse já com necessidade de doses ≥ 5 mcg/min, comparando duas estratégias: associação de vasopressina versus aumento da dose de noradrenalina visando uma de PAM 65-75 mmHg. Não houve diferença no desfecho primário de mortalidade em 28 dias (grupo vasopressina 35.4%, versus grupo noradrenalina 39.3% [p=0.26]). Esse trabalho demonstrou que a vasopressina é uma opção segura, pois não houve aumento na incidência de efeitos adversos com o uso da medicação (ex: isquemia intestinal, isquemia de membros, hiponatremia, ou arritmias graves). A partir dele, a vasopressina foi introduzida como vasopressor capaz de poupar o uso de  catecolaminas. 

O estudo VANISH 22 em 2016 comparou a noradrenalina versus vasopressina como primeira droga vasoativa, ambas associadas ou não a hidrocortisona, para tratamento de pacientes com choque séptico. Não houve diferença nos desfechos primários de proporção de pacientes sem disfunção renal (grupo vasopressina 57% x grupo noradrenalina 59.2% [IC 95%, −13.0% a 8.5%]) ou no número de dias livres de disfunção renal (grupo vasopressina 9 dias x grupo noradrenalina 13 dias [IC 95%; -11 a 5]).

A dopamina caiu em desuso, no tratamento de pacientes com choque séptico, após a publicação do estudo SOAP II em 2010.  Esse trabalho comparou o uso de dopamina versus noradrenalina como primeiro vasopressor no tratamento do choque séptico.

Não houve diferença no desfecho primário de mortalidade em 28 dias (grupo dopamina 52,5% versus grupo norepinefrina 48,5% [OR 1.17; IC 95%, 0.97 a 1.42; p=0.10]). No entanto, na avaliação dos desfechos secundários, foi constatado um aumento na ocorrência de arritmias com o uso da dopamina (207 eventos no grupo dopamina [24.1%] versus 102 eventos no grupo norepinefrina [12.4%], p <0.001).

Com relação aos alvos de PAM no manejo desses pacientes, dois estudos guiam nossas metas. 

O SEPSISPAM 25 foi um RCT (randomized controlled trial) multicêntrico francês publicado em 2014, avaliando duas diferentes metas de PAM: 65-70 mmHg versus 80-85 mmHg. Não houve diferença significativa no desfecho primário de mortalidade em 28 dias. Como era de se esperar, o grupo com meta elevada de PAM utilizou mais vasopressores. Digno de nota, nos desfechos secundários, o grupo com meta elevada de PAM apresentou maior incidência de fibrilação atrial.

O 65 trial 26, publicado este ano, foi um RCT envolvendo 65 UTIs do Reino Unido, incluindo apenas pacientes com 65 anos de idade ou mais. Foi comparada uma estratégia de alvo de PAM entre 60-65 mmHg versus meta de PAM habitual (a critério dos médicos assistentes). Nos resultados, não houve diferença entre os grupos no desfecho primário (mortalidade em 90 dias) ou qualquer dos desfechos secundários (necessidade de hemodiálise, ventilação mecânica, declínio cognitivo, ou qualidade de vida). Conforme esperado, houve menor uso de vasopressores no grupo intervenção (meta de PAM 60-65 mmHg).

A nossa abordagem atual de pacientes com choque séptico foi moldada ao longo de vários anos, graças a diversos estudos, nem todos citados nesta revisão. Podemos então resumir a abordagem desses pacientes em 6 passos principais, conforme abaixo.

Figura 5: Resumo dos principais pontos na abordagem do paciente com sepse, frente ao nosso conhecimento atual sobre o assunto (arquivo pessoal - @emergenciasimm)
Figura 6: Resumo dos principais pontos na abordagem do paciente com sepse, frente ao nosso conhecimento atual sobre o assunto (arquivo pessoal – @emergenciasimm)

 

*Este artigo foi publicado na revista PEBMED: Hot Topics em Terapia Intensiva. A próxima edição irá trazer temas importantes em Medicina Baseada em Evidências. 

Referências e sugestão de textos:

  • Artigo obrigatório para todos que lidam com doentes graves: Circulatory shock. N Engl J Med. 2013 Oct 31;369(18):1726-34. doi: 10.1056/NEJMra1208943.
  • Para quem acha que sabe tudo sobre escala de coma de Glasgow: The Glasgow Coma Scale at 40 years: standing the test of time. Lancet Neurol. 2014 Aug;13(8):844-54. doi: 10.1016/S1474-4422(14)70120-6. Erratum in: Lancet Neurol. 2014 Sep;13(9):863.
  • Para conhecer melhor a escala FOUR: Validation of a new coma scale: The FOUR score. Ann Neurol. 2005 Oct;58(4):585-93. doi: 10.1002/ana.20611.
  • Para conhecer melhor o mottling score: Mottling score predicts survival in septic shock. Intensive Care Med. 2011 May;37(5):801-7. doi: 10.1007/s00134-011-2163-y.
  • Artigo do Rivers – o início de tudo: Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001 Nov 8;345(19):1368-77. doi: 10.1056/NEJMoa010307.
  • Para quem gosta de uma boa polêmica: Early goal-directed therapy in severe sepsis and septic shock: insights and comparisons to ProCESS, ProMISe, and ARISE. Crit Care. 2016 Jul 1;20(1):160. doi: 10.1186/s13054-016-1288-3.
  • Se você quiser ler um artigo que resume toda a história dos bundle: Early, Goal-Directed Therapy for Septic Shock – A Patient-Level Meta-Analysis (PRISM). N Engl J Med. 2017 Jun 8;376(23):2223-2234. doi: 10.1056/NEJMoa1701380.
  • Estudo ARISE – ANZICS: Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock (ARISE). N Engl J Med. 2014 Oct 16;371(16):1496-506. doi: 10.1056/NEJMoa1404380.
  • Estudo ProCESS – americano: A randomized trial of protocol-based care for early septic shock (ProCESS). N Engl J Med. 2014 May 1;370(18):1683-93. doi: 10.1056/NEJMoa1401602.
  •  Estudo ProMISe – britânico: Trial of early, goal-directed resuscitation for septic shock (ProMISe). N Engl J Med. 2015 Apr 2;372(14):1301-11. doi: 10.1056/NEJMoa1500896.
  •  Links para os guidelines da Surviving Sepsis Campaign:
    • 2004: Surviving Sepsis Campaign guidelines for management of severe sepsis and septic shock. Crit Care Med. 2004 Mar;32(3):858-73. doi: 10.1097/01.ccm.0000117317.18092.e4.
    • 2008: Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2008. Crit Care Med. 2008 Jan;36(1):296-327. doi: 10.1097/01.CCM.0000298158.12101.41.
    • 2012: Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013 Feb;41(2):580-637. doi: 10.1097/CCM.0b013e31827e83af. 
    • 2016: Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock: 2016. Intensive Care Med. 2017 Mar;43(3):304-377. doi: 10.1007/s00134-017-4683-6.

 

  • Para saber mais sobre volume de sangue estressado e não estressado: Volume and its relationship to cardiac output and venous return. Crit Care 20, 271 (2016). https://doi.org/10.1186/s13054-016-1438-7.
  • Amido vs Ringer acetato (trial 6S): Effects of hydroxyethyl starch 130/0.42 vs. Ringer’s acetate on cytokine levels in severe sepsis. Acta Anaesthesiol Scand. 2017 Sep;61(8):904-913. doi: 10.1111/aas.12929.
  • Albumina 4% vs SF 0,9% (trial SAFE): A comparison of albumin and saline for fluid resuscitation in the intensive care unit. N Engl J Med. 2004 May 27;350(22):2247-56. doi: 10.1056/NEJMoa040232
  • Artigo sensacional do John Kellum comparando as soluções intravenosas: Abnormal saline and the history of intravenous fluids. Nat Rev Nephrol. 2018 Jun;14(6):358-360. doi: 10.1038/s41581-018-0008-4.
  • SMART trial: Balanced Crystalloids versus Saline in Critically Ill Adults. N Engl J Med. 2018 Mar 1;378(9):829-839. doi: 10.1056/NEJMoa1711584
  • SALT-ED trial: Balanced Crystalloids versus Saline in Noncritically Ill Adults. N Engl J Med. 2018;378(9):819-828. doi:10.1056/NEJMoa1711586
  • A administração de vasopressor em acesso periférico é segura (1a revisão sistemática):Safety of peripheral administration of vasopressor medications: A systematic review. Emerg Med Australas. 2020 Apr;32(2):220-227. doi: 10.1111/1742-6723.13406
  • A administração de vasopressor em acesso periférico é segura (2a revisão sistemática): Complication of vasopressor infusion through peripheral venous catheter: A systematic review and meta-analysis. Am J Emerg Med. 2020 Nov;38(11):2434-2443. doi: 10.1016/j.ajem.2020.09.047.
  • Análise post-hoc do ARISE sobre uso de acesso periférico para infundir vasopressores: Initiation of vasopressor infusions via peripheral versus central access in patients with early septic shock: A retrospective cohort study. Emerg Med Australas. 2020 Apr;32(2):210-219. doi: 10.1111/1742-6723.13394
  • Estudo VASST ( Noradrenalina versus Vasopressina): Vasopressin versus norepinephrine infusion in patients with septic shock. N Engl J Med. 2008 Feb 28;358(9):877-87. doi: 10.1056/NEJMoa067373.
  • Estudo VANISH (fatorial: Noradrenalina versus Noradrenalina ± Hidrocortisona ou placebo) Effect of Early Vasopressin vs Norepinephrine on Kidney Failure in Patients With Septic Shock: The VANISH Randomized Clinical Trial. JAMA. 2016 Aug 2;316(5):509-18. doi: 10.1001/jama.2016.10485
  • Estudo SOAP II (noradrenalina versus dopamina) Comparison of dopamine and norepinephrine in the treatment of shock. N Engl J Med. 2010 Mar 4;362(9):779-89. doi: 10.1056/NEJMoa0907118.
  • Ressuscitação guiada por lactato vs TEC (estudo ANDROMEDA): Effect of a Resuscitation Strategy Targeting Peripheral Perfusion Status vs Serum Lactate Levels on 28-Day Mortality Among Patients With Septic Shock: The ANDROMEDA-SHOCK Randomized Clinical Trial. JAMA. 2019 Feb 19;321(7):654-664. doi: 10.1001/jama.2019.0071.
  • Devemos manter uma meta de PAM entre 65 – 70 mmHg (Estudo SEPSISPAM): High versus low blood-pressure target in patients with septic shock. N Engl J Med. 2014 Apr 24;370(17):1583-93. doi: 10.1056/NEJMoa1312173.
  • Em pacientes com > 65 anos, nossa meta de PAM pode ser 60-65 mmHg (65 trial): Effect of Reduced Exposure to Vasopressors on 90-Day Mortality in Older Critically Ill Patients With Vasodilatory Hypotension: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2020 Feb 12;323(10):938–49. doi: 10.1001/jama.2020.0930.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.

Especialidades