Tudo o que você precisa saber sobre sarcopenia em idosos

Sarcopenia caracteriza-se pela perda generalizada e progressiva da força e massa muscular esquelética com envelhecimento e mesmo em indivíduos saudáveis.

A população mundial está envelhecendo. Estima-se que, de 1966 a 2025, o percentual de idosos aumentará cerca de 200% nos países em desenvolvimento. No Brasil, o aumento da população idosa segue a tendência mundial. Nos últimos 60 anos, aumentou de 4% para 9%, correspondendo a um acréscimo de 15 milhões de indivíduos. A estimativa para 2025 é um aumento de mais de 33 milhões, tornando o Brasil o sexto país com maior percentual populacional de idosos no mundo.

médico com paciente idosa com sarcopenia

Sarcopenia em idosos

Sarcopenia caracteriza-se pela perda generalizada e progressiva da massa muscular esquelética e força, que ocorre com envelhecimento, mesmo em indivíduos saudáveis. Com o aumento da população idosa em ritmo acelerado, torna-se necessário o maior entendimento dos fenômenos associados ao processo do envelhecimento. Entender a prevalência da sarcopenia, seu quadro clínico, etiopatogenia e tratamento é fundamental para promover assistência à saúde direcionada ao idoso.

É um dos grandes problemas de saúde pública, afetando 50 milhões de pessoas em todo mundo. Além do envelhecimento da população, também está envolvida com fatores como inatividade física, desnutrição proteico calórica, distúrbios de inervação muscular, diminuição da produção hormonal, aumento de mediadores inflamatórios, resistência metabólica, e efeito catabólico de algumas doenças. Esses fatores acarretam perda de massa, força e performance muscular e, por fim, a fragilidade. A fragilidade, por sua vez, tem como consequências: perda de autonomia, quedas, fraturas, dependência, custos sociais e econômicos e, por vezes, morte precoce.

Fragilidade representa uma vulnerabilidade fisiológica do idoso, resultado de deterioração da homeostase biológica e da capacidade do organismo se adaptar às novas situações de estresse. Ela também envolve: perda de peso recente (especialmente massa magra), fadiga, quedas frequentes, fraqueza muscular, redução da velocidade de caminhada e redução da atividade física.

Figura 1: fatores relacionados à sarcopenia

Proteólise muscular

A sarcopenia é resultado do desequilíbrio entre degradação e síntese proteica, embora a exata contribuição de cada um desses fatores seja variável. Alguns sistemas proteolíticos têm sido descritos como particularmente importantes na degradação muscular. Entre eles podemos citar o processo de autofagia, além de proteases ativadas por cálcio, como calpaína, caspases, e o sistema ubiquitina-proteassoma (figura 2).

Figura 2: Processos envolvidos na proteólise

Autofagia

A autofagia é um processo ancestral de sobrevivência que permite que as células “se consumam” em períodos de extrema privação nutricional. Esse processo ocorre com o consumo de componentes citoplasmáticos, como citosol e organelas, através do lisossoma.

Durante a autofagia, vesículas da membrana plasmática, os autofagossomos formam-se em torno do citoplasma ou de organelas, sequestrando o conteúdo proteico no vacúolo. Após, ocorre fusão do autofagossomo com lisossomo e então há degradação dos produtos celulares. Um estudo in vitro mostrou a presença de autofagossomos em fibras musculares após privação de aminoácidos. A ativação deste sistema parece ser fundamental para manter a integridade da membrana celular e crescimento celular.

Fibras musculares e inervação

As fibras tipo I (aeróbicas; de contração lenta) parecem ser resistentes à atrofia associada ao envelhecimento, pelo menos até os 70 anos. Enquanto isso, a área relativa das fibras tipo II (anaeróbias; de contração rápida) declina de 20 a 50 % com passar dos anos. A redução do tamanho das fibras é modesta quando comparadas à redução na massa muscular. Assim, postula-se que deve ocorrer concomitante redução no número de fibras, particularmente atrofia das fibras tipo II.

Resistência anabólica

Com a idade, postula-se que ocorre resistência às substâncias anabólicas no músculo esquelético, além de redução dos seus níveis. O nível de testosterona e androgênios adrenais declina com idade, principalmente após os 80 anos, quando a prevalência de deficiência androgênica pode acometer 40 a 90% dos idosos.

No tecido muscular, os androgênios estimulam a síntese proteica e recrutamento das células satélites às fibras musculares em atrofia. O declínio dos estrógenos em mulheres, associado à menopausa, é bem conhecido. Possivelmente, os esteroides sexuais femininos exercem efeitos anabólicos sobre músculo pela conversão tissular em testosterona. Os hormônios sexuais parecem inibir a produção IL-1 e IL-6, sugerindo que níveis reduzidos destas substâncias podem ter efeitos catabólicos indiretos sobre o músculo. A redução de GH e IGF-1 também está associada a menor estímulo anabólico sobre o tecido muscular esquelético.

Metabolismo basal

Com o avançar da idade , é comum ocorrer declínio de mais de 15% do gasto metabólico basal, que acontece devido à redução de tecido magro, principalmente de células musculares metabolicamente ativas. A redução da ingestão alimentar (anorexia do envelhecimento), é um fator importante no desenvolvimento e progressão da sarcopenia, principalmente quando associada a outras comorbidades.

Múltiplos mecanismos levam a ingestão alimentar reduzida no idoso, tais como: perda do apetite, redução do paladar/olfato, saúde oral prejudicada, saciedade precoce (relaxamento reduzido do fundo gástrico), aumento da liberação de colecistoquinina em resposta à gordura ingerida, e elevação da leptina. Fatores psicossociais, econômicos, e medicamentosos, também podem estar envolvidos nesta fisiopatologia.

Leia também: Sarcopenia: um elo entre a nutrologia e a geriatria

Estímulos catabólicos

O aumento de estímulos catabólicos em idosos têm sido aventado como outra causa possível para a redução da massa muscular. Roubenoff et al, descreveu o aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias em idosos, o que pode estimular a perda de aminoácidos e incrementar a quebra de proteínas das fibras musculares.

Inatividade física ou limitação funcional são fatores contributivos importantes para a sarcopenia relacionada ao envelhecimento. Homens e mulheres idosos com menor atividade física, tem também menor massa muscular e maior prevalência de incapacidade física. A prática regular de exercícios, desde jovem, desacelera a perda de massa muscular da senilidade.

Causas inflamatórias

A inflamação pode ser o fator chave na fisiopatologia da sarcopenia decorrente do envelhecimento. No idoso, observamos um baixo grau de inflamação crônica, que pode ser demonstrada por aumento da concentração de citocinas inflamatórias e reagentes de fase aguda, como: TNF- alfa, interleucinas 1 e 6, e proteína C reativa. O aumento das citocinas pró-inflamatórias resulta num estímulo para degradação das proteínas musculares, além de inibir a sua síntese.

O sistema ubiquitina-proteossoma é a via mais importante na degradação de proteínas musculares. Esta via é ativada pelas citocinas pró-inflamatórias e por hormônios como cortisol e angiotensina, assim como espécies reativas de oxigênio (ROS). O TNF-alfa tem um papel importante na fisiopatologia desta síndrome, ativando quinases e fatores intracelulares associados a indução da proteólise.

O tecido adiposo é responsável pela produção de interleucina e resistina. Desta forma há uma relação entre adipócito e proteólise, fazendo com que a obesidade contribua para o estado inflamatório crônico que condiciona a perda muscular. As citocinas inflamatórias também estão envolvidas na diminuição do apetite, mobilidade, e atraso no esvaziamento gástrico.

Sedentarismo e mobilidade

Durante o envelhecimento há uma tendência para a inatividade física e sedentarismo. De igual forma, também verifica-se um aumento no número de quedas, o que faz com que inúmeros idosos fiquem acamados. Há estudos que demonstram que existe uma redução da massa muscular, sem alterações significativas da massa gorda, em idosos que ficam acamados por 10 dias. Este mesmo efeito só é notado em pacientes jovens acamados após 28 dias.

 

Diagnóstico

Com envelhecimento, há alterações na composição corporal como: redução do teor corporal de água, aumento da gordura e declínio da massa muscular esquelética. Vários métodos são utilizados para avaliar esse processo, como bioimpedância, ultrassonografia (US), tomografia computadorizada (TC), e ressonância magnética (RNM).

Estima se que a partir dos 40 anos ocorre perda de 5% da massa muscular a cada década, com declínio mais rápido após os 65 anos, particularmente nos membros inferiores. Estudos em cadáveres utilizando US, TC, ou RNM, demonstraram que ocorre redução de 40% da área seccional transversa de vários grupos musculares (quadríceps, bíceps e tríceps) com idade.

O meio mais utilizado para diagnóstico de sarcopenia é a densitometria de corpo total para avaliação da composição corporal (massa óssea, massa magra e massa adiposa), que apresenta baixo custo, rápida realização e expõe o paciente a pouca radiação ionizante. O uso da bioimpedância tem se tornado um método prático, acessível, e com boa reprodutibilidade.

Veja ainda: A sarcopenia deve ser lembrada na prática clínica

Manifestações clínicas

A perda de massa muscular leva a uma diminuição da força e potência muscular, estas manifestações estão associadas a maior mortalidade. A incapacidade de desenvolver uma adequada potência muscular é uma das causas da síndrome da fragilidade. Um idoso frágil é um indivíduo com maior risco de quedas, fraturas, incapacidade, dependência, hospitalização recorrente, e mortalidade.

As principais queixas são: autorrelato de fadiga, incapacidade de subir um lance de escadas, incapacidade de andar um quarteirão, coexistência de mais de cinco patologias, e perda de peso recente não intencional. Esta síndrome está intimamente relacionada à sarcopenia e ocorre em 50 % dos pacientes sarcopênicos.

Exames complementares e diagnóstico

Métodos para medir a massa muscular (figura 3):

  • Densitometria (dexa-dual);
  • Bioimpedância tetrapolar;
  • Ressonância magnética;
  • Tomografia computadorizada periférica;
  • Excreção urinária de creatinina.
Figura 3: Diferentes métodos para avaliar a massa muscular e suas peculiaridades

Medição de performance muscular:

  • Short Physical Performance Battery – velocidade da passada, capacidade de levantar de uma cadeira e teste de equilíbrio.
  • Teste dos 400 metros de passada.
  • Teste dos 6 minutos.

Marcadores biológicos

Marcadores biológicos, como citocinas inflamatórias, hemoglobina, albumina, selênio, ou biomarcadores de lesão oxidativa (ox-LDL), apresentam utilidade limitada pela sua baixa especificidade.

Tratamento

Reposição de esteroides sexuais

Tendo como base sua fisiopatologia, é razoável acreditar que a suplementação hormonal seja uma boa opção para prevenir ou tratar a sarcopenia. No entanto, a reposição estrogênica em mulheres não se mostrou efetiva.

Atualmente, a maior promessa parece ser a reposição de testosterona, particularmente em homens hipogonádicos, uma vez que a reposição androgênica é efetiva para aumento de massa muscular e, provavelmente, também da força muscular. É importante ressaltar que são necessários mais estudos para a avaliação de diversos outros desfechos, como a redução de risco de quedas e fraturas, diminuição da necessidade de institucionalização, e aumento da independência funcional.

Além disso, a segurança do uso desta medicação a longo prazo ainda não está completamente bem definida. As reações adversas mais relatadas são: morte súbita, aumento de hematócrito, retenção hídrica, ginecomastia, aumento de antígeno prostático específico (PSA), hipertrofia prostática, e piora do perfil lipídico.

Reposição de GH

O uso de GH em crianças e adultos com deficiência do hormônio é seguro. Em adultos, o GH melhora a sensação de bem-estar, composição corporal, e perfil lipídico. A reposição de GH em idosos não aumenta a força muscular nem potencializa os ganhos com treino de resistência. Estratégias alternativas para estimular o eixo GH-IGF1 parecem promissoras, como a administração de hormônio liberador do GH (GHRH) e o complexo IGF1 associado a proteína ligadora (IGFBP-3). O tratamento a longo prazo com GH em idosos pode alterar o perfil glicêmico, bem como ocasionar síndrome do túnel do carpo, artralgias, ginecomastia e edemas.

O custo elevado, cerca de 1300 reais mensais (três injeções semanais), e a falta de evidências científicas consistentes sobre os reais benefícios desta terapia no idoso sarcopênico são as principais limitações, para seu uso clínico.

Exercício

A maior aquisição de massa muscular é fundamental para retardar a perda decorrente do próprio envelhecimento, e promover menor impacto sobre a qualidade de vida dos idosos. Dessa forma, vale ressaltar que a prevenção é a estratégia mais importante e eficiente para atingir esses objetivos. Estudos com atividade física tem os resultados mais promissores, tanto na prevenção, quanto no tratamento da sarcopenia.

Indivíduos muito idosos (média de idade de 87 anos), institucionalizados, que realizaram treino de resistência associado à suplementação nutricional, por dez semanas, tiveram um aumento de 125% da força muscular, bem como melhora objetiva da marcha, velocidade e atividade física espontânea. Os potenciais benefícios a longo prazo são o menor número de quedas, aumento da mobilidade e independência.

Larsson, em 1982, mostrou que o treino aeróbico aumenta o tamanho de fibras musculares dos tipos I e II, em homens de 56 a 65 anos. Outros autores mostraram aumento na síntese proteica muscular em resposta ao treino de resistência. Mudanças na inervação e padrão de ativação muscular também ocorrem com o treinamento, melhorando o desempenho motor. A prática de exercícios de resistência ainda é uma intervenção mais efetiva para aumentar a massa e força muscular em idosos. É importante ressaltar que alguns idosos podem ter ingestão alimentar reduzida e necessidade proteica aumentada, tornando difícil a obtenção dos benefícios do treinamento de resistência se a nutrição não for adequada.

Mais da autora: Obesidade: quais as principais doenças relacionadas?

Nutrição

A nutrição desempenha um papel importante na fisiopatologia da sarcopenia, sendo também um ponto chave no tratamento desta condição. Uma nutrição adequada, em particular a ingestão de proteínas, é essencial para a manutenção da massa muscular. A quantidade de proteína adequada para o idoso é de 1,25 a 1,5 gramas, por kg de peso, ao dia. Esse valor é maior que o recomendado para um adulto jovem (0,8 a 1 g/kg/dia).

Estudos têm sugerido que doses elevadas de proteína (acima 3 g/kg/dia) não alteram a síntese proteica muscular. Além disso, esta carga diária elevada de proteína causa aumento da taxa de filtração glomerular no jovem e redução da função renal em idoso.

Em relação a proteína ingerida, as proteínas de maior valor biológico têm maior impacto na inibição da proteólise a nível muscular. Também foi demonstrado que proteínas de absorção rápida como soro leite, comparada a proteínas de absorção lenta como caseína, são benéficas na estimulação da síntese proteica. Uma mistura de aminoácidos essenciais contendo leucina aumenta mais a síntese proteica do que outras formas de proteína, por estimular o mTOR, que por sua vez estimula a síntese proteica. Alimentos que contêm leucina são: leite, queijo, carne, atum, amendoim, ovos, além de suplementos específicos ricos em leucina.

Outro ponto importante é considerar a distribuição de proteína ao longo do dia. De acordo com a literatura, nos idosos é mais benéfico uma ingestão de cerca de 80% da proteína total no almoço e jantar. Essa estratégia é conhecida como “pulse protein pattern“, causando uma maior retenção de proteínas e balanço nitrogenado mais positivo.

Conclusão

A sarcopenia é um fenômeno que acarreta grande morbimortalidade em idosos. O conhecimento de sua fisiopatologia é fundamental para entender sua abordagem. A prevenção e tratamento dessa condição envolve múltiplas frentes e profissionais que devem acompanhar o paciente idoso, visando acima de tudo ganho de funcionalidade.

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