Whitebook: conheça o diagnóstico e tratamento do lúpus eritematoso sistêmico

Em nossa publicação semanal de conteúdos do Whitebook, separamos os critérios sobre diagnóstico e apresentação do Lúpus eritematoso sistêmico (LES).

Essa semana no Portal da PEBMED falamos sobre Lúpus eritematoso sistêmico (LES), inclusive nesta sexta, 10 de maio, foi celebrado o Dia Internacional de Atenção à Pessoa com Lúpus. Por isso, em nossa publicação semanal de conteúdos compartilhados do Whitebook Clinical Decision, separamos os critérios sobre diagnóstico e apresentação do LES.

Veja as melhores condutas médicas no Whitebook Clinical Decision!

Este conteúdo deve ser utilizado com cautela, e serve como base de consulta. Este conteúdo é destinado a profissionais de saúde. Pessoas que não estejam neste grupo não devem utilizar este conteúdo.

Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune sistêmica com apresentação clínica diversa e ampla. Pode acometer praticamente qualquer órgão ou sistema. É mais comum em mulheres negras, com pico de incidência dos 20 aos 40 anos de idade.

Lupus whitebook

Trata-se de uma doença causada, predominantemente, por depósitos de imunocomplexos, associada ao seu déficit de clareamento.

Diversos fatores ambientais são associados ao desenvolvimento e reativação da doença, como exposição à radiação ultravioleta, fatores hormonais, tabagismo, infecções virais, entre outros.

Autoantígenos intracelulares originados de apoptose (principalmente, associados à radiação ultravioleta) ou NETose induzem resposta da imunidade inata, com produção de IFN tipo I e ativação de linfócitos T e B. Autoanticorpos específicos (p.e. anti-DNA, antinucleossoma) produzidos pelos linfócitos B interagem com esses autoantígenos, formando imunocomplexos. Esses imunocomplexos se depositam e se acumulam no tecido renal, por déficit de clareamento. Com isso, há ativação do sistema complemento e neutrófilos, com dano tecidual.

Apresentação Clínica

Anamnese e Exame Físico

Apenas as manifestações mais frequentes e/ou características serão apresentadas.

Sintomas Constitucionais: Fadiga, alteração no peso, febre, artralgia. O desenvolvimento desses sintomas é mais frequente nas variantes juvenis do LES.

Musculoesquelético: Artrite, artralgia, mialgia, osteonecrose (principalmente, se associada ao corticoide e à SAF).

Dermatológico: Fotossensibilidade, alopecia não cicatricial, lesões cutâneas agudas (rash malar, lúpus bolhoso, NET-like), subagudas (lúpus psoriasiforme, anular policíclico rash discoide, lúpus bolhoso), crônicas (lúpus discoide, lesões de mucosa, profundo, verrucoso/hipertrófico, túmido, chillblain).

Renal: Glomerulonefrite, doença renal crônica.

Neuropsiquiátrico: Cefaleia refratária a analgésicos comuns, crises convulsivas, psicose, polineuropatia periférica, mononeurite múltipla, mielite transversa.

Pulmonar: Pleurite, derrame pleural. Acometimento do parênquima pulmonar pode ocorrer, mas é raro. Caso esteja presente, deve-se investigar a associação com outras doenças reumatológicas, como esclerose sistêmica e miopatias inflamatórias. Hipertensão arterial pulmonar pelo LES é rara; quando há hipertensão pulmonar, deve-se investigar a presença de TEP crônico associado à SAF secundária ou associação com outras doenças, como esclerose sistêmica.

Gastrintestinal: Úlceras orais. Uso crônico de AINES e corticoide podem levar à doença ulcerosa péptica. Acometimento hepático é muito raro. Casos raros de pseudo-obstrução intestinal crônica (CIPO) pelo LES vêm sendo descritos.

Cardíaco: Miocardite, pericardite, endocardite de Libman-Sacks.

Hematológico: Leucopenia, linfopenia, anemia, trombocitopenia.

Abordagem Diagnóstica

Considerações Iniciais

O diagnóstico é clínico e é endossado pelos critérios classificatórios da American College of Rheumatology (ACR) de 1997, ou a revisão dos critérios pelo Systemic Lupus International Collaborating Clinics(SLICC) de 2012. Atualmente, estão sendo desenvolvidos novos critérios classificatórios pelo ACR/EULAR (primeiramente, divulgados em 2017).

Exames para Avaliação Diagnóstica: Hemograma, VHS, PCR, creatinina, TGO, TGP, FA, GGT, EAS, proteinúria (relação proteína-creatinina em amostra isolada ou proteinúria de 24 horas), FAN, C3, C4, anti-dsDNA, anti-Sm, anti-Ro, anti-La, anti-RNP, Coombs direto e antifosfolípides; sorologias para HIV, HBV, HCV e sífilis também devem ser solicitadas para todo paciente em avaliação de imunossupressão.

Avaliação de Atividade de Doença: Hemograma, VHS, PCR, creatinina, TGO, TGP, FA, GGT, EAS, proteinúria (relação proteína-creatinina em amostra isolada ou proteinúria de 24 horas), C3, C4, anti-dsDNA. Antifosfolipídios devem ser repetidos a cada seis meses (caso sejam negativos). Exames podem ser acrescentados na suspeita de determinadas manifestações da doença (ex.: na suspeita de anemia hemolítica, acrescentar bilirrubinas total e frações, LDH, haptoglobina e Coombs direto).

Exames Radiológicos: Não são recomendados de rotina, sendo indicados na suspeita de alterações (derrame pleural, doença pulmonar intersticial, vasculite, síndrome do anticorpo antifosfolipídeo).

Ecocardiograma: Indicado para avaliação de hipertensão pulmonar, derrame pericárdico / pericardite, endocardite de Libman-Sacks.

RNM de Crânio: Indicado para avaliação neurolúpus, vasculite em SNC ou acidente vascular encefálico.

Exames Laboratoriais

Hemograma: Pode apresentar citopenias (leucopenia, linfopenia, anemia e trombocitopenia), sendo considerados critérios classificatórios apenas na ausência de outras causas plausíveis, e anemia deve ser caracterizada como hemolítica (teste de Coombs positivo ou outros marcadores de hemólise presentes).

Proteína C-reativa (PCR) / Velocidade de Hemosedimentação (VHS): Aumentados em vigência de inflamação sistêmica. Podem ser utilizados para monitorização evolutiva do quadro e atividade de doença. Caracteristicamente, no LES, a PCR não se encontra muito elevada, raramente atingindo valores > 10x o limite superior da normalidade. Dentre as manifestações da doença, a presença de artrite e de serosite se correlaciona com valores mais elevados de PCR do que nas demais manifestações. Valores muito elevados de PCR (principalmente > 10x) devem chamar atenção para processos infecciosos concomitantes.

Creatinina: Caso esteja aumentada na atividade de doença, denota maior gravidade (vide tema específico “Nefrite lúpica” ).

Urinálise (EAS ou urina tipo 1): Pode indicar atividade de doença renal pela presença de proteinúria, hematúria dismórfica glomerular, leucocitúria e cilindrúria no sedimento urinário.

Spot urinário (relação proteína/creatinina): Pode substituir a urina de 24 horas como estimativa de proteinúria, considerando-se positiva quando maior que 0,5 g/g.

Complemento (C3, C4, CH50): Encontram-se geralmente diminuídos na presença de atividade de doença.

Anti-dsDNA: Eleva-se na atividade de doença.

Exame Descrição
Fator Antinuclear (FAN) Teste de screening (Sensibilidade = 95-98%). Baixa especificidade.
Anti-dsDNA Alta especificidade, baixa sensibilidade. Relação com atividade de doença, principalmente renal.
Anti-Sm Maior especificidade, porém baixa sensibilidade.
Anti-Ro (SSA) / Anti-La (SSB) Associação com lesões cutâneas subagudas e crônicas, síndrome de Sjögren e lúpus neonatal.
Anti-P ribossomal Relação com psicose lúpica.
Anti-?2-glicoproteína I IgM, IgG e IgA Relacionada a síndrome do anticorpo antifosfolipídio.
Anticardiolipina IgM, IgG e IgA Relacionada a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo.
Anticoagulante lúpico Relacionada a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo.
Anti-histona Presente em 70% dos LES. No lúpus farmacoinduzido, deve estar obrigatoriamente presente (100% dos casos).
Teste de Coombs Direto Denota hemólise imunomediada.

Artrocentese: Pode ser realizada em pacientes com derrame articular importante, revelando derrame articular inflamatório ou não-inflamatório. Indicada principalmente para alívio. Se monoartrite, o líquido sinovial deve ser enviado para culturas, visando descartar a possibilidade de artrite séptica.Punção Lombar: Indicada em vigência de febre e sintomas neurológicos, para exclusão de infecção do SNC. Achados compatíveis com inflamação podem estar presentes durante a atividade de doença no neurolúpus.

Biópsia Renal: Indicada na presença de:

  • Creatinina sérica crescente na ausência de outra causa;
  • Proteinuria maior que 1,0 g na urina de 24 horas ou estimada pelo spot urinário;
  • Proteinuria maior que 0,5 g na urina de 24 horas associada com hematuria ou cilindros celulares (confirmados em dois testes em curto período de tempo entre eles), na ausência de outras causas.

Critérios American College of Rheumatology (1997)

A presença de quatro ou mais dentre os critérios abaixo confirma o diagnóstico:

  • Rash malar;
  • Lesão discoide;
  • Fotossensibilidade;
  • Úlceras orais;
  • Artrite (não erosiva de dois ou mais articulações);
  • Serosite (Pleurite, pericardite);
  • Renal (proteinuria maior que 0,5 g/dia);
  • Neurológico (Convulsão e/ou psicose);
  • Hematológico (Anemia hemolítica, leucopenia menor que 4000, linfopenia menor que 1500, trombocitopenia menor que 100000);
  • Anticorpo Antinuclear (FAN);
  • Outros auto-anticorpos (AntiDNA, AntiSm, Antifosfolipídeo).

Critérios Systemic Lupus International Collaborating Clinics (2012)

A presença de quatro ou mais dentre os critérios abaixo, sendo pelo menos um imunológico (exceto na presença de biópsia renal positiva), confirma o diagnóstico:

  • Lúpus cutâneo agudo;
  • Lúpus cutâneo crônico;
  • Alopecia não cicatricial;
  • Úlceras orais ou nasais;
  • Doença articular (artralgia, artrite, sinovite);
  • Serosite (pleurite ou pericardite);
  • Renal (proteinuria maior que 0,5 g/dia OU cilindros hemáticos);
  • Neurológico (convulsão, psicose, mononeurite multiplex, mielite, neuropatia, estado confusional agudo);
  • Anemia hemolítica;
  • Leucopenia ( < 4000) ou Linfopenia (< 1000);
  • Trombocitopenia ( < 100000);
  • Anticorpo Antinuclear (FAN);
  • Anticorpo Anti-dsDNA;
  • Anticorpo Anti-Sm;
  • Anticorpos Antifosfolipídeos;
  • Teste de Coombs Direto Positivo;
  • Complemento diminuído (C3, C4 ou CH50).

Critérios ACR/EULAR 2017

Estão em desenvolvimento novos critérios classificatórios baseados em pontos atribuídos a cada manifestação clínica. Foi inicialmente publicado em 2017, mas ainda está sendo discutida sua aplicabilidade e validação.

  • Síndrome Antifosfolípide;
  • Doença Mista do Tecido Conjuntivo;
  • Síndrome de Sjögren;
  • Esclerose sistêmica;
  • Artrite Reumatoide;
  • Miopatias inflamatórias;
  • Doença indiferenciada do tecido conjuntivo;
  • Doença de Lyme;
  • Linfoma de Células B;
  • Endocardite infecciosa;
  • Pericardite Aguda;
  • Hepatite C;
  • Fibromialgia.

Objetivos: Os objetivos do tratamento são melhorar a qualidade de vida, garantir sobrevida mais longa, alcançar o menor grau de atividade da doença, prevenir lesão orgânica e minimizar a toxicidade das drogas.

O tratamento é individualizado de acordo com as preferências e comorbidades do paciente, manifestações clínicas e atividade e gravidade da doença. As medidas não-farmacológicas têm impacto extremamente relevante no controle do LES e devem ser reforçadas em todas as consultas.

Atualmente, sabe-se que a dose cumulativa de corticoide se associa a dano (aumento no SLICC-DI), o que, por sua vez, se associa com aumento de letalidade da doença. Dessa forma, a corticoterapia deve ser ajustada por um reumatologista com experiência no manejo da doença, visando evitar a retira precoce (que determinaria reativação) ou a manutenção indevida por tempo excessivo (que aumentaria a letalidade).

Manejo Não Farmacológico

Proteção Solar: Exposição a raios ultravioletas pode exacerbar ou induzir as manifestações sistêmicas do LES. Utilizar fotoproteção FPS 50, com reaplicações frequentes.

Dieta: Corticoterapia aumenta o apetite e consequentemente resulta um ganho de peso, havendo necessidade de dieta balanceada. Pacientes com LES devem evitar alimentos que contenham alfafa em sua composição.

A maioria dos pacientes tem baixos níveis de vitamina D, em parte devido a não exposição solar. Os níveis da vitamina devem ser dosados periodicamente, e a reposição está indicada quando tais níveis se encontram baixos (<30). Indivíduos com hipertensão e/ou nefrite podem se beneficiar de mudanças na dieta, como restrição de sal.

Exercícios: Sedentarismo causa perda de massa muscular e desmineralização óssea, sendo benéfica a realização de exercícios físicos. Além disso, o sedentarismo se associa com maiores níveis de atividade de doença.

Cessação do Tabagismo: Tabagismo associa-se a maior atividade de doença, além de aumentar o risco cardiovascular.

Imunizações: Recomenda-se vacinar os pacientes antes do início de terapia imunossupressora. Pacientes imunossuprimidos, incluindo aqueles em uso de prednisona ? 20 mg/dia ou equivalente por mais de duas semanas, não devem receber vacinas com agentes vivos atenuados. Para maiores detalhes, vide o tema de “Vacinação em reumatologia”.

Tratamento de Condições Associadas: Como aterosclerose, hipertensão pulmonar e osteoporose.

Manejo Farmacológico

O tratamento é individualizado, baseado em manifestações clínicas, envolvimento orgânico, resposta a terapias anteriores, atividade e gravidade da doença.

Todos os pacientes portadores de LES devem receber antimaláricos, como hidroxicloroquina, a menos que haja contraindicações. Os benefícios desses agentes são amplos, como melhor controle da atividade sistêmica, redução da dose de esteroides e imunossupressores, redução de letalidade, melhora do perfil lipídico e glicêmico e ação antiagregante plaquetária.

O tratamento das manifestações cutâneas e articulares e das serosites serão discutidas nesse tema. Para manifestações renais, neurológicas e hematológicas, vide temas específicos de cada uma delas.

Para manifestações cutâneas, articulares e de serosas isoladas refratárias à hidroxicloroquina, o metotrexato é uma boa opção como poupador de esteroide, por ser um imunomodulador de baixo custo. Alternativamente, pode-se utilizar azatioprina. Outras medicações, como leflunomida, vêm sendo usada com sucesso. O micofenolato mofetil, por ser uma medicação mais tóxica e de alto custo, é reservada para casos refratários à outras terapias.

Este conteúdo foi desenvolvido por médicos, com objetivo de orientar médicos, estudantes de medicina e profissionais de saúde em seu dia-a-dia profissional. Ele não deve ser utilizado por pessoas que não estejam nestes grupos citados, bem como suas condutas servem como orientações para tomadas de decisão por escolha médica. Para saber mais, recomendamos a leitura dos termos de uso dos nossos produtos.

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