Uso de mindfulness no tratamento da migrânea

Artigo recente publicado no JAMA Internal Medicine pretende avaliar a eficácia de uma técnica de mindfulness sobre a migrânea.

A migrânea, uma forma de cefaleia (dor de cabeça) popularmente conhecida como “enxaqueca”, é uma condição relativamente comum e incapacitante, sendo 2 vezes mais prevalente em mulheres do que em homens. Apesar disso, muitos pacientes consideram o tratamento farmacológico desafiador, visto que não é isento de efeitos colaterais. Por isso, alguns grupos vêm pesquisando abordagens não farmacológicas para as cefaleias. Este é o caso de um artigo recentemente publicado no JAMA Internal Medicine e citado no Medscape (referências na bibliografia) e que pretende avaliar a eficácia de uma técnica de mindfulness sobre esta condição. O estudo proposto é um ensaio clínico randomizado que compara o tratamento baseado em mindfulness com um programa educativo sobre cefaleia.

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Técnica de mindfulness contra migrânea

Características da técnica

A técnica testada chama-se Mindfulness-based stress reduction (MBSR), que significa, em tradução livre, “redução do estresse baseado em mindfulness”. Ela inclui práticas de atenção plena e meditação, que envolvem o escaneamento corporal e promovem a concentração em diferentes partes do corpo. Essa modalidade pode guardar semelhanças com algumas práticas de yoga. Tal abordagem já parece aliviar quadros de dores crônicas e de estresse, sendo este último um dos principais gatilhos da migrânea.

A população estudada era de adultos que sofriam entre 4 e 20 episódios de migrânea por mês ao longo de 1 ano.  Os autores definiram que um dia com migrânea era aquele em que apresentavam cefaleia de moderada a grave, com nível de intensidade da dor entre 6 e 10 (numa escala que varia de 0 a 10), e duração superior a 4 horas ou com tratamento medicamentosos agudo. Os participantes foram randomizados entre 2 grupos: um grupo recebeu a terapia baseada em mindfulness e o outro, um programa educativo sobre cefaleias.

Características dos pacientes

Apesar de 96 participantes terem sido selecionados, 89 frequentaram pelo menos 1 aula e completaram ao menos 1 registro sobre a cefaleia. A amostra foi composta por participantes majoritariamente do sexo feminino (92%), de etnia branca (89%) e com ensino superior (94%). Cerca de 71% das pessoas do grupo controle e 40% do grupo de intervenção usavam alguma forma de medicação profilática para as crises. Em ambos os grupos pode-se encontrar comorbidades psiquiátricas, principalmente depressão (43%) e alguma forma de transtorno ansioso (38%).

O grupo que participou da intervenção com mindfulness foi submetido a 2 horas semanais de exercício ao longo de 8 semanas e também recebeu áudios eletrônicos, sendo encorajados a ouvi-los por 30 minutos diariamente. Já o grupo que recebeu o programa educativo sobre cefaleia teve um tempo de intervenção similar, mas durante o qual recebeu informações sobre a fisiopatologia, gatilhos, tratamentos, dentre outras informações sobre cefaleia. O acompanhamento de ambos os grupos ocorreu com 12, 24 e 36 semanas e os participantes deveriam fazer registros diários sobre cefaleia (se tiveram dor de cabeça, sua intensidade, duração, sintomas, desconforto e uso de medicação).

Desfechos

O desfecho primário avaliado era a mudança no número de dias por mês com migrânea entre a data de início do estudo e a 12ª semana, enquanto os desfechos secundários estavam relacionados com dor, qualidade de vida, incapacidade, sintomas depressivos e ansiosos. Para tais avaliações foram usados instrumentos apropriados, como o PHQ-9 (para depressão), o GAD-7 (para ansiedade), MIDAS (para incapacidade), dentre outros. A cada avaliação os pesquisadores optaram também por testar a dor com um dispositivo térmico de forma a avaliar o desconforto e a intensidade da dor associada.

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Após 12 semanas, ambos os grupos apresentaram uma redução no número de dias com migrânea por mês, sem que houvesse diferença estatisticamente significativa entre eles. Segundo uma das autoras, apesar de não ser esperado que o grupo de controle (que recebeu o programa educativo) apresentasse tal redução, isso poderia indicar que a educação sobre o assunto provavelmente forneceu informações que fizeram a diferença para os participantes. Ela ainda enfatiza que o uso de medicação profilática não influenciou a diferença entre os resultados.

No entanto, no que diz respeito aos efeitos secundários, o grupo de intervenção (que recebeu a técnica baseada em mindfulness) apresentou melhoras estatisticamente significativas em relação à melhora dos sintomas relacionados à incapacidade pela cefaleia e qualidade de vida. Houve também melhora comparativa no que diz respeito à dor e aos níveis de depressão, com efeito observado até a 36ª semana. Estes participantes também apresentaram menor percepção de desconforto e intensidade da dor no teste de dor realizado, enquanto o grupo de controle não apresentou diferenças significativas. Um dos autores sugere que os praticantes de mindfulness talvez possam aprender a perceber e processar a dor de outras formas ou que tenham desenvolvido novas maneiras para responder ao estresse.

Conclusão

Apesar deste estudo não ter observado diferenças importantes no desfecho primário, ou seja, não foi encontrada nenhuma alteração significativa no número de dias com migrânea, os resultados dos desfechos secundários foram positivos e podem trazer o questionamento sobre que tipos de desfechos devem ser priorizados em estudos não farmacológicos como este. Afinal, foram descritas melhora na qualidade de vida, incapacidade, dor e nos sintomas depressivos após até 36 semanas. Apesar de serem necessários outros tipos de trabalhos neste sentido, a terapia com mindfulness talvez possa se tornar uma aliada no tratamento destes pacientes, diminuindo o impacto negativo desta condição em suas vidas.

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Referências bibliográficas:

  • Kowacs F, Macedo DDP, Silva-Néto RP, et al. Classificação Internacional de Cefaléias, 3a Edição. Comitê De Classificação das Cefaleias da Sociedade Internacional de Cefaleia. Tradução da Sociedade Brasileira de Cefaleia com Autorização da Sociedade Internacional de Cefaleia. São Paulo; 2019.
  • Wells RE, O´Connell N, Pierce CR, et al. Effectiveness of Mindfulness Meditation vs Headache Education for Adults With Migraine – A Randomized Clinical Trial. JAMA Internal Medicine, December 14th, 2020. doi:10.1001/jamainternmed.2020.7090
  • Anderson P. ‘Dramatic Impact’ of Mindfulness on Migraine. Medscape Psychiatry, December 17th, 2020.

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