Vírus sincicial respiratório (VSR): veja as novas diretrizes para o manejo da infecção

O vírus sincicial respiratório (VSR) é um RNA vírus, não segmentado, envelopado, da família Paramyxoviridae.

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O vírus sincicial respiratório (VSR) é um RNA vírus, não segmentado, envelopado, da família Paramyxoviridae. Causa infecção aguda do trato respiratório em indivíduos de todas as idades, podendo ser responsável por até 75% das bronquiolites e 40% das pneumonias durante os períodos de sazonalidade.

A maioria das crianças é infectada no primeiro ano de vida e, virtualmente, todas as crianças serão expostas ao vírus até o final do segundo ano de idade, com reinfecções durante toda a vida. Entretanto, o acometimento de vias aéreas inferiores, e consequentemente, as formas graves da doença, predominam na primoinfecção.

Em lactentes jovens, a presença de anticorpos neutralizantes em elevados títulos, adquiridos passivamente durante a vida fetal, está associada com menor risco de hospitalização. Os linfócitos T citotóxicos são cruciais para o controle efetivo da infecção e eliminação viral, justificando a ocorrência de quadros potencialmente mais graves e prolongados da doença, além de excreção viral mais prolongada em recém-nascidos prematuros e em indivíduos com imunodeficiência celular.

Embora de ocorrência universal, ganha maior importância quando acometem prematuros, portadores de cardiopatias congênitas e de doença pulmonar crônica da prematuridade, grupos considerados de maior morbimortalidade. Nesta população, as condições associadas ao desenvolvimento de doença grave são decorrentes do sistema imune imaturo, reduzida transferência de anticorpos maternos e menor calibre das vias aéreas; acrescidos da baixa reserva energética, frequente desmame precoce, anemia, infecções de repetição e uso de corticoides, tornando-os mais suscetíveis à ação do VSR.

VIA DE TRANSMISSÃO

O VSR atinge o trato respiratório através do contato direto com secreções respiratórias de pessoas infectadas ou através de superfícies ou objetos contaminados. A infecção ocorre quando o material infectado atinge o organismo através da membrana mucosa dos olhos, boca e nariz ou pela inalação de gotículas derivadas de tosse ou espirro.

O tempo de sobrevida do VSR nas mãos é de menos de 1 hora. No entanto, em superfícies duras e não porosas (como, por exemplo, o estetoscópio), pode durar até aproximadamente 24 horas.

Estima-se que o período de incubação da doença é de 4 a 5 dias. O vírus se replica em nasofaringe e o período de excreção viral pode variar de 2 a 8 dias ou até a melhora clínica. Em recém-nascidos, lactentes jovens e pacientes imunocomprometidos a disseminação do vírus pode persistir por períodos mais prolongados, de até 3 a 4 semanas.

A infecção caracteriza-se fundamentalmente por seu caráter sazonal, predominante no inverno e início da primavera, e com duração de cerca de 4 a 6 meses, dependendo das características de cada país ou região.

Veja também: ‘Vírus Sincicial Respiratório – aumenta o número de casos graves’

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da bronquiolite viral aguda (BVA) é principalmente clínico, baseado nos sinais e sintomas da doença, não havendo indicação rotineira do uso de testes específicos de detecção viral. Entretanto, em determinadas situações, a detecção da etiologia da infecção respiratória pode ser importante como, por exemplo, em pacientes imunocomprometidos; com formas de apresentação grave da doença; para guiar a terapia antiviral específica; reduzir o uso inapropriado de antimicrobianos; proporcionar vigilância; estabelecer medidas de isolamento hospitalar e em alguns casos, diminuir custos hospitalares; dias de internação e principalmente para melhor conhecimento sobre a epidemiologia das infecções respiratórias. Desta forma, o diagnóstico específico do VSR pode ser realizado por diversos métodos, a seguir destacados:

  1. Isolamento do vírus em cultura de tecido: demora vários dias para se obter os resultados, além de ser caro e de difícil realização, restrito a laboratórios especializados de referência.
  2. Detecção de antígenos virais: baseia-se na identificação de fragmentos antigênicos do VSR, por imunofluorescência direta ou indireta (DFA/ IFA) ou por testes de detecção antigênica rápida. É efetiva na detecção precoce do VSR em amostras de aspirado de nasofaringe e confiável como uma ferramenta de diagnóstico em pediatria.
  3. Detecção de sequências de ácidos nucleicos específicos por ensaios de amplificação, predominantemente reação em cadeia da polimerase em tempo real (PCR-TR): oferece rapidez de resultados com acurácia, mostrando elevada sensibilidade quando comparada com a cultura e os testes rápidos.
  4. Sorologias: embora importantes para estudos epidemiológicos de soroprevalência, os testes sorológicos não são úteis para o diagnóstico a tempo de orientar o atendimento aos pacientes, uma vez que são necessárias amostras de soro na fase aguda e convalescente para se demonstrar um aumento significativo no título de anticorpos para o VSR.

As técnicas padronizadas para coleta de amostras de secreção respiratória para confirmação diagnóstica de infecções virais são: aspirados de nasofaringe e swabs de rayon com ponta revestida com fibras curtas que estão dispostas de forma perpendicular à haste de plástico.

Uma desvantagem das técnicas para a detecção exclusiva do VSR é que as coinfecções não serão diagnosticadas e cerca de 30% das crianças com bronquiolite por VSR podem estar infectadas por outros patógenos, como Metapneumovirus humano, Rinovírus, Bocavírus, Adenovírus, Coronavírus, Influenza ou Parainfluenza. Por isso, muitos testes de PCR-TR comercialmente disponíveis são produzidos como ensaios múltiplos para facilitar a pesquisa de vários vírus respiratórios em um único teste.

Ao se interpretar esses exames, deve-se levar em consideração que o material genético de alguns vírus, como por exemplo, Rinovírus, Adenovírus e Bocavírus, pode persistir nas vias aéreas por várias semanas após cessada a excreção viral. Além disso, em estudos populacionais, cerca de 25% de crianças assintomáticas podem apresentar testes positivos para vírus respiratórios utilizando o PCR-TR.

TRATAMENTO

Não há terapêutica específica disponível que abrevie o curso e a resolução dos sintomas da infecção por VSR. O tratamento, portanto, é de suporte e geralmente os pacientes apresentam boa evolução. Para estabelecer uma padronização, as condutas aqui sugeridas, baseiam-se em guidelines e publicações científicas recentes.

Tratamento Domiciliar:

  • Fazer higiene das mãos com água e sabão ou álcool a 70%.
  • Evitar tabagismo passivo.
  • Manter alimentação normal para a idade da criança.
  • Fazer higiene da cavidade nasal com solução salina.
  • Uso de antitérmicos se for necessário.
  • Reavaliação médica se houver dúvidas ou se sinais de alerta presentes.
  • Orientar os cuidadores sobre os sinais e sintomas de “alerta”.

Quando hospitalizar?

  • Episódios de apneia.
  • Criança com piora do estado geral (hipoativa, prostrada, acorda apenas com estímulos prolongados).
  • Desconforto respiratório (gemência, retração torácica, FR >60, cianose central, saturação <92% persistente).
  • Sinais de desidratação.
  • Recusa alimentar, ingestão reduzida e/ou sem diurese por 12 horas.
  • Presença de comorbidade: displasia, cardiopatia, imunodeficiência, doença neuromuscular, outras.
  • Idade < 3 meses.
  • Prematuridade, especialmente < 32 semanas.
  • Condição social ruim.
  • Dificuldade de acesso ao serviço de saúde se houver piora clínica.
  • Incapacidade, falta de confiança para identificar sinais de “alerta”.

HIDRATAÇÃO: lactentes com BVA podem ter dificuldade para se alimentar devido à congestão nasal e pelo esforço respiratório. As diretrizes recomendam administração de líquidos por sonda ou EV para manter a hidratação, não havendo diferença entre os dois. Se houver necessidade de administração por via EV, os fluidos isotônicos são recomendados com a finalidade de evitar hiponatremia.

ASPIRAÇÃO NASAL: os lactentes têm respiração nasal e a aspiração suave e mais superficial, quando necessário, com o intuito de fazer higiene das narinas, em algumas situações, pode ser recomendado. Melhora o esforço respiratório e facilita a alimentação.

FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA: estudos não demonstraram evidência de benefício para qualquer tipo de fisioterapia em pacientes internados quanto ao tempo de internação, saturação de oxigênio e parâmetros respiratórios. Os guidelines não recomendam fisioterapia de rotina para o tratamento da bronquiolite não complicada e que não apresentam comorbidades.

OXIGÊNIO: os guidelines dos Estados Unidos recomendam o uso de oxigênio quando a saturação fica abaixo de 90%, ao passo que no Reino Unido o limite é 92%.

CÂNULA NASAL DE ALTO FLUXO: tem o potencial, em lactentes, de apresentar deterioração rápida se não for monitorado, tem alto custo e não foi superior ao uso de pressão positiva contínua em vias aéreas (CPAP), porém tem sido avaliada em unidades de cuidado intensivo em estudos pequenos e observacionais, com evidência de melhora nos parâmetros respiratórios.

BRONCODILATADORES: ensaios randômicos não demonstraram efetividade em melhora dos sintomas, taxa de hospitalização e tempo de internação. O uso de acordo com a resposta clínica pode eventualmente ser considerado, mas só deve ser mantido se houver evidência de melhora imediata.

ADRENALINA POR NEBULIZAÇÃO: ensaios randômicos e multicêntricos não demonstram evidência de melhora em pacientes ambulatoriais ou internados.

SOLUÇÃO SALINA HIPERTÔNICA (SSH) 3% POR NEBULIZAÇÃO: o papel da SSH ainda precisa ser definido, mas alguns estudos já demonstram melhora da BVA, principalmente em pacientes internados por > 3 dias, devendo, portanto, ser considerada no tratamento. O consenso italiano de 2014 recomenda.

CORTICOSTEROIDES: ensaios grandes, multicêntricos, randômicos não demonstraram evidência de resultados. Logo, não são recomendados.

ANTIMICROBIANOS: não são recomendados e não devem ser utilizados de rotina.

ANTIVIRAIS: antivirais específicos como ribavirina para o tratamento de VSR não são recomendados devido às dificuldades de seu uso, alto custo e risco para os cuidadores.

Mais da autora: ‘Nem toda faringite é bacteriana, nem mesmo viral!’

MEDIDAS DE CONTROLE DE TRANSMISSÃO

NA COMUNIDADE: estudos demonstram que, em lactentes que foram hospitalizados por VSR, a principal fonte de infecção foi o irmão mais velho ou os pais do lactente. As recomendações básicas enfatizam a importância de medidas como a lavagem frequente das mãos e uso de álcool gel, além de limitar, quando possível, a exposição da criança a ambientes com elevado risco de contágio, como creches, escolas maternais e locais aglomerados (como shopping center) e o contato com pessoas com doença respiratória aguda. Além disso, é fundamental estimular o aleitamento materno, evitar o tabagismo passivo e vacinar contra Influenza crianças acima de seis meses.

NO AMBIENTE HOSPITALAR: o uso de equipamento de proteção pessoal (luvas, avental, máscara e proteção ocular), aliado às medidas de higiene das mãos, desinfecção de estetoscópios e outros equipamentos de uso no hospital, restrição de visitas, detecção oportuna de agentes etiológicos e coortes de isolamento mostraram-se, em conjunto, potencialmente úteis para reduzir as taxas de infecção nosocomial pelo VSR.

EM UNIDADES NEONATAIS: recém-nascidos com quadro respiratório sugestivo de doença viral aguda devem ser imediatamente colocados em precaução (contato e gotícula). Pacientes com infecção comprovada devem ser mantidos em sala privativa e em coorte de pacientes e funcionários. Quando a sala privativa não for possível, a incubadora pode funcionar como barreira. No caso de controle de surtos em UTIs neonatais, experiências relatadas na literatura apontam para um possível benefício da combinação dessas estratégias e a imunoprofilaxia com Palivizumabe. Porém, até que existam evidências científicas suficientes, a adoção do Palivizumabe no controle de surtos hospitalares não está indicada rotineiramente, devendo ser avaliada criteriosamente.

PROFILAXIA

A profilaxia para a infecção pelo VSR inclui as medidas gerais de controle de transmissão, tanto em ambiente domiciliar quanto hospitalar, principalmente quando bebês de alto risco estão expostos.

Não há vacinas disponíveis contra o VSR, porém, há décadas se dispõe de imunização passiva, importante instrumento de prevenção para bebês de risco. O Palivizumabe é um anticorpo monoclonal, IgG1 humanizado, e apresenta atividade neutralizante e inibitória da fusão do VSR no epitélio respiratório da criança. Por ser considerada uma imunoglobulina, tem rápida eliminação. Sua meia-vida em crianças é de 20 dias e são necessárias doses intramusculares mensais de 15 mg/kg, de preferência na face anterolateral da coxa, durante o período de sazonalidade do VSR previsto na comunidade.

A primeira dose deve ser administrada um mês antes do início da estação do vírus e as demais aplicações subsequentes devem ser administradas durante este período, até o máximo de cinco doses. Trata-se de um produto seguro e extremamente bem tolerado, e seu uso não interfere nas demais vacinas utilizadas na rotina. Estudos demonstram redução de hospitalizações, dias de internação e utilização de ventilação mecânica entre os bebês de alto risco que receberam Palivizumabe.

Em 2013, o Ministério da Saúde do Brasil passou a disponibilizar o Palivizumabe, em todo o território nacional, para bebês, hospitalizados ou não, segundo os seguintes critérios:

— Prematuros até 28 semanas e 6 dias de idade gestacional, menores de um ano de idade.
— Crianças portadoras de cardiopatia congênita com repercussão hemodinâmica demonstrada até o segundo ano de vida.
— Crianças portadoras de doença pulmonar crônica da prematuridade, independente da idade gestacional, até o segundo ano de vida.

A Sociedade Brasileira de Pediatria preconiza a profilaxia para, além dos grupos contemplados pelo Ministério da Saúde, bebês prematuros nascidos entre 29 e 31 semanas e 6 dias de idade gestacional, baseado em diversas evidências que demonstram que este é também um grupo vulnerável para desenvolver formas graves da infecção, especialmente nos primeiros 6 meses de vida.

PERSPECTIVAS FUTURAS

VACINAS: gestantes que receberam, no terceiro trimestre, uma vacina recombinante contendo uma nanopartícula da proteína F do VSR, estão atualmente em estudo clínico multicêntrico de fase III, programado para ser finalizado em 2020. Estudos demonstram adequada passagem de anticorpos transplacentários para o bebê.

TERAPÊUTICAS ANTIVIRAIS: a ribavirina é hoje a única droga licenciada para tratamento das infecções pelo VSR, porém seu uso ainda é bastante restrito.

ANTICORPOS MONOCLONAIS: além do Palivizumabe, outros anticorpos monoclonais vêm sendo testados. Merece especial atenção, o MEDI8897, extremamente potente e com meia vida de longa duração, em fase III de desenvolvimento, para utilização na profilaxia das infecções pelo VSR em dose única.

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