Vitaminas no tratamento da sepse: usar ou não a vitamina C?

A sepse é uma condição com potencial risco à vida, caracterizada por uma resposta exacerbada do hospedeiro a uma infecção.

A sepse é uma condição com potencial risco à vida, caracterizada por uma resposta exacerbada do hospedeiro a uma infecção. No mundo, contribui para cerca de um terço a metade da mortalidade hospitalar e é responsável por cerca de 5 milhões de mortes a cada ano. No Brasil, conforme dados do SPREAD, estudo nacional de prevalência em Sepse, publicado em 2017 no Lancet, 30% dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) são ocupados por pacientes sépticos, com taxa de mortalidade de 55,7%, conferindo 200 mil mortes ao ano.

Os pacientes com choque séptico representam um subgrupo de maior gravidade, com alterações circulatórias e metabólicas que substancialmente aumentam o risco de morte. A prioridade global é promover melhoria contínua do atendimento a esses pacientes na tentativa de redução da mortalidade. Novas terapias são frequentemente pesquisadas e testadas com esse objetivo.

médico de terapia intensiva avaliando prontuário de paciente com sepse

Vitaminas e sepse

A terapia com altas doses de vitamina C intravenosa tem sido constantemente explorada como adjunto ao tratamento da sepse, devido a suas propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes. Em 2014, Fowler et al demonstraram, em ensaio clínico randomizado de fase I com 24 pacientes, que o uso de vitamina C parenteral poderia ter impacto positivo na extensão de disfunções orgânicas múltiplas e biomarcadores de inflamação e lesão endotelial, de forma segura e bem tolerada pelos pacientes.

Leia também: Manejo da sepse no paciente cirrótico: quais são as particularidades?

A deficiência de tiamina também tem sido estudada nesse cenário. De acordo com Donnino et al, em artigo publicado em 2010, 20% dos pacientes graves com sepse apresentavam deficiência de tiamina. A suplementação desta vitamina em pacientes com sepse mostrou melhora no clearance de lactato e na mortalidade em 28 dias.

Paul Marik, um dos grandes defensores e entusiastas da utilização do coquetel vitamínico na sepse, publicou, em 2017, estudo retrospectivo com 94 pacientes sépticos, nos quais foram analisados o uso da combinação de altas doses de vitamina C, tiamina e hidrocortisona. Tal intervenção foi associada a redução na duração do uso de vasopressores e também da mortalidade hospitalar.

Vitamina C, hidrocortisona e tiamina

Mais recentemente, em 17 de janeiro de 2020, foi publicado no JAMA o trial VITAMINS. Fujii et al objetivaram responder a seguinte questão: o tratamento com a combinação vitamina C, hidrocortisona e tiamina levou a uma resolução mais rápida do choque séptico, quando comparada ao uso de hidrocortisona isoladamente? Este estudo envolveu 216 pacientes com diagnóstico de choque séptico (pelos critérios do Sepsis-3) de 10 Unidades de Terapia Intensiva da Austrália. Nova Zelândia e Brasil, recrutados no período de Maio de 2018 a Julho de 2019.

O grupo intervenção recebeu vitamina C (1,5 g a cada 6h), hidrocortisona (50 mg a cada 6h) e tiamina (200 mg a cada 12h). Essa terapia era continuada até cessar o uso de vasopressores ou até que outro endpoint pré-determinado fosse atingido. Já o grupo controle, recebeu apenas hidrocortisona intravenosa (50 mg a cada 6h).

Não houve diferença estatisticamente significativa quanto ao desfecho primário, definido como o tempo que os pacientes permaneceram vivos sem uso de vasopressores nos primeiros sete dias (diferença em horas entre os grupos: – 0.6 horas [95% CI, –8.3 to 7.2]; P = .83). Dos 10 desfechos secundários, apenas 1 apresentou diferença estatisticamente significativa (mudança do escore SOFA no dia 3).

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Mensagem prática

Os autores concluem que o uso combinado de vitamina C intravenosa, hidrocortisona e tiamina não levou a uma resolução mais rápida do choque séptico quando comparado ao uso isolado de hidrocortisona. Diante da evidência acima, mantenho minha prática atual da não utilização do uso combinado destes componentes no tratamento do choque séptico.

A busca por uma “bala mágica” para o tratamento da sepse é constante. No entanto, não devemos esquecer que no tratamento desses pacientes é primordial garantir e focar nas intervenções que sabidamente modificam a mortalidade e ajudam a promover melhores desfechos, como: reconhecimento precoce, administração do antibiótico adequado na primeira hora, controle do foco e suporte hemodinâmico/metabólico otimizados.

Referências bibliográficas:

  • Machado FR, et al. he epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017 Nov;17(11):1180-1189. doi: 10.1016/S1473-3099(17)30322-5.
  • Fowler AA 3rd, et al. Phase I safety trial of intravenous ascorbic acid in patients with severe sepsis. J Transl Med. 2014 Jan 31;12:32. doi: 10.1186/1479-5876-12-32.
  • Donnino MW, et al. Thiamine deficiency in critically ill patients with sepsis. J Crit Care. 2010 Dec;25(4):576-81. doi: 10.1016/j.jcrc.2010.03.003.
  • Woolum JA, et al. Effect of Thiamine Administration on Lactate Clearance and Mortality in Patients With Septic Shock. Crit Care Med. 2018 Nov;46(11):1747-1752. doi: 10.1097/CCM.
  • Marik PE, et al. Hydrocortisone, Vitamin C, and Thiamine for the Treatment of Severe Sepsis and Septic Shock: A Retrospective Before-After Study. Chest. 2017 Jun;151(6):1229-1238. doi: 10.1016/j.chest.2016.11.036.
  • Fujii T, et al. Vitamin C, Hydrocortisone and Thiamine in Patients with Septic Shock (VITAMINS) trial: study protocol and statistical analysis plan. Crit Care Resusc. 2019 Jun;21(2):119-125.

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