Tratamento duplo-carbapenêmico é eficaz contra bactérias resistentes?

No esquema duplo-carbapenêmico, o ertapenem é usado primeiramente como agente indicador do microrganismo (devido à alta afinidade da KPC por esta droga).

O primeiro relato de uma enzima Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) foi publicado em 2001, sendo encontrada em um paciente da Carolina do Norte, EUA. Com a adição desse mecanismo de resistência à Klebsiella pneumoniae (e às Enterobacteriaceae, em geral), o nosso arsenal antimicrobiano foi praticamente esgotado, levando ao aumento do tempo e custo de internação e aumento da mortalidade em infecções com esse padrão de resistência. Desde então, não evoluímos muito em relação ao tratamento de Enterobacteriaceae produtoras de KPC, sendo assunto de grande discussão.

O que sabemos é que a terapia combinada com dois antimicrobianos que exerçam ação in vitro contra a KPC apresenta-se como solução viável, principalmente se um desses antimicrobianos for o meropenem em altas doses, tempo de infusão prolongada e concentração inibitória mínima (MIC) ≤ 8 mg/l. Entretanto, quando se trata de Enterobacteriaceae produtoras de KPC, observamos um elevado padrão de resistência aos carbapenêmicos, aminoglicosídeos, tigeciclina, fosfomicina e colistina. Para se ter ideia, o tratamento com um único agente ativo in vitro resulta em 73% de mortalidade para pacientes com choque séptico.

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Em 2011, foi descrito um esquema terapêutico como opção ao tratamento das bactérias produtoras de KPC: a combinação de dois carbapenêmicos. Primeiramente, os autores provaram que tanto o meropenem quanto o doripenem em altas doses e com tempo de infusão prolongado poderiam alcançar atividade bactericida com uma MIC menor em bactérias produtoras de KPC. Em relação ao Ertapenem, este é considerado o carbapenêmico com menor atividade in vitro contra KPC, provavelmente devido à alta afinidade da carbapenemase em relação a esse agente.

A combinação dessas premissas deu origem ao esquema duplo-carbapenêmico, utilizando ertapenem e meropenem ou doripenem (o carbapenêmico considerado mais potente devido à sua estabilidade enzimática, porém com limitações em seu uso e eficácia clínica). O efeito sinérgico dessa combinação foi validado em testes experimentais e não houve descrição de reações adversas significantes.

No esquema duplo-carbapenêmico, o ertapenem é usado primeiramente como agente indicador do microrganismo (devido à alta afinidade da KPC por esta droga). Postula-se que esse “tropismo” da KPC pelo Ertapenem seria pela facilidade de hidrolisar esse composto, não verificada em relação ao doripenem. Uma vez que a enzima é consumida durante esta interação com o ertapenem, concentrações mais altas de doripenem (ou meropenem) estão presentes na periferia do microrganismo e com menor concentração de enzimas para hidrolisar o segundo antibiótico ativo.
A maior série de casos que avaliou o uso do esquema duplo-carbapenêmico foi publicada em 2017.

Foram incluídos 27 pacientes com infecções graves por KPC e sem esquema antimicrobiano válido para tratamento da infecção vigente. Nos dois trabalhos publicados por estes autores, em 2013 e 2017, a taxa global de sucesso com uso do esquema foi de 80%. E no trabalho de 2017, os autores sugerem algo não abordado em trabalhos anteriores: a eficácia do esquema com MIC do meropenem > 16 mg/l. Os escritos anteriores sempre exploraram o uso dessa terapia para cepas com MIC do meropenem ≤ 8 mg/l.

Vivemos na era das bactérias Gram negativas multirresistentes. E o que nos sobra de arsenal terapêutico até o momento é a combinação das drogas já existentes. Neste cenário, o uso do esquema duplo-carbapenêmico como terapia salvadora em pacientes com infecções graves por produtoras de KPC se torna uma arma com eficácia comprovada. Vale ressaltar, que todo esquema antimicrobiano se fundamenta nos princípios do uso racional e, se chegamos até aqui, com esses padrões de multirresistência, significa que nós falhamos em algum momento. Não devemos incorrer no mesmo erro agora que a situação é crítica.

Como prescrever:

  • Ertapenem 1 g EV uma vez ao dia com tempo de infusão de uma hora. Após 30 min (ou uma hora), iniciar:
  • Meropenem 2 g EV de 8/8h, com tempo de infusão de três ou quatro horas OU Doripenem 2 g EV de 8/8h, com tempo de infusão de quatro horas.

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Referências:

  • Souli M, Karaiskos I, Masgala A, Galani L, Barmpouti E, Giamarellou H. Double-carbapenem combination as salvage therapy for untreatable infections by KPC-2-producing Klebsiella pneumoniae. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2017, 36:1305–1315.
  • Yigit H, Queenan AM, Anderson GJ, Domenech-Sanchez A, Biddle JW, Steward CD, et al. Novel carbapenem hydrolyzing beta-lactamase, KPC-1, from a carbapenem-resistant strain of Klebsiella pneumoniae. Antimicrob Agents Chemother. 2001, 45:1151–1161.
  • Bulik CC, Nicolau DP. Double-carbapenem therapy for carbapenemase-producing Klebsiella pneumoniae. Antimicrob. Agents Chemother. 2011, 55(6):3002.
  • Cprek JB, Gallagher JC. 2016. Ertapenem-containing double-carbapenem therapy for treatment of infections caused by carbapenem-resistant Klebsiella pneumoniae. Antimicrob Agents Chemother. 2016, 60:669–673.
  • Wiskirchen DE, Crandon JL, Nicolau DP. Impact of various conditions on the efficacy of dual carbapenem therapy against KPC-producing Klebsiella pneumoniae. International Journal of Antimicrobial Agents. 2013, (41)582– 585.
  • Giamarellou H, Galani L, Baziaka F, Karaiskos I. Effectiveness of a double-carbapenem regimen for infections in humans due to carbapenemase-producing pandrug-resistant Klebsiella pneumoniae. Antimicrobial Agents and Chemotherapy. 2013, 5(57)2388–2390.

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