Uso de estatinas e sobrevida livre de deficiências e de doenças cardiovasculares entre idosos

Já se conhece os benefícios das estatinas na prevenção secundária, mas permanece a incerteza sobre eles em idosos com mais de 70 anos sem DCV.

A prevenção primária de doenças cardiovasculares é uma estratégia cada vez mais importante para o envelhecimento saudável devido à elevada prevalência destas patologias na população idosa. Já estão bem estabelecidos os benefícios da terapia com estatinas na prevenção secundária. No entanto, permanece a incerteza sobre esses benefícios em idosos com mais de 70 anos sem DCV, que em geral estão subrepresentados nos ensaios clínicos.

Devido a essa escassez de evidência, as estatinas vêm sendo usadas nos mais idosos com base, pelo menos em parte, na extrapolação das conclusões em grupos mais jovens.

Além disso, os idosos podem experimentar danos imediatos das estatinas e, por outro lado, não viver tempo suficiente para desfrutar dos benefícios cardiovasculares delas.

O estudo resumido nesse post teve como objetivo avaliar a associação entre estatinas e sobrevida livre de demência, de deficiências e de doenças cardiovasculares entre idosos saudáveis. Foram utilizados os dados do ASPREE (Aspirin in Reducing Events in the Elderly) trial.

Leia também: Pacientes em uso de estatinas podem ter melhor prognóstico na Covid-19?

Idosos com mais de 70 anos se questionam sobre os benefícios do uso de estatinas

Métodos

O ASPREE foi um ensaio clínico randomizado que incluiu 19.114 pessoas com mais de 65 anos e livres de doença cardiovascular, que viviam na Austrália e nos Estados Unidos. Os dados para esse estudo foram coletados para aqueles com mais de 70 anos de idade.

Os participantes que tomavam estatinas no início do estudo foram comparados com aqueles que não usavam. O desfecho primário foi “sobrevida livre de deficiência”, que consistiu em um composto de mortalidade por todas as causas, demência ou deficiência física persistente.

Os desfechos secundários incluíram os componentes individuais do desfecho primário composto, eventos cardiovasculares, DCV fatal, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral.

Resultados

Dos 18.096 participantes incluídos (idade média de 74,2 anos, 56,0% mulheres), 5.629 tomavam estatinas no início do estudo.

Ao longo de um período de acompanhamento médio de 4,7 anos, o uso de estatina não foi associado à sobrevida livre de deficiência ou com risco reduzido de mortalidade por todas as causas ou demência. No entanto, foi associado a riscos menores de deficiência física e de eventos cardiovasculares.

  • A tabela abaixo mostra as curvas de Kaplan-Meier, que nos traz a incidência acumulada dos desfechos primários e secundários ao longo do período de seguimento.

  • Essa outra tabela mostra o Hazard Ratio dos desfechos avaliados.

O que essa tabela nos mostra: Foram analisadas as associações com o uso de estatinas para os componentes do desfecho primário composto separadamente.

Não houve associação entre o uso de estatina e mortalidade por todas as causas ou demência. Contudo, o uso de estatina foi associado a uma redução significativa do risco de deficiência física.

Além disso, o uso de estatina também esteve associado a riscos significativamente reduzidos de MACE, DCV fatal, IAM e AVC.

Foi realizada análise de sensibilidade e a associação entre o uso de estatina e o desfecho primário foi considerada consistente entre os subgrupos estratificados por diabetes, hipertensão, história familiar de DCV e tabagismo, indicando uma baixa probabilidade de confusão decorrente dessas indicações clínicas para tratamento com estatinas.

Saiba mais: Estatina venosa durante o infarto do miocárdio é eficaz?

Discussão

Este é o primeiro estudo a avaliar a associação do uso de estatinas com a sobrevida livre de deficiência, uma medida robusta de vida saudável, produtiva e independente em idosos. Comparando os resultados desse estudo com os achados do ensaio ASPREE principal, que mostrou benefícios cardiovasculares mínimos, mas alto risco de sangramento com a aspirina, a prevenção primária com estatinas parece ser uma estratégia mais promissora para o envelhecimento saudável.

Existe uma preocupação geral sobre a prescrição de estatinas para idosos com mais de 75 anos por causa de um possível risco aumentado para efeitos adversos que podem levar à fragilidade, incapacidade e qualidade de vida prejudicada. Dois estudos anteriores da coorte do Helsinki Businessmen Study, no entanto, mostraram que o uso de estatina não estava associado a comprometimento da qualidade de vida nem ao risco de fragilidade em octogenários do sexo masculino, apesar de uma taxa mais alta de multimorbidade em usuários de estatina.

Os resultados desse estudo também aliviam algumas dessas preocupações, mostrando uma diminuição de 25% no risco de deficiência física com o uso de estatina, com o benefício mais pronunciado naqueles com mais de 75 anos de idade. Esta associação foi enfraquecida após a exclusão daqueles que experimentaram MACE antes de ter deficiência física na amostra do estudo, sugerindo que o efeito protetor das estatinas contra a deficiência foi devido, em parte, ao seu papel na prevenção da morbidade cardiovascular. Observamos uma associação clara entre o uso de estatina e menor risco de desfechos de DCV que foram consistentes com os resultados de meta-análises anteriores de estudos de prevenção primária, incluindo idosos.

Um ponto forte deste estudo é o uso de dados de um ensaio randomizado contemporâneo em uma grande população idosa com distribuição de idade e sexo comparável a populações reais. O estudo foi sujeito a um controle de qualidade rigoroso e todos os desfechos foram ativamente selecionados, verificados (com base em medidas validadas) e adjudicados.

Limitações do estudo: Não se pode estabelecer relações causais, por se tratar de estudo observacional. No entanto, os HRs apresentados aumentam a probabilidade de que o desfecho seja resultado da exposição à estatina.

Conclusões

Entre idosos saudáveis com mais de 70 anos, que vivem na comunidade, o uso de estatinas pode ser benéfico para prevenir deficiência física e DCV, mas não provou prolongar a sobrevivência livre de deficiência ou evitar a morte ou demência. Futuros ensaios clínicos são necessários para confirmar esses achados.

Referências bibliográficas:

  • Zhou Z, Ofori-Asenso R, Curtis AJ, Breslin M, Wolfe R, McNeil JJ, Murray AM, Ernst ME, Reid CM, Lockery JE, Woods RL, Tonkin AM, Nelson Association of Statin Use With Disability-Free Survival and Cardiovascular Disease Among Healthy Older Adults. J Am Coll Cardiol. 2020 Jul 7;76(1):17-27. doi: 10.1016/j.jacc.2020.05.016. PMID: 32616158.

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