Veja orientações da nova diretriz para tratamento da enxaqueca

A International Headache Society decidiu lançar esta nova edição dos guidelines, devido ao surgimento de diversos novos tratamentos da enxaqueca (migrânea). Veja:

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Em 1991 foi proposta a primeira versão dos Guidelines of the International Headache Society for Controlled Trials of Acute Treatment of Migraine Attacks in Adults, cujo objetivo era aumentar a comparabilidade e qualidade dos estudos sobre tratamento de migrânea (enxaqueca) em adultos em todo o mundo; estes guidelines já foram revisados até a terceira edição (2012), e foram adotados como critérios para decisões sobre liberação de novos fármacos tanto pela Food and Drug Administration (FDA – EUA) quanto pela European Medicine Agency (EMA – União Européia).

A International Headache Society (IHS) então decidiu lançar esta nova edição dos guidelines, devido ao surgimento recente de diversos novos tratamentos para ataques agudos de migrânea, como antagonistas de receptores CGRP, agonistas de receptores de serotonina, novas fórmulas de triptanos e abordagens de neuromodulação. Este novo conjunto de guidelines consolida as informações dos anteriores, e tenta apresentar uma abordagem mais prática (chamada pelos autores de “toolbox”), a fim de facilitar a consulta. Neste resumo, vamos estruturar conforme o próprio artigo sugere, comentando quando necessário, de forma mais sucinta.

enxaqueca

Sobre a seleção dos pacientes com enxaqueca

  • Usar os critérios da International Classification of Headache Disorders (ICHD) para determinar os casos de migrânea, evitando assim heterogeneidade nas amostras. Vale lembrar que a maioria dos pacientes que apresentam migrânea com aura também apresenta episódios sem aura (caso o estudo deseje fazer distinção entre os dois tipos), e também que o uso precoce de medicações para abortamento das crises pode modificar a fenomenologia da migrânea, dificultando sua classificação.
  • Pacientes com critérios para migrânea crônica ou que os satisfizeram nos últimos 12 meses devem ser excluídos das amostras.
  • Pacientes com outros tipos de cefaleias primárias podem ser incluídos, desde que os episódios sejam claramente distinguíveis dos de migrânea e sejam incomuns (menos de um dia por mês e menos de 12 episódios por ano).
  • Indivíduos com migrânea secundária, incluindo por abuso de medicações antimigranosas, deverão ser excluídos.
  • Os ataques de enxaqueca devem ocorrer de 2-8 vezes por mês, com intervalos de 48h entre eles, idealmente. Pacientes com mais de 15 dias por mês com crises de migrânea devem ser excluídos. Este critério tenta reduzir os vieses relacionados a migrânea crônica e abuso de medicação.
  • Recomenda-se que os pacientes incluídos nos estudos tenham diagnóstico de migrânea há pelo menos um ano.
  • Os pacientes incluídos devem estar entre 18-65 anos de idade, e a enxaqueca tem de ter iniciado antes dos 50 anos. Deve-se atentar a inclusão de mulheres grávidas pelos riscos envolvidos na maioria dos tratamentos. Pacientes mais idosos que 65 anos normalmente são polimedicados, o que leva a vieses nos estudos.
  • Quaisquer tratamentos concomitantes ao tratamento da migrânea devem ser especificados nos estudos. Se for um ensaio clínico, a droga a ser testada só pode ser usada no mínimo 48h após o uso de qualquer outro tratamento de ataques agudos, mesmo os feitos por conta própria pelo paciente. Em relação a tratamentos preventivos, caso o estudo deseje avaliar sem a presença dos mesmos, a última dose deverá ter sido tomada há no mínimo um mês; senão, o paciente deverá estar em dose estável do tratamento por pelo menos dois meses.

Desenho dos ensaios

  • Ensaios de eficácia devem ser duplo-cegos.
  • Os ensaios devem ser controlados com placebo. O efeito placebo para ataques de enxaqueca pode variar de 6-56%.
  • Nenhum tipo de estudo é proibido, mas grupos paralelos são considerados mais simples e eficazes.
  • A randomização deve ser feita, de preferência, na entrada do estudo.
  • Em geral não se recomenda estratificação dos sujeitos, exceto em grupos especiais ou caso seja o objetivo do estudo.
  • A análise deve se basear na intenção de tratamento (ITT); pacientes que estão no grupo tratamento e não registram dados são falhas, assim como os que não usarem a medicação na janela de tempo especificada.
  • Em casos de fármacos já em uso corrente, deverão ser usadas as doses indicadas com segurança habituais, exceto situações especiais nas quais deverá haver especificação clara dos motivos para tal. Para fármacos novos, estudos de tolerabilidade e segurança, além de curva de dose-resposta devem ser claramente definidos em estudos fase I e II.
  • A via de administração deverá ser preferencialmente oral.
  • O tempo de administração da medicação deve ser uniforme e definido claramente no início do estudo. O paciente deve registrar as informações. Em geral, recomenda-se o uso das medicações assim que a dor se inicia, mas como em casos de enxaqueca sem aura a crise pode ser similar a outros tipos de cefaleia e gerar confusão, o mesmo pode ser definido para algum tempo após o início da dor.
  • O objetivo deve ser o tratamento de um ataque de migrânea; caso múltiplos ataques sejam tratados no decorrer do estudo, qualquer um deles pode ser selecionado, para cada indivíduo.
  • Podem ser utilizadas medicações de resgate, após o período especificado de ação da medicação avaliada (em geral 2 horas após a tomada); nos casos em que isto for necessário, deve-se considerar como falha no tratamento.
  • Para avaliar a consistência intra-indivídual, pelo menos 4 ataques no mesmo paciente devem ser tratados, pelo menos um deles utilizando placebo, de forma randomizada.

Como saber se uma medicação está funcionando?

Para fins de comparação, no cenário clinico pode ser útil conhecer alguns critérios de eficácia usados no cenário de pesquisa: por exemplo, espera-se que uma medicação eficaz alcance o objetivo de deixar os pacientes livres de dor no período de 2h após o uso da medicação (embora este período varie, dependendo da medicação); obviamente, no contexto prático de atuação clínica, não deve-se adiar o uso de medicações de resgate, se necessárias. Outro objetivo importante é alcançar a ausência dos sintomas associados que mais incomoda o paciente (náuseas, fotofobia, etc) também nas 2h após o uso da medicação.

Resultados

  • Diário eletrônico com desfechos bem definidos devem ser preferencialmente usados na coleta dos dados dos pacientes.
  • Medida de eficácia – porcentagem de pacientes livres de dor no período de 2h após o uso da medicação. Não deve-se adiar o uso de medicações de resgate, se necessárias, para além de 2h, por ser uma questão de violação ética expor o paciente a dor desnecessariamente prolongada.
  • A ausência do sintoma associado à migrânea que mais incomoda o paciente (náuseas, fotofobia, etc), no período de 2h após o uso do fármaco, deve ser um desfecho primário concomitante a ser avaliado.
  • Desfechos secundários: relapsos (nova crise até 48h após crise tratada com sucesso – 24h se o fármaco tiver curta duração); ausência de dor sustentada (porcentagem de pacientes livres de dor após 2h, sem uso de medicações de resgate e nem novas crises em 24-48h); ausência total de migrânea (livre de todos os sintomas, incluindo a dor, no período de 2h pós-uso do fármaco); intensidade da dor (logo antes de usar o fármaco) – pode ser usada escala analógica visual de dor, pontuação de 0-10 ou 0-4 (crescentes), também sendo recomendável anotar a intensidade a cada 30 minutos até 2h, horária até 4h, e 12, 24 e 48h após o uso do fármaco; alívio da migrânea (melhora parcial dos sintomas); tempo de alívio significativo (quando começou a sentir algum alívio após a medicação); tempo até ficar livre de dor; duração do ataque (não deve ser usada como medida de eficácia); porcentagem de pacientes que necessitaram de medicação de resgate; avaliação global do tratamento (subjetiva ao paciente); impacto na qualidade de vida e funcionalidade; presença de náuseas e vômitos no período de 2h após uso da medicação – devem ser registrados até 24h após; presença de foto/fonofobia no período de 2h após tratamento (simples presença ou ausência, ou estratificação de intensidade 0-4); tempo entre início da crise e uso da medicação; tratamento de preferência do paciente (prévio); avaliação da qualidade do “cegamento” do estudo; tratamento dos relapsos; efeitos adversos da medicação.

Um comentário especial sobre mulheres em fase fértil: em mulheres com enxaqueca, os ataques são mais comuns entre dois dias antes e até 3 dias depois do período menstrual; chama-se migrânea relacionada ao período menstrual quando isto ocorre em pelo menos 2 de 3 ciclos menstruais seguidos. Quando a migrânea só ocorre no período perimenstrual, chama-se migrânea menstrual pura. Em estudos que incluam estas pacientes, ou que este seja um dos objetivos de análise, isto deve ser claramente exposto e registrado.

Leia maisAnvisa aprova primeiro medicamento específico contra a enxaqueca

Comentário: Este artigo, apesar de não ser propriamente sobre a abordagem prática dos ataques de migrânea, explicita quais são os padrões estabelecidos pela IHS, que guiam as decisões acerca de liberação de fármacos pelos órgãos mais respeitados do mundo (FDA e EMA) relativos aos estudos incluindo fármacos novos e os já estabelecidos no mercado. Isto é muito importante, pois todos os dias novos ensaios clínicos sobre este tema estão sendo publicados, e tendo uma noção de como podemos avaliar a qualidade destes estudos, nos ajuda a formar uma opinião crítica acerca dos mesmos, em alguns casos antes que os órgãos oficiais se pronunciem ou liberem determinado fármaco ou uso deste. Também, evidentemente, estes guidelines são importantes para qualquer profissional envolvido em pesquisa clínica com fármacos e tratamentos para migrânea, que deseje publicar seus resultados nos padrões aceitos mundialmente, a fim de gerar impacto sobre o tratamento da doença e até mesmo modificar políticas de saúde.

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Referências:

  • TASSORELLI, Cristina et al. Guidelines of the International Headache Society for controlled trials of acute treatment of migraine attacks in adults: Fourth edition. International Headache Society Clinical Trials Standing Committee. Cephalalgia

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