Tromboembolismo venoso: novas diretrizes sobre aspectos clínicos e diagnósticos

Foi publicada uma diretriz sobre aspectos clínicos e diagnósticos de tromboembolismo venoso, feita em conjunto por quatro Sociedades.

Neste último mês foi publicada uma diretriz sobre aspectos clínicos e diagnósticos de tromboembolismo venoso, feita em conjunto por quatro Sociedades: o Departamento de Imagem Cardiovascular, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear. O objetivo deste documento é padronizar o diagnóstico clínico, laboratorial e por imagem do tromboembolismo venoso.

Trombose venosa profunda

Abaixo seguem os principais pontos abordados:

  • O tromboembolismo venoso (TEV) engloba a trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar (TEP) e é a terceira doença cardiovascular mais frequente, perdendo apenas para as síndromes isquêmicas cardíacas e o acidente vascular encefálico (AVE).
  • Dois terços dos casos são TVP, sendo 85-90% em membros inferiores, e um terço TEP. O impacto do TEV é consequente à mortalidade (TEP é a primeira causa de mortalidade evitável intra-hospitalar) e à morbidade (complicações crônicas como a síndrome pós-trombótica têm impacto socioeconômico e na qualidade de vida).
  • Para o diagnóstico sempre devemos levar em conta a presença de fatores de risco, sendo que esses podem ser divididos em fatores relacionados a tríade de Virchow:
    • Alterações do fluxo (estase): idade, imobilização por mais de 3 dias, como em pós-operatórios ou pós-AVE, fraturas de quadril ou joelho, cirurgias de grande porte com duração prolongada, traumatismo grave, lesão da medula com paresia de membro, imobilização de extremidades com aparelhos gessados ou órteses, viagem prolongada em área confinada, gravidez, insuficiência cardíaca congestiva, varizes, DPOC e queimaduras.
    • Lesão de endotélio: idade avançada, tabagismo, antecedente tromboembólico conhecido, traumatismos, cirurgias e cateteres venosos.
    • Hipercoagulabilidade: neoplasias e/ou seus tratamentos, trombofilias hereditárias ou adquiridas, obesidade, uso de contraceptivos orais com estrogênio e reposição hormonal, gravidez, tabagismo, doenças infecciosas agudas, síndrome nefrótica e doença inflamatória intestinal.

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Trombose venosa profunda

Após a avaliação dos fatores de risco, deve-se realizar o exame clínico. As alterações mais comuns são dor e edema e todo edema assimétrico de membros inferiores deve ser valorizado e investigado.

A partir dos fatores de risco e alterações do exame físico foi criado o escore de Wells, um modelo de predição clínica de TVP. Atualmente esse escore é utilizado em associação a avaliação do d-dímero para guiar a investigação da TVP. Escore ≥ 2 torna TVP provável e < 2 torna TVP improvável.

O d-dímero é exame bastante sensível (95% de sensibilidade), porém com especificidade próxima de 40%, podendo estar aumentado em diversas condições, como IAM, AVE, inflamações no geral, câncer ativo e gravidez. Baseado nisso, o valor preditivo negativo do exame é bastante alto e pacientes com baixa probabilidade de TEV com teste negativo tem < 1% de chance de evoluir com TEP nos próximos 3 meses.

Importante reforçar que em idosos essa especificidade é ainda menor e para esta população vem sendo proposto um valor de corte mais alto deste exame. Outro ponto interessante é que tromboses proximais e mais extensas apresentam níveis mais altos de d-dimero.

A TVP é classificada em proximal, quando envolve as veias femorais e/ou poplítea, ou distal, quando envolve as veias profundas infrapatelares. A TVP proximal é a que tem maior chance de embolização.

O exame de escolha para diagnóstico de TVP é a ultrassonografia vascular (USV), que fornece dados sobra a anatomia e funcionalidade das veias. É exame não invasivo, sem contraste, reprodutível e de baixo custo, porém é examinador dependente.

Se a probabilidade pré-teste de TVP é baixa e o d-dímero negativo, exclui-se TVP. Se a probabilidade é moderada ou alta o d-dimero não deve ser coletado e há indicação de exame de imagem, no caso a USV, que se positiva confirma o diagnóstico. Se negativa, deve ser repetida nas seguintes situações: persistência ou piora dos sintomas, pacientes de alto risco para TVP sem outra causa para os sintomas, se exames anteriores tecnicamente prejudicados.

Próximo ao término do tratamento sugere-se repetir o exame para avaliar recanalização e presença de alterações pós trombóticas, ou em qualquer momento se houver piora dos sintomas.

Por esse exame são avaliados a parede e o lúmen venoso no modo bidimensional (modo B), com realização das manobras de compressão com o transdutor e o estudo do mapeamento do fluxo em cores, doppler pulsado e power doppler.

No modo B, o transdutor é posicionado inicialmente abaixo do ligamento inguinal, na junção safeno-femoral e faz-se uma varredura de todo o sistema venoso do membro inferior. No corte transverso é realizada a compressão com o transdutor, a cada 2 a 3 cm, principalmente ao longo da veia femoral comum, veia femoral e veia poplítea. O esperado é que haja colabamento total da veia pela compressão. O doppler avalia a velocidade do fluxo venoso, que normalmente é baixa, e na presença de trombose fica ainda mais reduzida.

Além dessas alterações (não colabamento e diminuição da velocidade de fluxo), a veia com material trombótico pode ficar dilatada/distendida.

É possível ainda diferenciar se o trombo é recente ou mais antigo: o trombo agudo apresenta uma densa malha de fibrina que persiste por 5 a 7 dias e fica mais ecolucente ou com ecogenicidade intermediaria, com brilho menor que os tecidos adjacentes. Com o tempo, o trombo vai se tornando mais ecogênico. Ou seja, trombo anecoico ou hipoecoico sugere trombo mais agudo, já imagem hiperecoica ou isoecoica é mais difícil de estimar com exatidão. Além disso, a parede do vaso pode ser tornar espessada com o passar do tempo.

Na evolução, o trombo pode sumir por completo ou se organizar, gerando obstrução parcial da veia por tempo prolongado e as alterações persistentes são chamadas de alterações crônicas pós trombóticas. Algumas vezes, os achados não podem ser definidos com exatidão e a descrição será “predominância de alterações agudas ou recentes” ou “predominância de alterações crônicas ou antigas”.

A trombose é definida como aguda em até 2 semanas do seu início, subaguda de 2 semanas a 6 meses e crônica quando de duração maior que 6 meses.

A associação do modo B e o doppler de todas as veias é o exame de imagem de primeira linha para o diagnóstico de TVP, com sensibilidade de 96% e especificidade de 98 a 100%. Porém, é exame demorado (tempo estimado para exame bilateral completo de 75 minutos) e que necessita de especialista disponível. O ideal é que sejam realizados avaliação de compressibilidade da veia (o mais importante), calibre da veia, aspecto ecográfico das paredes e do lúmen venoso, e a análise do mapeamento de fluxo em cores e do Doppler espectral.

Existem diversos protocolos adaptados para o cenário da urgência, que vão desde o exame completo até variações como exame de compressão, exame de compressão estendido e exame de compressão de 2 pontos.

Quando há recorrência da TVP, bastante frequente, pode ocorrer em nova localização ou em segmento previamente acometido. Não existem parâmetros isolados pelo USV para dar o diagnóstico de recorrência de TVP, sendo este diagnóstico feito a partir de dados clínicos e o reaparecimento trombose. Quando ocorre em nova localização o diagnóstico é mais fácil, porém se ocorre em segmento previamente acometido pode ser dificultado e o aumento do diâmetro da veia pode auxiliar. Se houver aumento de 4 mm no segmento acometido confirma-se a recorrência de TVP, se esse aumento for entre 2 e 4 mm o diagnóstico é inconclusivo, daí a importância de comparar o exame atual com exame prévio do paciente.

O refluxo, associado ou não a obstrução venosa devido a recanalização incompleta, pode provocar hipertensão venosa persistente, levando ao aparecimento dos sinais de hipertensão venosa crônica, que são chamados de síndrome pós-trombótica (SPT).

Essa síndrome se caracteriza por recanalização nos primeiros 6-12 meses após o evento agudo, com obstrução parcial e variados graus de refluxo dos segmentos acometidos. Isso leva a destruição de válvulas venosas, desenvolvimento de válvulas colaterais em locais em que persiste um grau maior de obstrução e maior tendência de recorrência de episódios agudos. O diagnóstico só pode ser feito após pelo menos três meses do evento agudo e os principais fatores de risco são: obesidade, veias varicosas, trombose proximal e recorrência, uso inadequado da anticoagulação oral, menor tempo da resolução da TVP.

Os pacientes podem ter sintomas leves ou mais graves, como dor crônica, edema intratável e úlceras e em casos mais avançados pode haver infecção de pele, subcutâneo ou sistema linfático.

Tromboembolismo pulmonar

TEP é definido como obstrução de uma ou mais artérias pulmonares. A maioria dessas obstruções decorre de coágulos vindos dos membros inferiores e os sinais clínicos também são inespecíficos: dispneia, dor torácica, hemoptise, sincope ou pré-sincope. Também pode ser assintomático, descoberto de forma incidental.

Para estimar a probabilidade pré-teste utilizamos o escore de Wells ou o de Genebra, que combinados com o d-dímero auxiliam na investigação diagnóstica e indicação dos exames de imagem.

Paciente com baixa suspeita de TEP devem coletar d-dímero. Se negativo exclui TEP, se positivo o paciente deve realizar exame de imagem: angiotomografia computadorizada de tórax com contraste ou cintilografia de ventilação e perfusão. Caso o paciente apresente probabilidade intermediário ou alta de TEP não se deve coletar o d-dímero e sim prosseguir diretamente ao exame de imagem.

Angiotomografia

A angiotomografia (angioTC) de artérias pulmonares associada a angioTC venosa de membros inferiores tem VPP de 96% em pacientes com alta probabilidade de TEP e VPN de 97% nos de baixa probabilidade clínica. Atualmente é o exame de escolha para diagnóstico de TEP. Este exame também consegue avaliar sinais de gravidade, como a relação entre VD e VE, que quando maior que 0,9 tem associação com mortalidade.

Pacientes com probabilidade baixa ou intermediaria de TEP e exame negativo tem TEP excluído. Se probabilidade intermediária ou alta e exame com trombos em ramos segmentares ou proximais confirma-se o diagnóstico.

A aquisição das imagens deve ser feita em apneia inspiratória e sincronizada para o momento da chegada do contraste na circulação arterial pulmonar. Além disso, a aquisição das bases em direção ao ápice diminui a chance de artefatos. O acesso venoso deve ser calibroso para permitir a injeção de contraste por meio de bomba injetora a 4 mL/s e os contrastes mais concentrados devem ser preferidos.

Os critérios diagnósticos são:

  • Falha de enchimento oclusiva, com aumento no calibre do vaso acometido.
  • Falha de enchimento não oclusiva, central, margeada por meio de contraste.
  • Falha de enchimento não oclusiva, aderida a parede do vaso e formando um ângulo agudo com ela.

Um sinal indireto de TEP é o infarto pulmonar: opacidade periférica, de base pleural, com focos hipertransparentes de permeio, mais bem caracterizadas na janela de mediastino (sinal do miolo de pão) e sem aerobroncogramas.

A única contraindicação absoluta é alergia grave ao contraste iodado. As alternativas podem ser cintilografia de ventilação perfusão, angio-RM, angioTC com gadolineo ou USG doppler de MMII seriado. Pacientes com alergia leve a moderada devem ser submetidos a protocolo de dessensibilização e tentativa de realizar o exame.

Situações especiais são as gestantes. Nesses casos, a angioTC pode ser considerada, já que as técnicas atuais têm pouca exposição materna e fetal à radiação. Também pode-se optar pela cintilografia de ventilação e perfusão ou apenas com a fase de perfusão ou exame de USG de MMII seriada.

Saiba mais: ATS 2021: novidades na abordagem de tromboembolismo pulmonar 

Angio-RM é uma alternativa a angioTC em casos específicos. Não utiliza radiação e o gadolínio pode ser usado em quem é alérgico ao contraste iodado. Também possibilita avaliação da perfusão pulmonar, a quantificação de fluxo nos grandes vasos e a avaliação da função cardíaca. Porém, tem como desvantagens menor resolução espacial, maior custo, maior complexidade, maior tempo do exame, menor disponibilidade e limitada para doentes renais crônicos. A principal indicação atual é para aqueles com alergia grave ao contraste iodado.

Cintilografia pulmonar

Consegue avaliar a perfusão pulmonar, ventilação ou os dois de forma combinada e sua indicação principal é avaliar a probabilidade de TEP.

Critérios para exame positivo: discordância entre os estudos de ventilação ou inalação e o estudo de perfusão em pelo menos um segmento ou dois subsegmentos, com hipocaptação presente apenas ou mais extensa na perfusão em contraste com inalação normal (mismatch), respeitando a estrutura pulmonar vascular (hipoperfusão com padrão em cunha e projetada a partir do centro até a periferia pulmonar).

As aquisições das imagens cintilográficas tomográficas (tomografia por emissão de fóton único – SPECT ou SPECT/CT) são as recomendadas atualmente, pela sua melhor acurácia diagnóstica. Embolia é considerada quando houver mismatch ventilação/perfusão de pelo menos 1 segmento ou 1 subsegmento que siga a anatomia de perfusão pulmonar.

Este exame é preferido à angioTC em caso de a paciente ser gestante, pois emite menos radiação que a angioTC. Também é utilizada em casos de alergia grave ao contraste iodado e em pacientes com insuficiência renal crônica.

Ecocardiograma transtorácico

Tem objetivo de avaliar sobrecarga pressórica do ventrículo direito (VD). Na maioria das vezes este exame será normal e não é indicado para todos os pacientes com TEP.

  • TEP de baixo risco: nesse grupo de pacientes, o Eco não é obrigatório e não auxilia no diagnóstico, pois pode ser normal. Porém a ausência de alterações de tamanho e função de VD indicam bom prognóstico.
  • TEP de alto risco: nos pacientes com suspeita de TEP e instabilidade hemodinâmica este exame é obrigatório, pois consegue detectar alterações nas cavidades direitas. Se o paciente está instável e o Eco é normal o diagnostico de TEP está excluído. A detecção das alterações confirma o diagnóstico e indica terapia de reperfusão de emergência.

O único achado patognomônico de TEP pelo eco é a presença de trombo móvel nas cavidades direitas, tronco e/ou artéria pulmonar. Outras alterações encontradas em TEP agudo grave são: dilatação de VD, disfunção de VD, sobrecarga pressórica pulmonar.

Dois sinais apresentam alto valor preditivo para TEP: sinal 60/60 (combinação de tempo de aceleração do fluxo de ejeção pulmonar) e sinal de McConell (hipocinesia de segmentos basal e médio de parede livre do VD e contratilidade normal da região apical).

Conclusão e comentários

TEV é uma doença altamente prevalente e pode-se apresentar das mais variadas formas, desde assintomática, com sintomas inespecíficos ou com instabilidade hemodinâmica grave. Na suspeita, o paciente deve ser avaliado em relação aos fatores de risco e exame clínico e os escores pré-teste auxiliam na decisão de como investigar o paciente, sendo de grande auxílio na prática clínica.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Albricker ACL, et al. Diretriz Conjunta sobre Tromboembolismo Venoso – 2022. Arq. Bras. Cardiol. 2022; 118(4): 797-857. DOI: 10.36660/abc.20220213.

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