Uso dos antídotos dos novos anticoagulantes em pacientes com sangramento grave

O manejo do sangramento por anticoagulantes consiste de tratamento de suporte, uso de pró-coagulantes e antídotos específicos. Saiba mais.

Os novos anticoagulantes (NOAC) já são mais utilizados que os antagonistas de vitamina K (AVK) nos países da União Europeia e Estados Unidos. Apesar de serem mais seguros que os AVK, sua introdução tem sido associada a aumento do número de internações por sangramento, provavelmente devido ao aumento do número de pacientes em uso de anticoagulantes.

O manejo do sangramento desencadeado pelos anticoagulantes consiste de tratamento de suporte, uso de pró-coagulantes e, grande parte das vezes, de antídotos específicos. Um dos pró-coagulantes mais usados é o complexo protrombínico com quatro fatores (4PCC) e os dois antídotos específicos disponíveis atualmente são o idarucizumabe e o andexanet alfa, sendo que não há estudos comparando essas medicações.

Foi feita então uma revisão sistemática e metanálise para investigar os desfechos clínicos associados ao uso do 4PCC comparativamente aos antídotos específicos em pacientes com sangramento grave.

Saiba mais: Como manejar sangramentos causados por anticoagulantes orais?

anticoagulantes

Método do estudo e população envolvida

Os critérios de inclusão foram estudos que avaliaram o uso do 4PCC, idarucizumabe ou andexanet nos sangramentos graves ou não controlados associados ao uso dos anticoagulantes. Os sangramentos considerados foram os ameaçadores a vida, com instabilidade hemodinâmica, os com queda maior que 2 pontos na hemoglobina ou sangramento em órgãos ou regiões críticas.

Os estudos foram pesquisados em bases de dados e foram obtidas informações sobre o tipo do estudo, critérios de inclusão e exclusão, características dos pacientes, tipo de anticoagulantes, indicação da anticoagulação, tipo e dose da medicação utilizada para reverter o sangramento e duração da internação e seguimento. Além disso, no caso de estudos não randomizados, foi feito o cálculo do risco de viés.

O desfecho principal foi mortalidade por todas as causas e o desfecho secundário foram os eventos tromboembólicos, tanto venosos quanto arteriais. Também foram feitas análises em relação a hemostasia, taxa de ressangramento após o controle inicial e o grau de comprometimento neurológico do paciente após hemorragia intra-craniana (HIC). Além disso, foi calculado o risco relativo (RR) de óbito dos pacientes que não apresentaram hemostasia efetiva em relação aos que apresentaram.

Resultados

Do total de estudos avaliados, 60 foram incluídos na análise, sendo 48 coortes retrospectivas, 10 coortes prospectivas e 2 ensaios clínicos. O total de pacientes foi 8636 e 4735 tiveram sangramento importante relacionado a NOAC. Destes, 2688 receberam 4PCC, 1111 idarucizumabe e 936 andexanet. Em relação ao risco de viés, 45 estudos tinham risco alto, 13 moderado e 2 baixo, sendo que 10 tinham critérios de exclusão que poderiam interferir nas taxas de mortalidade e eventos embólicos. Os principais achados foram:

  • Dos 4735 pacientes que tiveram sangramento 57% eram homens, a idade média era 77 e 55% tiveram sangramento intracraniano.
  • O motivo da anticoagulação foi fibrilação atrial (FA) em 82% dos casos, tromboembolismo venoso (TEV) em 14% e outras causas em 4%.
  • Os NOAC usados foram rivaroxabana em 36%, apixabana em 32%, dabigatrana em 31% e edoxabana em 1%.
  • A dose das medicações usadas para o tratamento do sangramento variou entre os estudos e o tempo médio para sua realização após a última dose do NOAC foi de 13,8 horas.
  • A transfusão de concentrado de hemácias, plasma fresco congelado, plaquetas e realização de ácido tranexâmico variou entre os estudos, assim como os procedimentos invasivos, incluindo neurocirurgia, endoscopia, embolização, pericardiocentese e outros.
  • Após a resolução do sangramento, o NOAC foi reiniciado em 57% dos pacientes em uma média de 11 dias. 

Mortalidade

  • Dos pacientes que tiveram sangramento, 623 (17,7%) morreram e houve bastante heterogeneidade entre os estudos. A mortalidade foi maior nos estudos que duraram mais que 30 dias (19,7%) comparado aos com menor tempo de duração (13,7%) e também foi maior nos pacientes com sangramento intracraniano comparado aos com sangramento extracraniano (20,2% x 13,3%).
  • Não houve diferença de mortalidade em relação ao tipo de medicação utilizada para reverter a anticoagulação, tipo de estudo, risco de viés ou patrocinador.
  • Em relação as causas de óbito, 67,8% foram relacionadas ao sangramento inicial, 1,4% por TEV e 30,2% por outras causas.

Eventos tromboembólicos

  • Ocorreram em 159 de 3092 pacientes e o risco foi maior com andexanet (10,7%) e menor com 4PCC (4,3%) e idarucizumabe (3,8%), sem diferença nos resultados em relação ao tipo de sangramento, tipo de estudo, risco de viés e duração dos estudos.
  • As taxas de TEV e tromboembolismo arterial (TEA) foram respectivamente 1,2% e 2,2%, sendo que o risco foi maior com andexanet (TEV 5,5% e TEA 5,0%) e menor com 4PCC (2,4% e 2,2%) e idarucizumabe (1,7% e 3,3%).

Avaliação da hemostasia

  • Hemostasia efetiva foi alcançada em 78,5% dos pacientes, com grande heterogeneidade entre os estudos, provavelmente por conta de diferentes definições de hemostasia efetiva entre eles. Os resultados foram mais homogêneos quando usada a definição do ISTH e de Sarode.
  • Hemostasia efetiva foi alta com 4PCC (80,1%), idarucizumabe (76,7%) e andexanet (80,7%) e esses resultados foram melhores em estudos retrospectivos, com alto risco de viés e com critérios de exclusão mais significativos comparado aos estudos prospectivos, com risco baixo ou moderado de viés e sem critérios de exclusão significativos.
  • Apenas 28 de 232 pacientes (de seis estudos) tiveram ressangramento, sendo 78% foi após retorno da anticoagulação e com uma média de 13,4 dias pós internação.
  • A falha em conseguir a hemostasia levou a aumento maior que três vezes no risco de mortalidade em comparação aos pacientes que tiveram hemostasia efetiva (RR 3,63 , IC 95% 2,56- 5,16). Esse resultado foi obtido com dados de 12 estudos e se manteve independentemente do tipo do estudo, risco de viés, escala de hemostasia utilizada e tipo de medicação utilizada.

Comprometimento neurológico após HIC

  • 96 de 160 pacientes(de 4 estudos), tiveram comprometimento moderado a importante na alta, pela escala de Rankin modificada. Outros 5 estudos relataram se houve desfecho bom ou ruim, com 54 de um total de 198 pacientes tendo desfecho bom e o restante ruim. 

Conclusão 

Esta metanálise mostrou alto risco de mortalidade (18%) nos pacientes com sangramento grave relacionado a anticoagulantes, apesar do uso de medicação para reverter o efeito anticoagulante. O risco de mortalidade variou entre os estudos e com sua duração, sendo este o principal determinante da sua variabilidade. 

A hemostasia efetiva ocorreu em grande parte dos casos (79%) e foi o maior preditor de sobrevida. Quando ela não era alcançada, o risco de mortalidade era três vezes maior. Nesses casos, novas tentativas devem ser feitas com o objetivo de se conseguir a hemostasia. Além disso, o risco de mortalidade foi maior quando o sangramento era intracraniano, porém menor que nos estudos iniciais com anticoagulantes, quando não havia antídotos disponíveis. Apesar dessa mortalidade menor, a taxa de comprometimento neurológico do paciente que sobrevive é bastante alta.

Este estudo teve dois achados bastante interessantes. O primeiro é que a taxa de eventos tromboembólicos foi maior com uso de andexanet, o que pode ser justificado pelo aumento transitório da geração de trombina causado pela medicação e isso deve ser confirmado em estudos futuros. O segundo é que o efeito do 4PCC parece ser semelhante ao dos antídotos específicos e pode ser uma opção muito útil em locais onde não há antídotos. 

O retorno do anticoagulante deve ser feito com cautela. O recomendado é que seja reiniciado assim que o risco trombótico superar o risco de sangramento, geralmente em até uma semana do evento. Neste estudo, isto ocorreu com 11 dias e a taxa de ressangramento foi de 13,2%, sendo que 82% desses sangramentos foram intracranianos.

Leia também: Anticoagulantes orais diretos para tratamento de tromboembolismo venoso em pacientes com tumor cerebral

É importante ressaltar que a maioria dos estudos foram retrospectivos e com alto risco de viés, porém a análise de mortalidade e eventos tromboembólicos tiveram resultados semelhantes, independente do tipo de estudo e do risco de viés. Mais estudos são necessários para confirmar esses achados e já há um ensaio clínico em andamento com objetivo de comparar a andexanet com tratamento padrão para hemorragia intracraniana em pacientes em uso de inibidores do fator Xa.

Referência bibliográfica:

  • Antonio Gómez-Outes, et al. Meta-Analysis of Reversal Agents for Severe Bleeding Associated With Direct Oral Anticoagulants. Journal of the American College of Cardiology. Volume 77, Issue 24. 2021.
    https://doi.org/10.1016/j.jacc.2021.04.061.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.