Uso da ciclofosfamida no tratamento de doença de Kawasaki (DK) refratária com AAC

A administração de IVIG previne a maioria dos casos de AAC, mas cerca de 20% das crianças com doença de Kawasaki evoluem para AAC.

Doença de Kawasaki ((DK) é uma vasculite de médios vasos, com predileção para acometimento arterial coronariano. A administração de gamaglobulina humana (IVIG) previne a maioria dos casos de aneurismas arteriais coronarianos (AAC), mas cerca de 20% das crianças com DK evoluem para AAC. Desses, aproximadamente 1% desenvolve aneurismas coronarianos grandes ou gigantes, o que está associado a importante morbimortalidade no longo prazo. No caso de refratariedade à primeira dose de IVIG, as medicações mais utilizadas incluem: nova dose de IVIG, corticosteroides, medicações biológicas anti-TNF-α e anti-IL-1, e ciclosporina. A ciclofosfamida (CYC) é efetiva no tratamento de outras vasculites autoimunes pediátricas, e seu uso em DK refratário já foi relatado. Essa série de casos, publicada no jornal Pediatric Rheumatology em 17 de março de 2021, reúne 10 casos de aneurismas grandes de coronária e/ou AAC rapidamente progressiva tratados com CYC.

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Uso da ciclofosfamida no tratamento de doença de Kawasaki refratária com AAC

Métodos

Foram revisados todos os pacientes com DK entre 2006 e 2019, sendo que 10 deles receberam CYC e tinham todos os registros completos. Todos os ecocardiogramas do centro foram avaliados pelo mesmo cardiologista. A AAC foi definida de acordo com os guidelines de 2017 da American Heart Association (AHA). Aneurisma coronariano rapidamente progressivo foi definido como aumentos de z-score de 2 ou mais unidades em ecocardiogramas consecutivos em pacientes com aneurismas médios a gigantes na avaliação inicial.

Resultados

Dos 712 pacientes diagnosticados com DK entre 2009 e 20016, 199 (28%) fecharam critério para vasculite coronariana, pelo menos em um ecocardiograma, durante as primeiras 6 semanas de doença. Desses pacientes, 10 (5%) receberam CYC. 7 eram do sexo masculino e a mediana de idade ao diagnóstico foi de 2 anos (4 meses – 5 anos). Metade dos pacientes apresentaram critérios de DK completa, todos os pacientes apresentaram AAC grande e/ou rapidamente progressivo como indicação primária de CYC. 2 pacientes estavam febris na ocasião da administração da CYC, e ambos ficaram afebris após a primeira dose.

Todos os pacientes receberam IVIG 2 g/kg entre 4 a 10 dias de doença e receberam dose média a alta de aspirina. Metade dos pacientes receberam corticoide primariamente, devido a AAC no ecocardiograma inicial, usando metilprednisolona endovenosa (EV) 2 mg/kg/dia de 12 em 12 horas, com transição para prednisolona VO; 9 dos 10 receberam segunda dose de IVIG; 5 pacientes receberam pulsoterapia com metilprednisolona (30 mg/kg, máximo de 1 g), além do protocolo RAISE (Randomized controlled trial to Assess Immunoglobulin plus Steroid Efficacy) modificado. Em alguns casos, outros agentes imunomoduladores utilizados anteriormente à CYC, incluindo: infliximabe (n = 4), ciclosporina (n = 2) e anakinra (n = 1). Todos os pacientes receberam terapia antitrombótica, incluindo aspirina em dose baixa, clopidogrel, enoxaparina e/ou warfarina. Um paciente foi tratado também com abciximabe.

A apresentação da AAC nos pacientes foi variada, sendo que 7 pacientes já apresentavam AAC ao diagnóstico. O momento da primeira dose da CYC variou de 10-26 dias (mediana de 22,5 dias) do início da febre. As dimensões coronarianas de 7 pacientes estabilizaram após a primeira dose de CYC, 3 pacientes receberam a segunda dose 7 a 12 dias após a primeira, devido a dilatação coronariana progressiva. Nenhum paciente precisou de outras terapias imunossupressoras além de corticoides orais. A dose utilizada foi de 10 mg/kg/dose EV.

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Os ecocardiogramas de acompanhamento mostraram estabilização e/ou redução das dimensões coronarianas após a última dose de CYC.

Não houve eventos adversos cardíacos durante o acompanhamento de 2,3 anos (variação de 2 – 11,8 anos). A medicação foi bem tolerada, sem infecções ou cistite hemorrágica. Um paciente apresentou neutropenia importante, com recuperação após 3 meses de tratamento. Esse paciente apresentava um quadro de neutropenia prévio, e a decisão por realizar a CYC foi dividida com a hematologista assistente.

Discussão

Essa foi a maior série de casos de pacientes com DK tratados com CYC devido a vasculite coronariana com aneurismas grandes a gigantes e/ou rapidamente progressivos.

Analogamente à patogênese de outras vasculites, células inflamatórias como monócitos/macrófagos, linfócitos T e plasmócitos têm papel central no desenvolvimento e na manutenção dos infiltrados inflamatórios nas coronárias dos pacientes com DK. Na DK progressiva, essas células não são totalmente suprimidas pelo corticoide ou por antagonismo específico de citocinas. Dessa forma, o mecanismo alquilante citotóxico direto da ciclofosfamida parece uma opção razoável, e a CYC é utilizada com sucesso no tratamento de outras vasculites.

O estudo sugere sucesso no uso da CYC para AAC da DK no esquema de 1 ou 2 infusões EV, na dose de 10 mg/kg/dose. À exceção da neutropenia que recuperou espontaneamente, não houve outros eventos adversos no curso prazo. A toxicidade da CYC no longo-prazo (malignidade, infertilidade) não foi avaliada.

As principais limitações desse estudo incluem: desenho retrospectivo, ausência de padronização no tratamento inicial, tempo de início da CYC variado e uso de outras terapias anti-inflamatórias concomitantemente, 8 de 10 pacientes receberam CYC devido a progressão da doença apesar do uso de corticosteroides e outras terapias imunossupressoras, o que sugere que a CYC pode ter um efeito anti-inflamatório diferente e benéfico para esses casos.

Além do potencial benefício no tratamento da AAC na DK, o custo da CYC é significativamente menor quando comparado àquele relacionado à IVIG e aos biológicos. Devemos considerar, entretanto, o maior risco de infecção atribuído à CYC em relação às outras medicações utilizadas.

Conclusão

O uso da CYC na doença coronariana rapidamente progressiva e/ou com aneurismas grandes parece estar associada à estabilização da doença e a um bom perfil de segurança.

Referências bibliográficas:

  • Halyabar O, et al. Cyclophosphamide use in treatment of refractory Kawasaki disease with coronary artery aneurysms. Pediatric Rheumatology. 2021;19(31). doi: 10.1186/s12969-021-00526-0

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