Troponina: saiba usar e não deixe furos no plantão

A troponina é uma proteína presente no miócito que participa fisiologicamente na contratilidade cardíaca. Saiba como usar!

A troponina é uma proteína presente no miócito que participa fisiologicamente na contratilidade cardíaca e é classificada em três tipos: C, T e I. Durante a contração miocárdica, há uma sequência de eventos: o cálcio se liga à unidade C da troponina → há mudança na configuração anatômica das proteínas → deslocamento do complexo tropomiosina-troponina → interação actina/miosina → contração (encurtamento) do miócito. 

A troponina T é estrutural, ligando o complexo das três troponinas com a tropomiosina e a actina. A troponina I é auxiliar à troponina C na interação com o cálcio e a ATPase. Clinicamente, denominamos tudo “troponina” (ou do inglês, “cardiac-troponin”, cTn). 

Leia também: Troponina e mortalidade no pós-operatório de cirurgia cardíaca

ECG com estetoscopio

Uso clínico da troponina 

Durante muitos anos, a CK foi a principal enzima explorada no diagnóstico de IAM. A fração MB e a MB-massa são o grande exemplo de uso clínico e a mioglobina tinha a vantagem de ser a primeira a se elevar, porém é a menos específica de lesão cardíaca. 

Assim, esses exames apresentam uma acurácia que está longe do ideal. A troponina surgiu então como um marcador de lesão miocárdica mais sensível (detecta lesões menores) e mais específico (é “quase exclusivo” de lesão miocárdica). O problema é que as técnicas laboratoriais de dosagem foram se aprimorando tanto que hoje somos capazes de detectar níveis mínimos, o que pode gerar alguma confusão. Isso porque, ao contrário dos ensinamentos iniciais, a elevação de troponina não é exclusiva da lesão miocárdica isquêmica, mas sim de qualquer lesão miocárdica, incluindo doenças não isquêmicas e não ateroscleróticas. Por isso, dois conceitos importantes são:  

– A troponina é altamente específica de lesão miocárdica, podemos abandonar CK, mioglobina e outros. Inclusive essa é a recomendação das diretrizes mais atuais: na disponibilidade de dosagem de troponina não devemos solicitar outros marcadores. Há apenas uma exceção: o reinfarto. Como a meia vida da troponina é longa (7 a 14 dias), um paciente com dor recorrente pode permanecer com a troponina elevada e você não saberá se é um novo IAM ou apenas a troponina relacionada a injúria inicial. A solução nesses casos é usar a CK-MB ou a CK-Massa. 

– A lesão miocárdica pode não ser isquêmica/aterosclerótica. 

Tabela 1: conheça as causas não coronarianas/isquêmicas de elevação da troponina 

Prinzmetal*  Contusão miocárdica  Maratona 
Takotsubo*  Sepse  Grande queimado 
Insuficiência cardíaca  DRC em diálise  Miocardite* 
Embolia pulmonar  AVC   Anticorpos heterofilos (“erro laboratorial”) 
Drogas cardiotóxicas  Grandes cirurgias  Desfibrilação e cardioversão 

*Podem causar grande elevação na troponina similar a um IAM. 

Leia também: Iniciar DOACs precoce ou tardiamente em um paciente após AVC isquêmico?

Valores de troponina 

Há diversas técnicas laboratoriais para dosagem, mas a maioria se baseia na utilização de anticorpos marcados que detectam a troponina T ou I no soro. Clinicamente, não há diferença relevante entre os métodos ou o tipo de troponina dosada, mas o valor de referência e, principalmente, o limiar de detecção variam. Portanto, devemos ficar atentos aos valores recomendados pelo laboratório que realizou o exame. 

E o que é a “Troponina Ultra-Sensível” (TropoUS)? Nada mais que uma nova técnica que detecta quantidades ainda menores de troponina no plasma. Por isso, é capaz de mostrar lesão miocárdica mais precocemente, em menos de três horas.  

Como nada é completamente perfeito, aumentar a sensibilidade afeta a especificidade, ou seja, detectar níveis muito baixos de troponina (que tem a vantagem de poder representar lesões muito pequenas) aumenta a chance de detectar elevação de troponina por outras causas, não necessariamente coronarianas.  

Uma dúvida frequente é se há correlação entre a troponina e o tamanho do IAM. Primeiramente, estudos epidemiológicos mostram correlação positiva, mas não linear, com pior prognóstico. Isto é, quanto mais elevada a troponina, maior a chance de eventos adversos cardiovasculares. A relação com o tamanho do IAM ainda é uma área em estudos, mas parede que o melhor é avaliar a área sob a curva (AUC): áreas maiores em 72-96h (e não no primeiro dia) estão mais correlacionadas com o tamanho do IAM. 

Cenários práticos para uso 

1) Paciente com dor precordial que melhora com tratamento inicial e o ECG é normal.  

Dosagem de TropoUS negativa em 0 e 3 horas consegue descartar um evento de alto risco e o paciente pode continuar o tratamento ambulatorialmente. Importante: não se exclui doença coronariana, mas sim alto risco de morte, permitindo manter o tratamento oral e a realização de exames ambulatorialmente, de forma precoce. Alguns kits de tropoUS já são validados para serem coletados em 0 e 1 hora ou 0 e 2 horas, o que diminui ainda mais o tempo no pronto socorro.  

2) Troponina positiva em contexto fora da síndrome coronariana aguda, como sepse, pós-operatório, IC.  

É necessário curvar a troponina. Uma lesão isquêmica apresentará elevação, pico e redução, ao passo que nas demais causas o valor flutua mais ou menos igual, em platô. A realização dessa curva é uma das ferramentas práticas mais importantes e a melhor evidência atual sugere que variações acima de 20% nos valores são indicativas de IAM/DAC. 

Exemplo prático: 

Cenário  Tropo 0h  3h  6h  12h 
A  0,10  0,11  0,09  0,10 
B  0,10  0,15  0,17  0,11 

 

– No cenário A, não há curva e as variações são inferiores a 20%. Logo, devemos pensar em causas não coronarianas para o aumento da troponina. 

– No cenário B, há uma curva (aumento → pico → queda). Com isso, a causa mais provável é de fato um IAM. 

Ainda, alguns estudos mais recentes sugerem que podemos utilizar apenas uma dosagem de tropoUS para excluir IAM, principalmente quando associado a eletrocardiograma não isquêmico. O corte varia nos estudos, sendo a maior parte deles com valores de 5 ou 6 ng/L e essa prática pode reduzir ainda mais o tempo que o paciente passa no serviço de emergência e o custo para o sistema de saúde. 

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Circulation. 2022;145:1708-1719. DOI: 10.1161/CIRCULATIONAHA.122.059235

Tags