Whitebook: saiba tudo sobre lesão medular

Em nossa publicação semanal de conteúdos compartilhados do Whitebook separamos os critérios sobre diagnóstico e apresentação clínica da lesão medular.

Essa semana no Portal da PEBMED falamos as atualizações diagnósticas e terapêuticas da lesão medular na fisiatria. Por isso, em nossa publicação semanal de conteúdos compartilhados do Whitebook Clinical Decision, separamos os critérios sobre diagnóstico e apresentação clínica da lesão medular.

Veja as melhores condutas médicas no Whitebook Clinical Decision!

Este conteúdo deve ser utilizado com cautela, e serve como base de consulta. Este conteúdo é destinado a profissionais de saúde. Pessoas que não estejam neste grupo não devem utilizar este conteúdo.

Definição: Traumatismo raquimedular (TRM) é a lesão na coluna vertebral com comprometimento neurológico por trauma de qualquer causa externa. A lesão da medula espinhal provoca alterações neurológicas, temporárias ou permanentes, na função motora, sensibilidade ou função autonômica. Frequentemente está associado a trauma cranioencefálico ou politrauma.

Fisiopatologia:

  • Uma falha estrutural da coluna vertebral desloca estruturas ósseas e ligamentares para o espaço neural, canal vertebral e estruturas nervosas. Essas estruturas deslocadas e rompidas aplicam forças sobre o tecido nervoso que resultam em perturbação funcional ou anatômica;
  • Quase todas as lesões da medula espinhal são por esmagamento, resultantes de contusão aguda do tecido nervoso, causadas pelas forças físicas aplicadas;
  • As lesões por laceração ou transecção da medula espinhal ocorrem apenas em poucos casos, mesmo em quadros de fratura com luxação significativamente desviada;
  • A energia física do mecanismo de lesão causa imediata despolarização das membranas axonais o tecido nervoso. Isso resulta em um déficit neurológico funcional que excede a própria ruptura do tecido. Esse problema é conhecido como “choque medular”;
  • O exame clínico reflete com maior precisão a lesão neurológica quando o choque medular desaparece e ocorre a repolarização das estruturas nervosas dos tecidos neuronais não lesionados. Fica evidenciado com retorno do reflexo bulbocavernoso;
  • Nos neurônios e axônios lesionados foi observado que os mecanismos de troca de sódio/cálcio operam inversamente após uma lesão aguda, agentes que bloqueiam essa troca diminuem o edema neural e agem como neuroprotetores;
  • Lesão primária: transferência de energia cinética, rompimento mecânico axonal, lesão neuronal mecânica, rotura de vasossanguíneos;
  • Lesão secundária: redução do fluxo sanguíneo local com lesão neuronal e axonal adicional, por fenômenos inflamatórios,alterações do endotélio vascular e desequilíbrio neuroquímico;
  • Alteração no canal vertebral, hemorragia, edema, redução da pressão sistêmica;
  • Pode levar à lesão medular completa sem lesão anatômica propriamente direta.

Aspectos gerais:

  • Associado a 5% dos traumatismos cranioencefálicos;
  • Aproximadamente 10% dos pacientes com fratura cervical possuem uma segunda fratura da coluna vertebral não contígua;
  • Cerca de 5% das lesões neurológicas surgem ou pioram após a chegada na emergência: lesão secundária, imobilização inadequada;
  • Principais causas: acidentes automobilísticos, queda de altura, mergulho em águas rasas, ferimentos por arma de fogo;
  • Localização segundo frequência: segmento cervical > torácico > toracolombar > lombossacral.

Mecanismo de trauma:

  • Trauma fechado: súbita flexão, hiperextensão, compressão, rotação.
  • Trauma penetrante: PAF e arma branca.

Importância do atendimento inicial no local do sinistro: prevenção de lesões adicionais; imobilização adequada da coluna vertebral (colar cervical + head blocks + prancha rígida).

Anamnese

  • Mecanismo de trauma;
  • Tempo decorrido do trauma e atendimento;
  • Circunstâncias do trauma;
  • Uso de substâncias tóxicas;
  • Estricamento (remoção do local) pela equipe pré-hospitalar;
  • Sintomas neurológicos focais (presença, agravamento);
  • Dor ao longo da coluna vertebral;
  • Perda de consciência;
  • Uso de equipamentos de proteção pela vítima (ex.: capacete);
  • Alergias, comorbidades, medicamentos, prenhez, última refeição.

Exame Primário

Responde às prioridades do ATLS. Proteção da cervical é um dos primeiros passos do ATLS, junto dos cuidados com as vias aéreas.

Garantir o controle da coluna por meio de mobilização cuidadosa e imobilização adequada com colar cervical e prancha rígida.

Métodos de controle da mobilidade da coluna vertebral:

  • Manual cervical: mãos posicionadas nas porções laterais da face. Importante durante o exame físico assim como durante procedimentos invasivos (ex.: intubação orotraqueal – IOT).
  • Cervical: mobilidade anteroposterior: colar cervical de tamanho correto. Mobilidade laterolateral: head-block.
  • Prancha rígida com tirantes adequadamente posicionados durante o transporte torácico / pélvico / membros inferiores: tal dispositivo é incômodo no paciente vigil pode levar a formação de úlceras de decúbito se mantidos prolongadamente. Deve-se fazer todo esforço possível para que o paciente seja rapidamente avaliado por especialista e removido da prancha. Se avaliação não for possível dentro de 2 horas: remover o paciente em bloco da prancha e realizar sua mobilização de decúbito 2/2 horas mantendo-se a integridade da coluna. Prancha rígida é apenas para o transporte do paciente.

Garantir controle da oxigenação assim como da pressão arterial sistêmica: prevenção de lesões neurológicas secundárias por hipoxemia e hipotensão.

Lesões altas (acima de C3-C5) podem levar a paralisia frênica: necessidade de IOT.

Identificar sinais precoces de choque e sua distinção etiológica:

  • Hipovolêmico: hipotensão, taquicardia, pele fria e mal perfundida;
  • Neurogênico: hipotensão, bradicardia, pele quente, perfusão distal presente.
    Maior atenção nos pacientes com rebaixamento do nível de consciência, intoxicados, hipotensos (chocados) e com lesões associadas de grande dimensão (distração): Maior risco de lesões despercebidas na coluna.

Durante o exame neurológico sumário inicial avaliar mobilidade dos membros.

Exposição: Avaliação completa do paciente, inclusive do dorso, com controle da coluna por meio de mobilização em bloco (rolamento lateral).

Após estabilização inicial do paciente realizar um exame neurológico mais pormenorizado.

Suspeitas de trauma raquimedular:

  • Dor local na distribuição da coluna (mobilização ativa ou passiva);
  • Lesões, lacerações de distribuição na coluna;
  • Incapacidade funcional;
  • Disestesias;
  • Espasmos musculares;
  • Respiração diafragmática/ abdominal;
  • Perda de resposta a estímulos nocivos;
  • Alteração de controle de esfíncteres;
  • Testar reflexo bulbo-cavernoso, se ausente pode indicar estado de choque medular;
  • Priaprismo;
  • Reflexos patológicos (Babinski, Oppenhein).

Exploração vertebral:

  • Com correta imobilização de toda coluna vertebral, retirar o colar cervical e analisar.
  • Exame estático cervical: inspeção, palpação.
  • Exame dinâmico cervical (voluntário): mobilização lateral e anteroposterior.
  • Com mobilização do paciente em bloco avaliar colunas torácica e lombar: inspeção e palpação.

Exame neurológico: sentido craniocaudal, principalmente no paciente consciente.

Nível sensitivo:

Vide quadro abaixo:

  • Estímulos: tátil, dor, temperatura, vibração, propriocepção.
  • Avaliação dos principais dermátomos: diagnóstico inicial e posterior acompanhamento.
  • Nível sensitivo: último dermátomo com função sensitiva normal, podendo variar conforme a lateralidade (direita ou esquerda).
  • O exame sensitivo pode ser confundido com a dor.
Segmento espinhal Dermátomo
C5 Área acima do deltoide e lateral do braço
C6 Dedo polegar e indicador
C7 Dedo médio
C8 Dedo mínimo
T4 Mamilos
T8 Apêndice xifoide
T10 Região umbilical
T12 Sínfise púbica
L4 Porção medial das panturrilhas
L5 Espaço interdigital entro os 1° e 2° pododáctilos
S1 Porção lateral dos pés
S3 Tuberosidades isquiáticas
S4/S5 Região perineal
  • Resposta motora: Vide tabela abaixo:
  • Miótomos: conjunto de músculos inervados por uma raiz nervosa espinhal;
  • Avaliação do grau de movimentação, função dos tratos corticoespinhais;
  • Bilateral com quantificação da força muscular:
    • 0: paralisia total;
    • 1: contração visível ou palpável;
    • 2: movimentação ativa presente sem vencer a gravidade;
    • 3: movimentação ativa presente vencendo a gravidade;
    • 4: movimentação ativa, porém com força reduzida (vence alguma resistência);
    • 5: força normal contra resistência;
    • NT: não testável.
Segmento Espinhal Miótomo
C5 Deltoide e flexão do antebraço
C6 Extensores do punho
C7 Tríceps
C8 Flexores do punho e dedos
T1 Abdutor do dedo mínimo
L2, L3 Iliopsoas – Flexão do quadril
L3, L4 Quadríceps – extensão dos joelhos
L4, L5 Extensão do quadril
L5, S1 Isquiostibias – Flexão dos joelhos
L4, L5 Tibial anterior e extensor longo do hálux – Dorsiflexão do tornozelo e hálux
S1, S2 Gastrocnêmio e sóleo – Flexão plantar dos tornozelos

Função autonômica: Procurar sinais de choque neurogênico.

Choque medular:

  • Disfunção autonômica que interfere com a manutenção da estabilidade hemodinâmica;
  • No trauma medular ocorre interrupção das fibras nervosas simpáticas, abaixo do nível da lesão, a inervação parassimpática (vago) prevalece sem oposição
  • Resultando em bradicardia, vasodilatação, hipotensão, aumento da capacidade venosa, hipovolemia relativa, arreflexia, paralisia flácida, íleo adinâmico e atonia vesical.

Choque neurogênico (distributivo):

  • Alteração da funcionalidade das vias simpáticas descendentes da coluna cervical e torácica superior;
  • Perda do tônus vasomotor e inervação simpática cardíaca;
  • Relacionado às lesões acima de T6;
  • Características clínicas:
    • Vasodilatação visceral e membros inferiores;
    • Hipotensão arterial;
    • Bradicardia ou ausência de resposta cronotrópica à hipovolemia.
  • Cuidado! O excesso de volume infundido pode levar a edema pulmonar.

Zona de preservação parcial: Dermátomos e miótomos abaixo do nível neurológico que permanecem inervados parcialmente.

Reflexo bulbocavernoso:

  • Grande importância na avaliação do choque medular;
  • Avaliação: estimulação peniana/ clitoriana com resposta motora (contração) do esfíncter anal;
  • Inicialmente ausente junto a perda transitória de função sensitiva/motora;
  • Seu retorno indica o término do choque medular e determinação do déficit neurológico após a lesão.

Reflexos patológicos: Indicam lesão do primeiro neurônio motor: Babinski, Oppenhein.

Reflexos profundos:

  • Avaliação dos arcos reflexos;
  • Sua ausência pode indicar lesões dos nervos periféricos ou a presença de choque medular;
  • Avaliados: bicipital (C5); braquiorradial (C6); tricipital (C7); patelar (L4); aquileu (S1).

Reflexos superficiais:

  • Avaliam o neurônio motor superior;
  • Sua ausência simétrica indica lesão do neurônio motor superior e assimétrica, lesão do neurônio motor inferior;
  • Reflexos abdominais ou cremastéricos.

Ao final do exame determinar:

    vide tabelas acima

  • Nível sensitivo: nível mais caudal da medula espinhal com sensibilidade normal;
  • Nível motor: nível mais caudal da medula espinhal com motricidade normal.

Classificação:

Classificação de Frenkel
Classificação Motricidade Sensibilidade
A Ausente Ausente
B Ausente Presente
C Presente não útil Presente
D Presente útil Presente
E Normal Normal

Diagnóstico Sindrômico:

SíndromeQuadro Clínico
Sd. medular centralPerda de força;
Comprometimento vascular nos MMSS > MMII medula (art. espinhal anterior)
Sd. medular anteriorPerda motora e perda da sensibilidade à dor e à temperatura variáveis, com preservação da propriocepção e pressão profunda
Sd. Brown-Séquard
Lesão à metade lateral da medula espinhalPerda motora e da propriocepção ipsilateral a lesão. Perda da sensibilidade contralateral à dor e à temperatura
Sd. Cone MedularBexiga, intestino e membros inferiores arreflexos. Pode ter preservado os reflexos bulbocavernoso e da micturição
Sd. Cauda EquinaBexiga, intestinos e MMII arreflexos Lesão medular espinhal incompleta: Caso haja preservação parcial da função sensitiva e/ou motora abaixo do nível neurológico e inclua segmento sacral mais inferior. Avalia função sensitiva do esfíncter anal assim como sua contração voluntária.

Lesão medular espinhal completa: Ausência de função sensitiva ou motora no segmento sacral mais inferior.

Este conteúdo foi desenvolvido por médicos, com objetivo de orientar médicos, estudantes de medicina e profissionais de saúde em seu dia-a-dia profissional. Ele não deve ser utilizado por pessoas que não estejam nestes grupos citados, bem como suas condutas servem como orientações para tomadas de decisão por escolha médica. Para saber mais, recomendamos a leitura dos termos de uso dos nossos produtos.

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