Testosterona pode ser prescrita para mulheres? Podemos confiar na dosagem?

Apesar da falta de evidências conclusivas quanto à eficácia, a testosterona vem sendo cada vez mais prescrita para mulheres no Brasil. Há dose confiável?

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Apesar da falta de evidências conclusivas quanto à eficácia, e dos já bem definidos riscos à saúde, a testosterona vem sendo cada vez mais prescrita para mulheres no Brasil. As principais motivações para o uso costumam ser a busca de efeitos estéticos, estimulantes e na libido. Mas afinal, existe deficiência androgênica na mulher?

A definição de deficiência androgênica na mulher não é simples. Deve-se considerar que:

– Não há dados correlacionando níveis baixos de andrógenos com sinais ou sintomas específicos em mulheres saudáveis. Por exemplo: mulheres com cansaço excessivo, baixa massa muscular ou libido prejudicada podem ter níveis baixos, normais ou altos de testosterona.

– Mesmo quando há uma causa que possa justificar deficiência androgênica, como a perda de produção de androgênio adrenal e/ou ovariano, não há ainda definição de uma síndrome clínica específica, e nem evidências de que a reposição androgênica melhore essa condição.

– Os níveis androgênicos caem com a idade, mas tal mudança não é necessariamente anormal, nem requer correção.

– Os métodos atualmente disponíveis para dosagem de testosterona foram desenvolvidos para homens, que têm níveis três a 10 vezes mais altos que os encontrados em mulheres. Os testes amplamente disponíveis na prática clínica diária não têm acurácia para a dosagem de valores mais baixos, normalmente encontrados em mulheres. A indicação da dosagem de testosterona em mulheres deveria ser restrita à suspeita de excesso hormonal.

– Inúmeros fatores interferentes, incluindo o uso de anticoncepcionais, devem ser considerados ao se analisar os níveis séricos da testosterona.

– Uma definição de quais níveis androgênicos poderiam ser considerados abaixo do limite inferior do normal para diferentes faixas etárias na mulher ainda não foi estabelecida.

– Grande parte da ação da testosterona é resultado do metabolismo intracelular, portanto, as concentrações séricas sozinhas não refletem adequadamente o índice de exposição tecidual.

– A sensibilidade ao nível do receptor androgênico também determina uma resposta individual a um determinado nível de testosterona. Na prática clínica, portanto, concentrações de testosterona no soro são em parte arbitrárias e devem ser sempre interpretadas de acordo com a apresentação clínica.

Leia mais: Reposição de testosterona em homens aumenta risco de trombose venosa profunda

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Recomendações para uso de testosterona em mulheres

Por esses motivos, desde a revisão de suas recomendações em 2014, a Endocrine Society continua recomendando contra a dosagem da testosterona em mulheres para a pesquisa da deficiência do hormônio. Também recomenda que a testosterona não seja indicada nas seguintes situações:

  • infertilidade;
  • disfunção sexual diferente do distúrbio de desejo sexual hipoativo (descrito adiante);
  • saúde cognitiva;
  • cardiovascular;
  • metabólica ou óssea, ou para o bem estar geral, tanto pela falta de dados conclusivos que apoiem a melhora de sinais e sintomas com o tratamento, como pela falta de estudos de risco em longo prazo.

As diretrizes enfatizam que preparações fisiológicas para uso em mulheres não estão disponíveis em muitos países, inclusive nos Estados Unidos. Acredita-se que a melhoria nos ensaios androgênicos permitirá uma definição de intervalos normais ao longo da vida, o que poderá ajudar a esclarecer o impacto de diferentes concentrações plasmáticas de andrógenos na biologia, fisiologia e psicologia das mulheres, levando a conclusões mais precisas sobre possíveis indicações de intervenções terapêuticas.

Quais os riscos do uso da testosterona em mulheres?

Além dos efeitos adversos masculinizantes bem conhecidos da testosterona, como alopécia, acne e engrossamento da voz, níveis suprafisiológicos do hormônio podem levar ao aumento do risco de complicações cardiovasculares. Um estudo publicado recentemente mostrou que mulheres com níveis de testosterona naturalmente próximos ao limite superior do normal para o ensaio utilizado, na pós-menopausa, já apresentavam aumento do risco cardiovascular, possivelmente pela relação com maiores níveis de gordura visceral. Esses achados sugerem que não há ainda um nível que possa ser considerado seguro para a administração exógena de testosterona em mulheres.

Não podemos esquecer que a testosterona se aromatiza em estrógenos, o que pode estimular receptores na mama e no endométrio. A preocupação com o aumento no risco de câncer de mama e endométrio entre as mulheres que recebem testosterona em longo prazo é um fato.

O FDA emitiu um aviso sobre os géis de testosterona devido a relatos de efeitos adversos em crianças devido à exposição secundária à pele de um adulto que havia aplicado recentemente o medicamento. Além disso, quando se considera a terapia androgênica em mulheres em idade reprodutiva, a exposição inadvertida de um feto em desenvolvimento deve ser considerada como um risco potencial significativo.

Para alertar sobre estes e outros problemas, a SBEM Nacional, em conjunto com o Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia, emitiu um comunicado, esclarecendo os efeitos do uso da testosterona na mulher e no homem.

O comunicado informa que o uso do hormônio não está aprovado no Brasil para o sexo feminino, e não há medicamentos fiscalizados por órgãos de vigilância sanitária (ANVISA). Além disso, o texto aponta que o uso da testosterona sem indicação e a inexistência no mercado de medicamentos adequados para uso feminino podem levar a efeitos colaterais a curto e longo prazo.

No caso do sexo masculino, o comunicado informa que o uso da testosterona está aprovado no Brasil para o tratamento de hipogonadismo e, por curto prazo, para recuperação de quadros de caquexia. O uso indevido para ganho de massa muscular é considerado doping em atletas profissionais e ilegal em amadores. Não há estudos que garantam a segurança do uso de testosterona em mulheres, e não há dose segura.

Segue abaixo o documento completo.

Testosterona na mulher

A sexualidade feminina é complexa e não somente relacionada a hormônios como a testosterona. Fatores psicossociais como cultura, crenças religiosas, autoestima, depressão, traumas sexuais como abuso, tipo de relacionamento afetivo, doenças e o uso de medicamentos influenciam a sexualidade feminina.

O diagnóstico de perda do interesse nas relações sexuais e/ou falta de excitação se baseia na Classificação do DSM 5 e requer a presença de três dos seguintes critérios:

  1. Atividade sexual reduzida/ ausente;
  2. Ausência / redução de fantasias sexuais;
  3. Ausência de iniciativa em iniciar atividade sexual e falta de receptividade a iniciativa do parceiro;
  4. Ausência / redução de excitação durante a atividade sexual em cerca de 75-100% das vezes;
  5. Ausência / redução de excitação em resposta a estímulos eróticos (escritos, verbais ou visuais);
  6. Ausência / redução de sensações genitais e não genitais em 75-100% das relações sexuais.

Esses três critérios precisam estar presentes no mínimo por 6 meses e devem causar angustia à paciente.

A presença desse quadro é classificada pelo DSM 5 como Transtorno do Interesse / Excitação Sexual Feminino. O diagnóstico da síndrome é realizado com base em critérios exclusivamente clínicos. A dosagem de testosterona não está indicada para o diagnóstico, nem para avaliação de baixa função ovariana ou adrenal porque o método de dosagem utilizado mundialmente só permite discriminar o excesso de produção de testosterona, como para o diagnóstico de tumores e/ou outras doenças que levam à acne, hirsutismo e virilização.

Testosterona total e sobretudo livre só devem ser dosadas na avaliação de hiperandrogenismo. O uso de testosterona pela mulher não está aprovado no Brasil e não existem medicamentos fiscalizados por órgãos de vigilância sanitária (ANVISA) aqui disponíveis. Mundialmente, não é recomendado o uso de formulações masculinas para mulheres.

O uso de testosterona por mulheres, sem indicação e com medicamentos inadequados, pode levar a efeitos a curto e longo prazo, dose-dependentes como espinhas, excesso de pelos, queda de cabelo, aumento do risco cardiovascular, engrossamento da voz, aumento do clitóris, além de dependência psicológica como depressão após a retirada, transtorno da imagem corporal (dismorfofobia, vigorexia) e transtornos alimentares (ortorexia).

Testosterona no homem

O uso de testosterona pelo homem está aprovado no Brasil para o tratamento de hipogonadismo e, por curto prazo para recuperação de quadros de caquexia. O diagnóstico de hipogonadismo masculino requer a presença de sintomas clínicos como libido baixa, disfunção erétil e fadiga, além da dosagem de testosterona realizada no mínimo em duas ocasiões no período da manhã na ausência de doenças agudas ou graves. Há situações em que o hipogonadismo masculino pode ser secundário a uma doença sistêmica como hemocromatose, obesidade, e pode reverter com o tratamento da causa básica.

Referências:

  • Testosterone in women—the clinical significance. Lancet Diabetes Endocrinol 2015 Published Online September 8, 2015 http://dx.doi.org/10.1016/S2213-8587(15)00284-3
  • Wierman ME, Arlt W, Basson R et al. Androgen therapy in women: a reappraisal: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2014; 99(10):3489-510.
  • Elraiyah T, Sonbol MB, Wang Z et al. Clinical review: The benefits and harms of systemic testosterone therapy in postmenopausal women with normal adrenal function: a systematic review and meta-analysis. J Clin Endocrinol Metab. 2014; 99(10):3543-50.
  • Comunicado da SBEM Nacional em conjunto com o Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia : efeitos do uso da testosterona na mulher e no homem. https://www.endocrino.org.br/media/nota_de_esclarecimento_abuso_testosterona_defa_sbem_(1).pdf

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