Uso da roluperidona no tratamento de sintomas negativos da esquizofrenia

Este artigo, publicado no Schizophrenia Bulletin, fala sobre o uso do antipsicótico roluperidona no tratamento dos sintomas negativos da esquizofrenia.

Este artigo foi originalmente publicado no Schizophrenia Bulletin sobre o uso do antipsicótico roluperidone (em tradução livre, roluperidona) no tratamento dos sintomas negativos da esquizofrenia.

Os sintomas negativos da esquizofrenia estão relacionados a um pobre desenvolvimento funcional e menores taxas de recuperação, justificando o interesse em seu tratamento. A droga roluperidona demonstrou eficácia nesse quesito. Ela já está em estágio 2 de pesquisa e, apesar dos resultados, ainda não é bem compreendido como produz seu efeito.

mãos de médico segurando medicamento para esquizofrenia

Esquizofrenia

Antes de prosseguir, é necessário compreender o que o estudo chama de “sistema de rede” na avaliação dos sintomas psiquiátricos. A teoria explica que a doença mental surge através da interação entre sintomas numa rede, na qual a ocorrência de 1 sintoma aumenta a probabilidade que uma série de outros sintomas relacionados se manifestarem. Ou seja, há uma rede de sintomas, mas um deles será o sintoma central (aquele que está no meio da rede e que se conecta com os demais). A ativação desse sintoma central pode também ativar os demais sintomas da rede.

Uma forma de descrever tais redes é através de sua densidade: redes densas são muito interconectadas e coativadas quando há a exacerbação dos sintomas, formando grupos de psicopatologias que se mantêm auto-sustentadas. Nas redes fortemente conectadas, a ativação do sintoma central leva à ativação contínua dos demais sintomas, mesmo após o desaparecimento dos fatores desencadeantes.

Este processo poderia explicar como os sintomas se tornam crônicos, enquanto um mecanismo de feedback auto-sustentado desencadeado por um sintoma central leva à ativação dos demais, resultando numa piora global da psicopatologia.

Não está claro se a densidade da rede influencia na resposta ao tratamento, mas nesses casos acredita-se que seja mais eficaz atuar sobre o sintoma mais central a partir do qual o efeito se espalha sobre os demais domínios. Contudo, as redes pouco densas também podem apresentar dificuldade para serem tratadas, pois os sintomas possuem pouca interação entre si. Dessa forma, mesmo que se trate o sintoma central, o efeito não repercutiria tanto nos demais domínios.

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Segundo esta teoria, a determinação dos sintomas centrais têm impacto sobre o tratamento. Se estiver correta, sugere-se que a busca por mecanismos fisiopatológicos e que o alvo de novos tratamentos sejam focados nesses sintomas centrais, esperando-se melhora no restante.

Sintomas negativos

Voltando aos sintomas negativos, acredita-se que, historicamente, a avolição (redução do desejo e do comportamento motivado) seja o mais central dos 5 domínios identificados no consenso da conferência NIMH, de 2005 (os demais seriam embotamento afetivo, alogia, não socialidade e anedonia).

A avolição mereceu, por exemplo, especial atenção de Kraepelin e Bleuler, seguidos por outros autores. Também sugere-se que a diminuição da motivação esteja por trás da diminuição da fala (alogia), redução das expressões emocionais vocais e faciais (embotamento afetivo), redução da busca por atividades prazerosas (anedonia) e menor engajamento nas relações sociais (não socialização). A capacidade de realizar esses comportamentos está mantida, mas a motivação para sua realização está comprometida.

Portanto, a avolição seria, segundo alguns autores, o sintoma negativo central da esquizofrenia. Esta conclusão sugere que tratamentos que foquem neste sintoma teriam um efeito cascata, produzindo melhoras globais nos demais sintomas negativos, assim que houver melhora da motivação.

Roluperidona

Apesar da dificuldade histórica no tratamento dos sintomas negativos, o recente uso da roluperidona oferece uma oportunidade única de avaliar quão bem sucedido pode ser o tratamento dos sintomas negativos. Logo, a partir da teoria acima, o objetivo do estudo foi avaliar o quanto esta medicação pode ser eficaz ao atuar sobre domínio específico dos sintomas negativos ou a densidade de seus sintomas conectados.

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Para tal foram avaliadas propriedades macroscópicas (que nos dão informações sobre as conexões da rede como um todo) e propriedades microscópicas (que dão informações sobre quais sintomas individuais são mais influenciados e interconectados com os demais sintomas da rede). Quanto mais central o sintoma, mais fortemente associados aos demais da rede, assim como sua interação é mais direta. Baseado numa série de dados, os autores criaram a hipótese de que a avolição seria um sintoma muito central e que a roluperidona poderia atuar sobre ela.

A densidade da rede foi avaliada a partir de propriedades macroscópicas. Baseando-se nas evidências que indicam que redes mais densas são mais difíceis de serem tratadas, formulou-se a hipótese de que a roluperidona pode ser eficaz ao reduzir a densidade global da rede de sintomas negativos. Análises exploratórias também foram conduzidas para avaliar as diferenças do efeito da roluperidona entre os sexos nas propriedades macro e microscópicas (homens e mulheres com esquizofrenia apresentam diferenças na densidade e centralidade dos sintomas negativos).

Metodologia do estudo

A metodologia do estudo abrangeu uma população de indivíduos com esquizofrenia inscritos num estudo internacional, multicêntrico, duplo-cego, randomizado e controlado e dividido da seguinte forma: um grupo recebeu uma dose de roluperidona na dose de 32 mg, outro recebeu a mesma medicação na dose de 64 mg e o último, o placebo.

Num total, 244 pacientes, com idades entre 18 e 60 anos iniciaram o estudo. Estes pacientes deveriam preencher os seguintes critérios: possuir diagnóstico de esquizofrenia, segundo os critérios do DSM-5; estarem clinicamente estáveis e apresentarem sintomas negativos nos 3 meses anteriores à entrada do estudo, além de apresentarem um determinado ponto de corte em um instrumento usado para a avaliação (Positive and Negative Syndrome Scale – PANSS).

Ao passo que foram excluídos aqueles que foram diagnosticados com um outro transtorno mental, aqueles com risco significativo para suicídio, os que apresentaram análise toxicológica positiva para uso de drogas, abuso de substâncias, uma condição clínica não estabilizada, alterações no intervalo QT e aqueles que apresentavam metabolismo pobre a intermediário envolvendo o complexo enzimático P450.

Dentre a população participante foram retiradas as medicações de depósito que pudessem estar sendo utilizadas por um período superior a 1 mês. Todos os pacientes foram hospitalizados e depois foram retiradas suas medicações por um período igual ou superior a 5 dias anterior à randomização e também permaneceram internados por pelo menos 36h ou mais após a mesma.

O estudo durou um total de 12 semanas e, durante este período, não foi permitido o uso de outros psicotrópicos que não lorazepam, zolpidem e um tipo de composto de sódio (“amital de sódio”) para insônia e agitação ou medicações anticolinérgicas para sintomas extrapiramidais que tenham aparecido durante o estudo. Importante ressaltar que trata-se de um estudo financiado por laboratórios.

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Resultados

Nos resultados foi possível observar que as propriedades macroscópicas, que avaliam as conexões da rede, não se alteraram em relação ao placebo. Contudo, as propriedades microscópicas indicam que a avolição foi central entre os pacientes que receberam placebo e que a roluperidona reduziu seus níveis de centralidade.

Algumas implicações desse achado envolvem o seguinte:

  • A falta de efeitos macroscópicos sugere que o desenvolvimento de novas drogas não precisa focar nos mecanismos que tenham relevância nos 5 domínios de sintomas negativos. Enquanto a especificidade do efeito em um único domínio dentro da análise microscópica indica que o alvo do desenvolvimento do tratamento deve focar naquele domínio, tendo-se a expectativa de que todos os demais sintomas vão melhorar se aquele for tratado de forma eficaz.
  • A especificidade dos efeitos da análise microscópica na experiência interna da avolição é importante. Isso sugere que dissociar a influência dos processos motivacionais sobre outros aspectos dos sintomas negativos deve ser o objetivo do tratamento farmacológico.
  • A observação que a experiência interna da avolição foi mais central para o tratamento bem sucedido favorece uma análise sobre os processos subjacentes dos sintomas negativos, o que é consistente com hipóteses históricas. Ainda não está claro como esse sistema de rede de sintomas ocorre ao nível dos neurônios. Conceitos modernos sobre a fisiopatologia da avolição propõem que alterações disfuncionais córtico-estriatais levam a prejuízos numa série de processamentos dos mecanismos de recompensa que impedem o início de um comportamento direcionado a uma intenção. É possível que a disfunção nesses circuitos e nos processos de recompensa tenham um efeito ainda não reconhecido nos domínios dos outros sintomas negativos. Dados os seus mecanismos de ação a roluperidona pode produzir efeitos benéficos nesses circuitos de recompensa, com impacto direto no sintoma negativo que é o mais central para as melhoras globais: a avolição.

Conclusões

Apesar de algumas limitações do estudo, os resultados indicam que a avolição tem um papel central na patologia dos sintomas negativos. Déficits motivacionais podem estar no cerne do embotamento afetivo, da alogia, da anedonia e nos déficits de socialização. O tratamento eficaz dos déficits motivacionais são a chave para a melhora bem sucedida dos sintomas negativos. Modelos animais que tentam mapear como a avolição se manifesta na esquizofrenia, como a superexpressão do receptor D2 em camundongos, podem ser úteis para o desenvolvimento de um alvo de tratamento. A análise de rede também pode ser uma ferramenta promissora na determinação de como as medicações psiquiátricas são eficazes.

Análises univariadas tradicionais fornecem uma indicação se a droga é eficaz comparada ao placebo, mas não como se dá o seu efeito. Como evidenciado pela análise microscópica sobre o papel da avolição, a análise de rede é capaz de indicar se certos sintomas estão direcionando a resposta ao tratamento ao terem influências dinâmicas em todo o conjunto de sintomas.

Novos estudos devem considerar a análise microscópica para determinar qual domínio é o mais central e usar essa informação para avaliar a melhor abordagem para o mesmo. Por exemplo, uma vez que várias medicações e tratamentos psicossociais são desenvolvidos e são eficazes para os sintomas negativos, avaliações da rede indicam se um paciente tem como sintoma mais central avolição, anedonia, ou embotamento afetivo para direcionar o curso do tratamento baseado nos mecanismos de ação. O uso desses “fenótipos computacionais” para guiar a tomada de decisões pode ser uma nova abordagem para uma prática mais personalizada.

Referência bibliográfica:

  • Strauss GP, Esfahlani FZ, Sayama H, Kirkpatrick B, Opler MG, Saoud JB, Davidson M, Luthringer R. Network Analysis Indicates That Avolition Is the Most Central Domain for the Successful Treatment of Negative Symptoms: Evidence From the Roluperidone Randomized Clinical Trial. Doi:10.1093/schbul/sbz141.

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