Vale a pena fazer rastreamento para fibrilação atrial (FA) em adultos assintomáticos?

A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum e pode se apresentar com ou sem sintomas, sendo a idade um fator de risco.

A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum e pode se apresentar com ou sem sintomas, sendo a idade um fator de risco para sua ocorrência. Seu tratamento é baseado em controle de ritmo ou frequência cardíaca e a anticoagulação é indicada em uma parte dos casos como forma de prevenção de eventos tromboembólicos.  

Recentemente, o US Preventive Task Force publicou uma revisão atualizada sobre o rastreamento de FA em pacientes adultos assintomáticos. O potencial benefício do rastreamento seria identificar os pacientes antes que tenham um evento tromboembólico.

FA

Métodos do estudo 

Foi uma atualização das recomendações de 2018, com inclusão de novos artigos publicados em inglês nas bases de dados PubMed e Cochrane Library entre maio de 2017 e outubro de 2020. Os estudos tinham que preencher os critérios de inclusão, ter boa qualidade metodológica e ter sido conduzidos em países com alto nível de desenvolvimento.  

Os estudos foram selecionados para responder perguntas específicas, com foco em pacientes maiores de 50 anos assintomáticos e sem história de acidente vascular cerebral (AVC) ou acidente isquêmico transitório (AIT) prévios. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados controlados e estudos de screening controlados não randomizados, com desfechos de saúde, detecção de FA e riscos do screening. Estudos do tipo caso-controle foram excluídos pelo risco de viés, assim como os que avaliaram pacientes sintomáticos ou com FA conhecida.  

Em relação ao tipo de screening, foram incluídos estudos que avaliaram o uso de exames em consulta, eletrocardiograma (ECG) de doze derivações fora do consultório e ECG ou outras tecnologias de avaliação contínua de ritmo. Palpação de pulso e ausculta cardíaca não foram considerados, já que consistem da avaliação habitual realizada em consulta.  

Para avaliação da efetividade e riscos do tratamento foram incluídos ensaios clínicos controlados randomizados e estudos de intervenção controlados e não randomizados, além de revisões sistemáticas comparando anticoagulação ao placebo ou não tratamento. Para avaliação dos riscos do tratamento também foram incluídos grandes estudos de coorte retrospectivos e revisões sistemáticas de coorte prospectivos.

Resultados 

Foram incluídos 26 estudos de 33 publicações, sendo doze deles novos em relação a revisão de 2018. 

Quanto ao benefício de se realizar screening, apenas um ensaio clínico (EC) foi desenhado com esta finalidade e tinha poder estatístico para avaliar desfechos. Neste estudo, o grupo intervenção, que realizou ECG duas vezes ao dia por duas semanas, teve menor ocorrência de eventos no seguimento de 6,9 anos em relação ao grupo controle (5,45 eventos por 100 pessoas-ano x 5,68 eventos por 100 pessoas-ano, IC95% 0,92-1,00, p = 0,045).  Essa redução foi no desfecho composto (AVC isquêmico, hemorrágico, embolia sistêmica, sangramento com necessidade de hospitalização e mortalidade por todas as causas) e quando seus componentes foram avaliados isoladamente não houve diferença entre os grupos. Outros dois EC tinham informações limitadas em relação aos desfechos.  

Oito EC randomizados avaliaram se o screening sistemático com testes diagnósticos era melhor que a avaliação clínica habitual para detecção da FA. Seis destes estudos compararam screening com ECG à não realização de screening, um comparou ECG com palpação de pulso e um comparou ambos. Desses, quatro realizavam ECG durante a consulta e dois faziam ECG duas vezes ao dia por duas semanas. Dois desses estudos realizavam ECG contínuo por duas semanas e um dos estudos utilizou aparelhos de medida de pressão arterial automáticos. O seguimento variou de quatro a doze meses. 

Utilizando-se o screening com ECG único, foram identificados mais casos de FA, porém em apenas um estudo houve diferença estatística. Nos estudos que avaliaram métodos de ECG intermitente ou contínuo houve maior detecção de FA que no grupo sem screening, com variação do risco relativo de 1,1 a 11,2. 

Quatro estudos avaliaram os possíveis malefícios do rastreamento da FA: ansiedade, AVC hemorrágico e sangramento com necessidade de hospitalização. Não houve diferença estatística entre os grupos. O screening com ECG contínuo gerou irritação de pele em 1,2 a 1,5% dos pacientes. O uso de anticoagulantes, antiarrítmicos e realização de procedimentos foi maior no grupo que realizou rastreamento. 

Nenhum estudo avaliou especificamente o benefício de anticoagulação em pacientes assintomáticos com diagnóstico de FA por rastreamento. Cinco EC randomizados avaliaram anticoagulação em pacientes com FA detectada clinicamente, sendo a maioria FA persistente. Todos usaram varfarina e houve benefício em redução de mortalidade por todas as causas, AVC isquêmico e AVC com sequelas moderas ou graves, comparado ao grupo controle. Cinco revisões sistemáticas e uma metanálise que incluiu 21 estudos encontraram os mesmos resultados. 

Assim, como em relação aos benefícios, nenhum estudo avaliou especificamente os malefícios da anticoagulação em pacientes assintomáticos com diagnóstico de FA por rastreamento. Os mesmos cinco estudos que avaliaram benefícios da anticoagulação em pacientes com FA detectada clinicamente avaliaram seu malefícios e, dos 2415 participantes, 20 do grupo varfarina e 11 do grupo controle tiveram sangramento, sem diferença estatística. Na metanálise de 21 estudos, o OR para sangramento variou de 1,38 a 2,21 na avaliação de quatro novos anticoagulantes comparados ao placebo, também sem diferença estatística. No estudo GARFIELD, o HR para ocorrência de primeiro evento de sangramento foi de 1,73 (IC95% 1,33-2,25) para participantes em uso de qualquer anticoagulantes (NOAC ou varfarina).

Leia também: Reversão da fibrilação atrial (FA) recém-diagnosticada altera mortalidade?

Comentários e conclusão 

Baseado nos resultados descritos, não há evidência suficiente para realização de screening de FA em pacientes adultos assintomáticos. O ECG intermitente ou contínuo detecta mais FA do que a não realização de exame.  

A evidência existente em relação aos malefícios do screening é insuficiente para ansiedade e desfechos de sangramento e tem nível baixo para aumento de medicações e realização de exames e nível moderado para irritação de pele em caso de ECG contínuo. Em relação a anticoagulação o nível de evidência é moderado tanto para o benefício quanto para o malefício da sua realização. 

Apesar de o screening de FA detectar maior número de casos, a evidência em relação aos seus efeitos, levando em conta desfechos, benefícios e malefícios é limitada. A anticoagulação reduz risco de AVC e mortalidade, porém aumenta o risco de sangramento em pacientes com FA. Porém, nenhum estudo avaliou esses desfechos na população adulta assintomática submetida a rastreamento da FA, sendo que há vários estudos em andamento e num futuro breve teremos mais evidência acerca deste tema.

Referências bibliográficas:

  • Kahwati LC, Asher GN, Kadro ZO, et al. Screening for Atrial FibrillationUpdated Evidence Report and Systematic Review for the US Preventive Services Task ForceJAMA. 2022;327(4):368–383. doi:10.1001/jama.2021.21811

 

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