Uso de AINE em paciente com doença cardiovascular deve ser evitado, mas e se não for possível evitar?

Nas últimas duas décadas, diversos estudos mostraram uma relação de risco trombótico do uso de AINE em pacientes com doença cardiovascular.

Nas últimas duas décadas, diversos estudos mostraram uma relação de risco trombótico do uso de anti-inflamatórios não esteroidais em pacientes com doença cardiovascular, sobretudo pós-infarto do miocárdio (IAM), e a recomendação de se evitar essas drogas nesse cenário está presente nas diretrizes das principais sociedades de cardiologia.

O mecanismo provável é a inibição da síntese de prostaglandinas, observada mesmo em inibidores seletivos da COX-2. Esse fato, inclusive, motivou a retirada do mercado do rofecoxib e valdecoxib. Além disso, também é conhecido que os AINEs aumentam o risco de sangramento, sobretudo no trato gastrointestinal, o que pode ser particularmente problemático em pacientes que utilizam antiagregantes plaquetários e anticoagulantes.

Apesar disso, sabe-se que uma grande parcela de pacientes com comorbidades cardiovasculares acaba utilizando esse tipo de medicamento ao longo da vida. De fato, em algumas situações, como em doenças reumatológicas, é muito difícil evitá-los.

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Paciente em consulta devido problemas com AINE

Estudo com AINE

Um grande estudo sul-coreano, publicado recentemente, avaliou o efeito do uso de AINE em pacientes pós-IAM. Trata-se de uma coorte com mais de 100 mil pacientes, analisados a partir de um registro nacional de seguridade de saúde, cuja cobertura é de praticamente a totalidade da população do país. A média de idade dos pacientes foi de 64 ±12,8 anos, sendo 72% homens. O tempo médio de seguimento foi de 2,3±1,7 anos.

O desfecho primário do estudo foi a ocorrência de eventos trombóticos, composto por novo IAM, acidente vascular isquêmico ou embolia arterial sistêmica. O desfecho secundário foi sangramento clínico relevante, composto por sangramento em trato gastrointestinal, intracraniano, respiratório, urinário ou anemia pós-sangramento. Uma análise de subgrupos foi pré-especificada, avaliando diferentes AINEs e diferentes regimes de drogas antitrombóticas usadas concomitantemente.

Resultados

O desfecho primário (eventos trombóticos) ocorreu em 24% dos pacientes, com uma taxa de eventos por 100 pessoas-ano de 118.8 e 10.5 em pacientes com e sem uso concomitante de AINEs, respectivamente. A razão de risco em função do tempo (hazard ratio – HR), após ajuste de variáveis como idade, sexo e comorbidades, foi de 6.69 (6.2-7.8).

Em relação ao desfecho secundário, sangramentos ocorreram em 23,4% da população do estudo. A razão de risco ajustada (HR) foi de 4.08 (3.51-4.73) para o grupo que utilizou AINEs. Esse risco foi significativamente maior em todos os subgrupos de uso concomitante de antiplaquetários ou anticoagulantes.

Em relação à análise de subgrupos formados pelo tipo de AINE, em relação ao desfecho primário, o celecoxibe e meloxicam mostraram as menores razões de risco, com HR de 4.65 (3.2-6.8) e 3.03 (1.7-5.4), respectivamente. O maior risco esteve relacionado ao naproxeno, com HR de 10.6 (6.8-16.6). Em relação ao desfecho secundário, apenas o naproxeno esteve relacionado a um maior risco de sangramento, comparado ao celecoxibe (HR de 2.9,com IC95% de 1.02-8.22).

Na prática, o que fazer?

A justificativa para esta análise pelos autores era que, apesar de a relação entre AINEs e risco cardiovascular parecer bem estabelecida, faltavam dados em outras populações, sobretudo as orientais. O estudo corroborou evidências prévias, mas trouxe algumas informações novas e que contradizem dados anteriores.

Uma coorte dinamarquesa, por exemplo, sugeria que o naproxeno parecia ser o AINE mais seguro nesse contexto e, no estudo presente, este teve o pior desempenho. Outro dado interessante foi que, de acordo com estudos prévios, esperava-se que o aumento de risco estivesse relacionado a um tempo relativamente longo de uso dos anti-inflamatórios (a partir de quatro semanas), mas neste estudo os autores encontraram evidência de risco a partir de uma semana.

Além das limitações inerentes ao desenho retrospectivo e não randomizado do estudo, vale ainda ressaltar que no período analisado não eram utilizados os antiagregantes plaquetários mais recentes, como o prasugrel e o ticagrelor, assim como os anticoagulantes orais diretos (DOACs).

Embora retrospectiva, a análise sul-coreana incluiu um grande número de pacientes, fornecendo dados bastante robustos. A recomendação de evitar AINEs em pacientes pós-IAM, mesmo por curtos períodos é, sem dúvida, corroborada pelo estudo. Os dados também parecem suportar uma preferência pelo celecoxibe e meloxicam quando o uso de AINE em pacientes pós-IAM for inevitável.

Referências bibliográficas:

  • Kang, DO et al. Cardiovascular and Bleeding Risks Associated With Nonsteroidal Anti-Inflammatory Drugs After Myocardial Infarction – J Am Coll Cardiol. 2020 Aug, 76 (5) 518-529.
  • Badimon, JJ and Santos-Gallego CG. Is Increased Cardiovascular and Bleeding Risk the Price for Pain Relief? J Am Coll Cardiol. 2020 Aug, 76 (5) 530-532.

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