TOC na gravidez e no pós-parto é frequente?

Um grupo de pesquisadores canadenses vêm questionando qual seria a epidemiologia real do TOC em mulheres grávidas ou no pós-parto.

O transtorno obsessivo-compulsivo, popularmente conhecido como TOC, caracteriza-se pela presença de sintomas obsessivos — i.e., sentimentos, ideias ou pensamentos intrusivos e indesejados — e compulsivos — i.e., comportamentos ou atos mentais recorrentes e que seguem um padrão, cujo objetivo é aliviar a ansiedade causada pela obsessão. Este quadro geralmente é acompanhado por algum grau de sofrimento ou de interferência na vida e nas relações daqueles acometidos por esse transtorno. Segundo a bibliografia oficial, sua prevalência na população geral é de cerca de 2 a 3%. Contudo, um grupo de pesquisadores canadenses vêm questionando qual seria a epidemiologia real do TOC em mulheres grávidas ou no pós-parto, segundo os atuais critérios do DSM-5. No artigo publicado em março deste ano no The Journal of Clinical Psychiatry esse grupo de pesquisadores se propõe a discutir este assunto.

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Inicialmente, partiram do princípio que mulheres grávidas ou que tiveram um bebê há poucos meses podem relatar a presença de pensamentos cujo conteúdo envolve algum mal acometendo a criança, além de comportamentos relacionados. Dentre as obsessões mais comuns destacam-se: o medo da contaminação, de machucar o bebê de propósito, de que lhe ocorra algum mal por negligência ou distração e imagens indesejadas sobre comportamentos sexualizados com o bebê. Já dentre os comportamentos obsessivos mais comuns estariam a checagem e verificação frequentes. Embora dificilmente essas mães machuquem as crianças, os sintomas podem ser prejudiciais e comprometer a relação mãe-filho(a). Também se constitui num importante diagnóstico diferencial para a psicose puerperal, que de fato pode representar um risco real à integridade do bebê. No entanto, os critérios para o transtorno, como estão descritos no DSM-5, podem não ser compreendidos por essas mães no que diz respeito ao comportamento que apresentam com a criança. Ou seja, na entrevista clínica, se forem feitas perguntas sobre o transtorno da forma tradicional a essas mulheres, é possível que os sintomas não sejam contemplados, mesmo que elas estejam sofrendo com o transtorno. Logo, seria interessante perguntar sobre tais sintomas de forma específica dentro do contexto em que se encontram (gestação ou pós-parto há poucos meses). Como nem sempre isso ocorre, é possível que os atuais números sobre a epidemiologia do transtorno nessa população estejam subestimados, principalmente levando-se em conta os critérios atuais (DSM-5) — para os quais ainda há poucos trabalhos relacionados.

Dessa forma, para avaliar melhor essa situação, o grupo de pesquisadores canadenses decidiu fazer um estudo entre fevereiro de 2014 e fevereiro de 2017, recrutando mulheres grávidas na comunidade, na área rural e em hospitais de uma província canadense (British Columbia). Foram aplicados questionários estruturados (SCID-5) por entrevistadores treinados, mas além dele foram feitas perguntas específicas relacionadas ao momento em que viviam, como pensamentos e comportamentos relacionados a perigos para o bebê ao longo das últimas 2 semanas. As entrevistas, idealmente, aconteceram em 3 momentos distintos: uma vez ao final da gestação (até 12 semanas antes do parto) e 2 vezes no período pós-parto (até 25 semanas após o parto). A seguir, esses dados foram considerados para avaliação diagnóstica e definição da gravidade do quadro. Apesar de inicialmente 763 mulheres terem sido recrutadas, apenas 580 completaram pelo menos 1 entrevista do estudo, mas na prática, apenas as informações de 488 foram consideradas para análise.

TOC na gravidez e no pós-parto é frequente?

Prevalência

Inicialmente são apresentadas as prevalências pontuais por período: nas 6 semanas anteriores ao parto seria de 2,6%; na 10ª semana após o parto seria de 8,3% e na 20ª semana após o parto, 6,1%. Quanto às estimativas de prevalência ponderada para o período durante a gestação, os resultados foram de 7,8% e de 16,9% para o pós-parto. Para facilitar a comparação com outros estudos, foi feito o cálculo também para as semanas 8,8 e 13 do pós-parto. Mas outros estudos sobre o tema encontraram valores menores do que neste trabalho (1-2,5% em outros trabalhos vs 6,9% neste para a 8,8ª semana e 3,4% nos outros estudos vs 7,8% neste na 13ª semana pós-parto).

A seguir apresentam prevalência pontual média de 2,9% durante o período pré-natal e de 7% no pós-natal. Embora os resultados encontrados no período pré-natal se assemelhem aos achados de outros estudos, há diferenças no intervalo de confiança, que se baseiam numa janela temporal mais estreita. Já os resultados do pós-parto mostraram resultados significativamente maiores do que os encontrados em outros estudos (7% vs 1,7%).

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Os autores ainda destacam que a prevalência pontual apresentou um aumento gradual entre o final da gravidez e a 8ª semana do pós-parto, quando atinge um pico de 8,7%. Depois dessa fase, inicia-se um declínio gradual. Isso sugere que o quadro pode não ser persistente numa parte da população que inicialmente preenchia os critérios para o transtorno.

Incidência

Já a incidência estimada foi de 4,7 novos casos por 1.000 mulheres/semana no pós-parto. A incidência cumulativa aumentou progressivamente a partir de 5% no 1º mês após o parto, com acréscimo de 1% nos meses subsequentes até chegar a 9% no 5º mês, sugerindo que a probabilidade de desenvolver TOC no 1º semestre após a gestação seja de 9%.

Entendendo as correlações com outros trabalhos

Segundo os autores, no período perinatal 100 participantes apresentavam sintomas compatíveis com o diagnóstico de TOC. Dessas, 60 disseram que seus sintomas clínicos tiveram início durante a gravidez ou após o parto. As restantes afirmaram que os sintomas haviam se iniciado mesmo antes da gestação.

Intrigados com as diferenças dos resultados de prevalência encontrados entre o trabalho que fizeram e os estudos anteriores sobre o tema, os pesquisadores verificaram a acurácia diagnóstica que fizeram e consideraram as possíveis razões que explicassem esses achados. Eles acreditam que 2 motivos poderiam justificar essa diferença: o primeiro seria a diferença entre os critérios diagnósticos do transtorno no DSM-IV (que foi usado nos outros trabalhos) e o DSM-5 (usado neste trabalho). A segunda razão seria o fato de terem realizado uma avaliação mais compreensiva e específica dos sintomas do transtorno no período perinatal. Com apenas uma exceção, este teria sido o único grupo que incluiu perguntas específicas ligadas ao período perinatal na entrevista diagnóstica. Isso também teria ocorrido de forma mais completa do que o único outro trabalho feito dessa forma. Eles acreditam que isso teria dado a oportunidade de as mulheres refletirem sobre seus pensamentos relacionados ao bebê e, caso presentes, esses sintomas tinham uma maior probabilidade de serem relatados e incluídos nas avaliações.

Apesar de ser um estudo com características interessantes e que nos chamam a atenção para um diagnóstico importante numa fase tão delicada na vida da mulher, ele deve ser interpretado à luz de algumas limitações. Primeiro, a amostra populacional era composta por mulheres de uma província canadense, o que compromete a generalização dos resultados. Segundo, a presença do transtorno obsessivo-compulsivo no passado só foi pesquisado em pacientes com quadro clínico ou subclínico do transtorno e não em toda a amostra, fazendo com que não fosse possível comparar a incidência de TOC entre aqueles com ou sem história pregressa. Além disso, apesar de o recrutamento ter ocorrido principalmente durante o período gestacional, uma parte das mulheres se juntou ao estudo no período pós-parto — e podem tê-lo feito justamente por apresentarem os sintomas. Finalmente, é possível que as mudanças nos critérios diagnósticos entre os DSM-lV e 5 se relacionem ao impacto das medidas de frequência do transtorno.

Apesar disso, o TOC no período perinatal parece ser uma condição prevalente, especialmente no período pós-parto. Embora os resultados sugiram que, em algumas mulheres, o quadro possa involuir espontaneamente, é importante diagnosticar e acompanhar todos os casos. No entanto, uma dificuldade para se estabelecer esse diagnóstico pode estar relacionada ao fato de que os sintomas específicos relacionados a este período nem sempre são considerados. Isso revela a importância de avaliar o contexto e as necessidades específicas do periparto.

Referências bibliográficas:

  • Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. Compêndio de Psiquiatria – Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica. 11a edição. Porto Alegre: Artmed, 2017.
  • Fairbrother N, Collardeau F, Albert AYK, Challacombe FL, Thordarson DS, Woody SR, Janssen PA. High Prevalence and Incidence of Obsessive-Compulsive Disorder Among Women Across Pregnancy and the Postpartum. The Journal of Clinical Psychiatry, March 2021;82(2):20m13398. doi: 10.4088/JCP.20m13398

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