Tuberculose congênita e perinatal: como identificar e abordar?

A tuberculose congênita (TC) refere-se à aquisição do Mycobacterium tuberculosis intra-útero ou no período perinatal.

A tuberculose congênita (TC) refere-se à aquisição do Mycobacterium tuberculosis intra-útero ou no período perinatal. Com a transmissão intrauterina, o feto pode contrair a bactéria por via transplacentária pela veia umbilical, por aspiração ou ingestão de líquido amniótico contaminado. Já na TC perinatal, a bactéria é disseminada para o neonato por ingestão, por inalação de gotículas infectadas, por contato direto com o trato genital materno infectado, pela pele traumatizada ou através de outras pessoas infectadas.

Infelizmente, a tuberculose congênita tem alta mortalidade, provavelmente devido ao diagnóstico tardio e co-infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Mas a boa notícia é que sua incidência é baixa.

tuberculose congênita

Apresentação clínica

Varia desde assintomática a desconforto respiratório grave e manifestações abdominais, como distensão abdominal, ascite, dor abdominal, diarreia persistente e icterícia. Os sintomas podem ocorrer ao nascimento e até vários dias a semanas após o  A idade média de início da doença é entre duas a três semanas de vida.

Em recém-nascidos (RN) que se mantêm graves mesmo com o uso de antibioticoterapia venosa de amplo aspecto, deve haver suspeição do diagnóstico de tuberculose congênita.

Alguns outros sintomas podem também ocorrer: febre, hepatomegalia,  esplenomegalia, letargia ou irritabilidade, linfonodomegalia, choque séptico e coagulação intravascular disseminada.

Cerca de 30% dos casos apresentam sinais e sintomas extra pulmonares.

Por fim, meningite tuberculosa e déficit de crescimento também podem ocorrer.

Diagnóstico

Os critérios diagnósticos desenvolvidos em 1935 por Beitzke foram baseados em achados de necrópsia.

Em 1994, Cantwell modificou os critérios diagnósticos para tuberculose congênita, exigindo lesão pelo M. tuberculosis e um dos seguintes achados abaixo:

  • Granuloma caseoso na biópsia;
  • Lesões em qualquer órgão na primeira semana após nascimento;
  • Exclusão da transmissão pós-natal após investigação completa.

Mulheres grávidas podem ser assintomáticas em cerca de 20% dos casos, por isso um alto índice de suspeição é necessário para aumentar a detecção de tuberculose congênita. Nesses filhos de mães assintomáticas, deve-se obter história clínica e social detalhada, além de solicitar sorologias maternas. É importante lembrar do uso de drogas ilícitas, exposição ao HIV e moradoras de rua. Nesses casos, pode haver restrição de crescimento intrauterino (RCIU) ou escores de Apgar baixos e inflamação placentária.

Em RN, a investigação engloba a realização de  teste cutâneo intradérmico, teste de liberação de interferon-Gama, hemograma completo com diferencial, proteína C reativa (PCR), provas de função hepática e de coagulação,  radiografia de tórax, hemocultura, líquor com celularidade e coloração para bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), aspirado gástrico ou traqueal, biópsia de lesão de pele, cultura de líquido ascítico e pleural, ultrassonografia hepática e testes sorológicos para HIV.

1) Teste cutâneo: o teste cutâneo (derivado protéico purificado – PPD) deve ser interpretado da seguinte maneira:

  • ≥ 5 mm de diâmetro: alto risco, incluindo contato com pessoas infectadas, radiografia de tórax alterada, suspeita clínica, infecção pelo HIV ou imunossupressão;
  • ≥ 10 mm de diâmetro: médio risco, incluindo RN nascido em país de alta prevalência ou mãe que vive em uma instituição de longa permanência ou nas ruas;
  • ≥ 15 mm de diâmetro: em indivíduos sem fator de risco.

O PPD em lactentes pode ser negativo e, após três meses, positivar. Além disso, essa infecção pode causar imunossupressão própria e, juntamente com o HIV, pode gerar resultados falso-negativos em um teste de triagem inicial.

2) Teste de liberação de interferon-Gama (IGRA): este apresenta maior especificidade e sensibilidade que o PPD,  porém não distingue entre infecção latente e doença ativa, e não foi estudado para uso em lactentes imunocomprometidos.

3) Raio-X de tórax: podem apresentar padrão miliar (47%), múltiplos nódulos pulmonares (11%) e pneumonia lobar (12%).Pode haver também achados mais raros de broncopneumonia, pneumonia intersticial e adenopatia mediastinal.

4) Achados laboratoriais: os achados mais comuns incluem leucocitose com predominância de neutrófilos, plaquetopenia, transaminases elevadas, hemocultura ou aspirado gástrico positivos para BAAR. Os valores de velocidade de hemossedimentação (VHS) e  PCR podem estar elevados. As culturas são confirmatórias e também podem ser utilizadas para revelar sensibilidades às drogas. Em RN com culturas positivas para BAAR, leucocitose e hipoglicemia, devemos estar atentos a doenças graves, incluindo meningite tuberculosa. Nesses casos, o esfregaço e a cultura do líquor podem ser úteis.

Tratamento

Independente se a transmissão for intrauterina ou pós natal, o tratamento é o mesmo. Poucos ensaios clínicos foram realizados, mas mostraram que os lactentes toleram drogas semelhantes às usadas para crianças e adultos com tuberculose.

Se mãe com tuberculose ativa e não tratada, deve-se avaliar o RN:

  • Se o RN apresentar tuberculose ativa, ou seja, evidência de doença e sintomática, tratar com terapia combinada;
  • Se o PPD do RN for positivo sem evidência de tuberculose ativa, prosseguir com monoterapia com isoniazida por nove meses; se a mãe for multirresistente, rifampicina deve ser adicionada ao curso;
  • Se os achados da avaliação inicial do RN forem negativos, administrar isoniazida por três meses e, então, reavaliar com um novo PPD em três a quatro meses. Se esse novo teste cutâneo for negativo, suspenda o tratamento. Se esse novo teste cutâneo for positivo, prossiga avaliação adicional (radiografia de tórax, aspirado, exames laboratoriais);
  • Se os resultados da avaliação restantes forem positivos,tratar com a terapia combinada;
  • Se o resultado da avaliação restante for negativo, continue o tratamento com isoniazida por mais seis meses. Repetir o PPD após seis a doze meses.

Tratamento da meningite tuberculosa: estender a terapia para nove a doze meses com ou sem corticosteroides (2 mg/kg/dia) por quatro a seis semanas antes de diminuir gradualmente.

Tratamento da tuberculose miliar: tratamento semelhante ao da meningite tuberculosa.

Terapia combinada: a primeira linha terapêutica inclui isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol (esquema RIPE).  Existem agentes de segunda linha que incluem amicacina, estreptomicina, capreomicina, etionamida, fluoroquinolonas, cicloserina ou ácido para-aminossalicílico. A escolha do medicamento varia de acordo com padrões de resistência. Para tuberculose pulmonar ou hepática, doença pulmonar, o tratamento deve começar com o esquema RIPE por dois meses, depois continuar com isoniazida e rifampicina por quatro a dez meses subsequentes (de acordo com o estado clínico da criança).

Acompanhamento ambulatorial: consultas mensais para avaliação da melhora clínica e toxicidade medicamentosa, de preferência com infectologista pediátrico. O raio-X de tórax deve ser repetido com um a dois meses após início do tratamento.

Leia também: Tratamento mais curto para tuberculose não grave foi bem-sucedido em crianças

Separação mãe-bebê

Se a mãe apresentar sinais e sintomas clínicos de tuberculose, recomenda-se a separação até que ambos recebam os tratamentos apropriados por, pelo menos, duas a três semanas. No entanto, se a mãe for negativa para tuberculose ou tiver em estado latente, a separação física não é necessária.

O aleitamento materno é incentivado na mãe assintomática que está recebendo tratamento apropriado, a menos que ela tenha uma lesão mamária por M. tuberculosis comprovada. Estudos sugerem que os níveis de medicamentos secretados no leite materno são baixos. Restringir os visitantes a pessoas infectadas e usar precauções corretas de contato e aerossóis, se necessário, pode ajudar a prevenir a transmissão a indivíduos não infectados.

Conclusão

A avaliação e o tratamento da tuberculose congênita devem ser fortemente considerados no lactente com aparência doente que não responde à antibioticoterapia padrão, mesmo se houver história materna negativa de tuberculose ou ausência de achados no exame físico materno. A análise da sensibilidade e especificidade dos testes de tuberculose em RN e no lactente imunocomprometido são importantes direções futuras neste campo.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Shao Y, Hageman JR, Shulman ST. Congenital and Perinatal Tuberculosis. Neoreviews. 2021;22(9):e600-e605. doi: 10.1542/neo.22-9-e600