Você sabe reconhecer a tão temida miocardiopatia periparto?

A miocardiopatia periparto, ou cardiomiopatia associada à gravidez, é uma causa rara de IC que afeta mulheres no final da gravidez ou no puerpério.

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

A miocardiopatia periparto (MPP), também chamada de cardiomiopatia associada à gravidez, é uma causa rara de insuficiência cardíaca (IC) que afeta mulheres no final da gravidez ou no puerpério. Foi descrita inicialmente em 1849, porém só foi reconhecida como uma enfermidade distinta a partir de 1930. Alguns termos foram utilizados para descrevê-la: IC pós-parto tóxica, síndrome de Meadows, síndrome de Zaria e miocardiose pós-parto.

A sua incidência é bastante variável, devido à discrepância relatada com relação a ampla variação geográfica e a tabulação de dados demográficos.

A base etiopatogênica é pouco conhecida e acredita-se ser multifatorial. A participação de citocinas inflamatórias, principalmente TNF-alfa e IL-6, parecem desempenhar um papel na progressão da cardiomiopatia. Além disso, o Fas/Apo-1, um receptor de sinalização de apoptose, e a proteína C-reativa estão associados a maior gravidade clínica.

Alguns estudos sugerem miocardite como uma possível causa da MPP, porém está pouco clara e bastante controversa esta associação. Novos estudos sugerem uma resposta imunológica a um antígeno materno-fetal circulante no plasma que, ao se alojar no tecido cardíaco, desencadeia resposta anormal e exacerbada.

O componente genético também parece ter sua importância, visto que a história familiar de MPP tem sido observada em alguns relatos de casos. Foi cogitada também a possibilidade da prolactina estar envolvida na patogênese da MPP, estudos experimentais com animais de laboratórios através da inibição de prolactina com bromocriptina preveniu a desenvolvimento da doença. Os hábitos de vida também influenciam, por exemplo, a alta incidência desta comorbidade na Nigéria pode estar relacionada a um costume local de ingerir “kanwa” (carbonato de sódio hidratado) por 40 dias após o parto, com consequente hipervolemia e hipertensão arterial deflagrando a MPP.

médica examinando paciente grávida

PARA FICAR ATENTO:

Fatores de risco:

Miocardiopatia Periparto

QUANDO SUSPEITAR?

Miocardiopatia Periparto

Sinais/Sintomas:

Miocardiopatia Periparto

***ATENÇÃO: grávidas já sabidamente cardiopatas (doença coronária, valvar ou miocardiopatia) podem apresentar sintomas de IC precoces, a partir do segundo trimestre gestacional devido ao aumento da carga hemodinâmica imposta pelo estado gravídico fisiológico!

DIAGNÓSTICO IMPOSSÍVEL? NÃO SE VOCÊ LEMBRAR DA DOENÇA…

Critérios diagnósticos (obrigatoriamente os 4!)

Miocardiopatia Periparto

QUAIS EXAMES DEVO SOLICITAR?

Seguindo a magnânima frase: Cada caso é um caso… o ideal é olhar para o paciente e sempre individualizar a abordagem diagnóstica e terapêutica. MAS, didaticamente:

1) Caso suspeito? Sempre solicitar:

  • Eletrocardiograma (ECG)
  • Radiografia de tórax (RxTx)
  • Ecocardiograma (ECO)

2) Quais os achados nos exames complementares?

  • ECG: alterações incluem taquicardia sinusal (ou raramente, fibrilação atrial), anormalidades inespecíficas da onda T e do segmento ST, baixa voltagem e sobrecarga ventricular esquerda. Ondas Q estão ocasionalmente presente nas precordiais anteriores. O intervalo PR costuma estar prolongado e pode haver alargamento do QRS.
  • ECO: geralmente revela uma redução global da contratilidade e aumento dos diâmetros cavitários sem hipertrofia. A análise com o doppler das pressões cardíacas geralmente pode ser realizada, fazendo com que o cateterismo direito seja desnecessário na maior parte dos casos. Foram definidos os seguintes parâmetros para a MPP: FEVE <45% e / ou fração de encurtamento <30% e diâmetro sistólico final do VE maior que 2,7 cm/m2. Embora a maioria dos cardiologistas considere a cardiomiopatia quando há FEVE <50%, isto não satisfaz o critério rigoroso para MPP. Outros achados ecocardiográficos possíveis incluem: aumento do átrio esquerdo; regurgitação mitral e tricúspide e derrame pericárdico leve.
  • RxTx: tipicamente mostra alargamento da silhueta cardíaca com sinais de congestão venosa pulmonar e/ou edema intersticial, bem como derrame pleural.

3) Tudo foi inconclusivo, e agora?

  • Peptídeo Natriurético Cerebral (BNP): a MPP apresenta geralmente níveis elevados de BNP (e do pró-BNP)
  • Ressonância Magnética Cardíaca: papel ainda não foi validado, porém em alguns estudos de caso há descrito a presença variável de realce tardio pelo gadolínio em pacientes com MPP.
  • Cateterismo cardíaco: raramente é necessário, porque a avaliação das pressões cardíacas geralmente pode ser feita com o ECO. Pode ser útil em pacientes críticos que necessitam de avaliação mais completa ou de avaliação constante de seu estado hemodinâmico.
  • Sorologias/Microbiologia: a importância de culturas virais e bacterianas, bem como as sorologias (por exemplo, Coxsackie B) ainda é desconhecido. Os resultados destes testes não são específicos e eles têm valor limitado no prognóstico em pacientes com miocardite.
  • Biópsia endomiocárdica: não tem papel claro devido à falta de evidências da relação entre MPP e miocardite. Outros achados histológicos em MPP incluem: hipertrofia muscular, degeneração, fibrose e edema intersticial. Não existem achados patognomônicos na MPP e há um risco inerente à realização de uma biópsia em um ventrículo direito dilatado.

TRATAMENTO

Apesar de tratar-se de uma doença rara, não é incomum, e seu reconhecimento, bem como seu tratamento precoce, minimiza e até evita consequências devastadoras. A proposta terapêutica é similar para os outros tipos de IC com disfunção ventricular sistólica. No entanto, as modificações em relação à terapia padrão muitas vezes são necessárias para garantir a segurança da mãe e do feto, bem como a amamentação.

Suprassumo do resumo…

– IECA (Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina) ou BRA (Bloqueadores do Receptor de Angiotensina): são contraindicados, em qualquer momento durante a gravidez, devido a um alto risco de teratogenicidade. Nas puérperas: IECA pode ser utilizado com segurança em mulheres que estão amamentando. BRA não tem relatos de segurança na amamentação, logo, não é indicado.

– Diurético: são utilizados para alívio sintomático da congestão pulmonar e/ou sistêmica. Efeitos adversos: diátese hemorrágica e hiponatremia no recém-nascido.

Digoxina: não é primeira linha na maioria dos casos, pode ser particularmente útil na MPP, devido à contraindicação do uso dos IECA/BRA; é geralmente segura na gravidez. Pequenas quantidades de digoxina são secretadas no leite materno, sem efeitos adversos no recém-nascido.

– Vasodilatadores: as drogas de primeira linha são: hidralazina para via oral e a nitroglicerina para via intravenosa. Em casos selecionados (risco versus benefício), nitroprussiato ou nesiritide podem ser utilizados quando todas as outras intervenções falharam e quando é essencial para o bem-estar da mãe, uma vez que são potencialmente tóxicas para o feto.

– Betabloqueadores: são geralmente seguros durante a gravidez, embora tenham sido relatados eventos adversos. Agentes que são beta-1 seletivos são preferíveis porque são menos propensos a interferir com o relaxamento uterino mediado pelo receptor beta-2. Efeitos adversos: bradicardia e hipoglicemia no recém-nascido. Podem ser usados ​​em mulheres que estão amamentando.

– Antagonista da aldosterona (espironolactona/eplerenona): não há evidência de segurança para ser usada na gravidez, logo, está contraindicada, apesar do sabido benefício na terapêutica da IC.

– Inotrópicos: casos selecionados de IC descompensada e choque cardiogênico têm benefício do suporte inotrópico endovenoso.

Vasopressores: não são utilizados na IC devido a vasoconstrição periférica e o prejuízo no débito cardíaco, além disso, nas gestantes, prejudicam o fluxo sanguíneo uterino, sendo contraindicados.

– Anticoagulação: considerar o uso de anticoagulantes devido ao alto risco de eventos tromboembólicos, particularmente quando o grau de disfunção ventricular é grave (FEVE <30 %).

– Imunossupressores: na ausência de evidência de miocardite, não é recomendada.

– Imunoglobulina intravenosa (IGIV): uso em pacientes com miocardite ou cardiomiopatia dilatada de início recente, sem evidência de benefício, não é recomendada.

– Bromocriptina: em estudo experimental, não há evidência para recomendação de seu uso. Além disso, lembrar que a droga impede a produção de leite materno, tornando a amamentação impossível!

Medidas salvadoras:

– Transplante cardíaco: pode ser o único tratamento aceitável para as mulheres nos quais a terapia conservadora não foi bem sucedida, boa taxa de sucesso e sobrevida favorável a longo prazo; há relatos de maiores taxas de rejeição nos primeiros 6 meses após o transplante.

– Dispositivos de assistência ventricular: ponte para o transplante, quando o tratamento clínico não é suficiente.

– Parto: decisão do paciente e familiares com a equipe multiprofissional (cardiologia + obstetrícia + anestesiologia + neonatologia/pediatria). Nos casos de MPP E IC grave, sugere-se a interrupção imediata da gravidez, a fim de melhorar os desfechos maternos. Postula-se que a antecipação do parto não é necessária se as condições maternas e fetais forem estáveis.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

A MPP é um diagnóstico de exclusão! Várias enfermidades são diagnósticos diferenciais:

Miocardiopatia Periparto

E O PROGNÓSTICO?

Nos casos leves e com boa resposta ao tratamento, há recuperação da função ventricular em 3 a 6 meses, porém com risco de desenvolver MPP na próxima gestação, principalmente se não houve recuperação completa do coração. Alguns fatores predispõem a disfunção persistente do VE:

  1. FEVE ≤ 30 %;
  2. Fração de encurtamento inferior a 20% e diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo ≥ 6 cm;
  3. Troponina T elevada.

Fatores de MAU prognóstico:

Miocardiopatia Periparto

As mulheres que desenvolveram MPP devem ser aconselhadas sobre os riscos potenciais antes da próxima gravidez e cuidadosamente monitorizadas para sinais de disfunção ventricular, se optar por engravidar novamente. Recomenda-se que as mulheres com disfunção persistente do VE devam ser aconselhadas a evitar a gravidez, devido ao risco de IC progressiva e morte.

É médico e também quer ser colunista do Portal da PEBMED? Inscreva-se aqui!

Referências:

  • Tsang W, Lang RM. Peripartum cardiomyopathy: Etiology, clinical manifestations, and diagnosis, in. www.uptodate.com. 2018
  • Elkayam U, Akhter MW, Singh H, et al. Pregnancy-associated cardiomyopathy: clinical characteristics and a comparison between early and late presentation. Circulation 2005; 111:2050.
  • Regitz-Zagrosek V. et al. ESC Guidelines on the management of cardiovascular diseases during pregnancy: the Task Force on the Management of Cardiovascular Diseases during Pregnancy of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J, 2011; 32 (24) p. 3147-97
  • Hilfiker-Kleiner D, Kaminski K, Podewski E, et al. A cathepsin D-cleaved 16 kDa form of prolactin mediates postpartum cardiomyopathy. Cell 2007; 128:589
  • Goland S, Modi K, Bitar F, et al. Clinical profile and predictors of complications in peripartum cardiomyopathy. J Card Fail 2009; 15:645.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.