Transtornos relacionados ao estresse aumentam o risco de infecções?

“Estresse diminui a imunidade”. Muitas pessoas já ouviram ou falaram isso alguma vez, tanto profissionais da saúde quanto leigos.

Estresse diminui a imunidade”. Muitas pessoas já ouviram ou falaram isso alguma vez, tanto profissionais da saúde quanto leigos. Algo que já vinha da sabedoria popular, essa teoria encontra cada vez mais evidências que a apoiam na literatura científica.

Por vários mecanismos fisiológicos, especialmente os hormonais, o estresse, tanto físico quanto emocional, tem sido relacionado a distúrbios imunológicos. Ao mesmo tempo que gera inflamação, o estresse também desorganiza a resposta imune e, portanto, compromete sua eficiência.

Porém, não são tantos os estudos do assunto e menos ainda são os estudos relacionando transtornos mentais específicos e a ocorrência de infecções mais graves.

mulher com estresse sentada no chão com as mãos na cabeça

Estresse e risco de infecções graves

Para esclarecer essa dúvida, o periódico BMJ publicou uma pesquisa este ano, que estudou, especificamente, a ocorrência de infecções graves (nesse caso, considerando aquelas em que há risco de vida) e transtornos mentais relacionados ao estresse (como o transtorno de estresse pós-traumático – TEPT).

O estudo usou uma base de dados sueca para coletar um “N” de quase 145.000 pacientes com diagnóstico de transtornos relacionados ao estresse entre os anos de 1987 a 2013. Nessa seleção, foram inclusos pacientes com TEPT, reação aguda ao estresse, transtornos de adaptação e outras formas de reação ao estresse intenso.

A partir do diagnóstico, os registros médicos de todos os pacientes foram vasculhados em busca de eventos infecciosos graves, incluindo sepse, endocardites, infecções de sistema nervoso central e também infecções de outros sítios que fossem potencialmente fatais.

Para comparação, o estudo coorte usou um grupo de controle composto por irmãos dos pacientes (filhos de mesmo pai e mesma mãe) que não tivessem o mesmo diagnóstico psiquiátrico. Essa escolha foi feita para descartar disparidades genéticas muito grandes e também diferenças de criação durante a infância. Os cientistas também compararam os dados a membros da população geral (não relacionados aos pacientes) pareados por sexo, ano e local de nascimento.

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Resultados

Na análise entre irmãos, os dados mostraram risco aumentado de infecções graves no grupo acometido pelos transtornos de estresse. O risco relativo (RR) foi de 1,47 para todos os transtornos de ansiedade combinados;1,92 para o TEPT quando o transtorno foi analisado separadamente e 1,43 para a reação aguda ao estresse.

Dentre as infecções estudadas, o RR para meningite foi o maior, ficando em torno de 1,63, seguido da endocardite com RR de 1,57.

Na análise com a população geral, o resultado foi um mesmo, com os transtornos de estresse gerando um RR de 1,58 e o TEPT, isoladamanete, RR de 1,95.

Veja também: Whitebook: entenda o que é a cardiomiopatia por estresse

O estudo também gerou outras observações interessantes: quanto mais cedo o diagnóstico, maior parecia ser a incidência de infecções graves; o risco também aumentava em pacientes com outros transtornos mentais de comorbidade, especialmente o uso de drogas; e os riscos, a longo prazo, pareciam ser diminuídos em pacientes que usavam inibidores seletivos de recaptação de serotonina.

Mecanismos

A pesquisa não analisou, especificamente, os mecanismos através dos quais esse efeito ocorre. A equipe de pesquisadores teoriza que a fisiopatologia por trás disso é o conjunto de efeitos gerados pelo sistema hormonal de resposta ao estresse.

Já é bem conhecido que os hormônios desse sistema (predominantemente cortisol e adrenalina), em excesso, podem desregular a resposta imune, comprometendo o combate eficaz de agentes agressores e ao mesmo tempo exacerbando a inflamação sistêmica (o que poderia ser responsável pela evolução desfavorável dessas infecções).

Além disso, alguns outros fatores que não foram controlados no estudo podem ser contribuintes para os resultados. Questões comportamentais como início de tabagismo, etilismo ou uso de outras drogas após o diagnóstico de um transtorno de estresse também poderiam contribuir para os resultados obtidos (o uso de drogas injetáveis, por exemplo, poderia aumentar a incidência de endocardite).

Porém, os pesquisadores ressaltam que esses fatores comportamentais, isoladamente, dificilmente explicariam toda a magnitude dos efeitos observados.

Importância da saúde mental

Os resultados desse estudo podem ser interpretados como um apelo para que os profissionais da saúde valorizem a importância da saúde mental entre as condições clínicas gerais de cada paciente.

Já era conhecido o efeito imunossupressor do estresse, inclusive com estudos isolados e revisões sistemáticas mostrando aumento na incidência de infecções respiratórias agudas em pacientes expostos ao estresse psicológico. Um desses estudos, especificamente, mostrou que o estresse relacionado ao uso de redes sociais (como o Facebook) tem o mesmo efeito nos riscos de infecção respiratória.

Porém, esse estudo do BMJ é ainda mais relevante por investigar infecções que vão além de simples faringites, entrando na lista das infecções com potencial risco de morte.

O achado, de que quanto mais cedo o início do transtorno de estresse maior o risco, também chama a atenção para a importância dos cuidados na infância. Isso porque muitas outras pesquisas mostram que a exposição precoce a estressores de vários tipos compromete as respostas fisiológicas do indivíduo na fase adulta.

Mais do autor: Como vacinar pacientes em uso de imunossupressores?

Ao mesmo tempo, o fato de o risco de infecções ser reduzido mediante uso de antidepressivos mostra que, com tratamento adequado dos transtornos e manejo do estresse, é possível reverter esses riscos e evitar alguns desfechos trágicos.

A pesquisa atual não analisou os efeitos da psicoterapia, sendo necessárias novas pesquisas sobre esse assunto em particular. Mesmo assim, fica clara a necessidade de se procurar tratamento psicológico e psiquiátrico adequado sempre que o estresse do dia a dia se tornar pesado demais.

Referências bibliográficas:

  • ANDERSON, Pauline. Stress Disorders Linked to Life-threatening Infections. 2019. Via Medscape. Disponível em: <https://www.medscape.com/viewarticle/920340>. Acesso em: 13 nov. 2019.
  • PEDERSEN, Anette; ZACHARIAE, Robert; BOVBJERG, Dana H. Influence of Psychological Stress on Upper Respiratory Infection—A Meta-Analysis of Prospective Studies. Psychosomatic Medicine, Mclean, Virginia, v. 72, n. 72, p.823-832, jan. 2010.
  • CAMPISI, Jay et al. Facebook, Stress, and Incidence of Upper Respiratory Infection in Undergraduate College Students. Cyberpsychology, Behavior, And Social Networking, [s.l.], v. 15, n. 12, p.675-681, dez. 2012. Mary Ann Liebert Inc. http://dx.doi.org/10.1089/cyber.2012.0156.

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