Tratamento mais curto para tuberculose não grave foi bem-sucedido em crianças

De acordo com um estudo publicado, o tratamento para crianças com tuberculose não grave pode ser encurtado com segurança de 6 para 4 meses.

De acordo com um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine, o tratamento para crianças com tuberculose não grave pode ser encurtado com segurança de 6 para 4 meses.

Mais de 1 milhão de crianças adoecem com tuberculose anualmente e quase 20% delas morrem, mas as crianças têm sido historicamente excluídas dos ensaios clínicos de eficácia do tratamento antituberculose. Essa situação se deve, em parte, às baixas taxas de confirmação bacteriológica da doença nessa faixa etária, dadas as altas frequências de doença paucibacilar e dificuldades na obtenção de espécimes respiratórios. As recomendações de tratamento para crianças são, portanto, extrapoladas de estudos envolvendo adultos para os quais os critérios de entrada no tratamento geralmente incluem doença respiratória com baciloscopia positiva. No entanto, dois terços das crianças com tuberculose têm doença não grave, que poderia ser tratada com um regime mais curto do que o atual regime de 6 meses.

Os primeiros estudos farmacocinéticos do tratamento antituberculose de primeira linha mostraram menores exposições ao medicamento em crianças pequenas do que em adultos e levaram a recomendações de aumento das doses do medicamento pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2010. Novos comprimidos de formulação dispersível com uma combinação de dose fixa foram desenvolvidos para permitir o uso de doses revisadas e ficou disponível em 2015.

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No estudo SHINE, pesquisadores investigaram se 4 meses de tratamento antituberculose seriam tão bons quanto 6 meses de tratamento em crianças com tuberculose não grave, com baciloscopia negativa, presumivelmente suscetível a medicamentos, usando as novas formulações de combinação de dose fixa. Além disso, foi avaliada a relação custo-benefício da abordagem de tratamento de 4 meses.

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Metodologia

A pesquisa, conduzida por Turkova e colaboradores, consistiu em um estudo aberto de não inferioridade, encurtamento do tratamento, envolvendo crianças com tuberculose não grave, sintomática, presumivelmente suscetível a drogas e baciloscopia negativa nos seguintes países: Uganda, Zâmbia, África do Sul e Índia.

Crianças com menos de 16 anos de idade foram aleatoriamente designadas para 4 meses (16 semanas) ou 6 meses (24 semanas) de tratamento antituberculose padrão de primeira linha com combinações pediátricas de dose fixa, conforme recomendado pela OMS. As crianças incluídas tinham tuberculose não grave: baciloscopia negativa e doença confinada a 1 lobo, sem cavitações, sem sinais de tuberculose miliar ou derrame pleural.

O diagnóstico de tuberculose foi realizado por meio de manifestações clínicas, teste tuberculínico (TT) ou IGRA (Interferon Gama Release Assay), pelo menos 2 amostras de material respiratório (aspirado gástrico, escarro espontâneo ou induzido) para BAAR, GeneXpert, cultura para Mycobacterium tuberculosis e antibiograma e RX de tórax.

O resultado primário de eficácia foi um status desfavorável, definido por uma combinação de falha no tratamento, perda de acompanhamento durante o tratamento ou óbito, em 72 semanas. Foram excluídos os participantes que não completaram 4 meses de tratamento (população com intenção de tratar modificada). O desfecho primário de segurança foi um evento adverso de grau 3 ou superior durante o tratamento e até 30 dias após.

Resultados

No período entre julho de 2016 a julho de 2018, 1.204 crianças foram randomizadas (602 em cada grupo – tratamento por 4 meses versus 6 meses). A idade mediana dos participantes foi de 3,5 anos, 52% eram do sexo masculino, 11% tinham infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e 14% tinham tuberculose confirmada bacteriologicamente.

A retenção em 72 semanas foi de 95% e a adesão ao tratamento designado foi de 94%. Um total de 16 participantes (3%) no grupo de 4 meses teve um evento de desfecho primário, em comparação com 18 (3%) no grupo de 6 meses (diferença ajustada, -0,4 pontos percentuais; intervalo de confiança de 95% [IC95%], −2,2 a 1,5). A não inferioridade de 4 meses de tratamento foi consistente nas análises de intenção de tratar, por protocolo e principais análises secundárias, inclusive quando a análise foi restrita aos 958 participantes (80%) julgados independentemente como tendo tuberculose no início do estudo.

Um total de 115 eventos adversos de grau 3 ou superior ocorreram durante o tratamento ou até 30 dias após o tratamento em 95 participantes (8% de todas as crianças inscritas no estudo). Destes, os mais comuns foram pneumonia ou outra infecção torácica (29 = 25%) ou eventos relacionados ao fígado (11 = 10%). As incidências foram semelhantes nos dois grupos.

Houve 192 eventos adversos graves em 150 participantes distribuídos em ambos os grupos da intervenção. Doze mortes ocorreram no grupo de 4 meses e 19 ocorreram no grupo de 6 meses. Do total de 31 mortes, 25 foram em crianças menores de dois anos. Além disso, 66 participantes foram hospitalizados por uma infecção bacteriana respiratória. Desses, 26 participantes no grupo de 4 meses e 19 no grupo de 6 meses foram hospitalizados após o mês 4 de tratamento.

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Quinze reações adversas a medicamentos, de grau 3 ou 4, foram consideradas pelos investigadores como possivelmente, provavelmente ou definitivamente relacionadas aos medicamentos em estudo. Essas reações adversas incluíram 11 eventos hepáticos. Todas as reações adversas, exceto 2, ocorreram durante as primeiras 8 semanas de terapia. Dois participantes descontinuaram permanentemente o tratamento após a interrupção por uma reação adversa. Nenhuma das reações adversas levou à morte.

Limitações

Os pesquisadores destacaram que uma limitação do estudo foi o fato de ter sido aberto, o que tinha o potencial de resultar em extensões de tratamento mais frequentes no grupo de 4 meses, contribuindo para resultados mais desfavoráveis nesse grupo. Ademais, apesar desta possível desvantagem no grupo de 4 meses, os resultados mostraram consistentemente que o regime de 4 meses foi tão bom quanto o regime de 6. Por fim, outra limitação diz respeito à generalização dos resultados para locais onde as radiografias de tórax não estão disponíveis para caracterizar a tuberculose não grave.

Conclusões

Neste estudo, os pesquisadores concluíram que 4 meses de tratamento antituberculose não foi inferior a 6 meses de terapia em crianças com tuberculose suscetível a drogas, não grave e baciloscopia negativa. Dessa forma, os resultados sugerem que uma abordagem de medicina estratificada como alternativa à estratégia de tratamento único para tuberculose presumível suscetível a drogas poderia ser implementada em crianças com tuberculose não grave.

Comentário

O tratamento da tuberculose é extremamente desafiador, especialmente na faixa etária pediátrica. Reduzir o tempo de tratamento em casos não graves pode reduzir, e muito, gastos relacionados à doença e, principalmente, melhorar a adesão ao uso dos medicamentos. Obviamente, o diagnóstico precoce facilita esse curso farmacológico mais curto. Dessa forma, os resultados do estudo SHINE podem ser uma grande janela de oportunidades para melhorar o tratamento e a qualidade de vida de crianças com diagnóstico de tuberculose.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Turkova A, Wills GH, Wobudeya E, et al. Shorter Treatment for Nonsevere Tuberculosis in African and Indian Children. N Engl J Med. 2022;386(10):911-922. doi:10.1056/NEJMoa2104535

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