WONCA 2022: Literatura como remédio

O potencial uso da literatura como remédio foi tema de um dos workshops de maior impacto do WONCA 2022. Saiba mais.

A maneira como contamos histórias diz muito a respeito de nós. As tradições culturais e que nos constituem como comunidades, criando nosso processo de identificação com os pares, foram inicialmente passadas de uma geração para a próxima através da tradição oral. Muito do que nos faz humanos tem a ver com a maneira como contamos e passamos nossas histórias adiante.

O processo de visitar um profissional de saúde, sobretudo o médico, passa por momentos em que se espera que contemos nossas histórias. Dessa forma, o principal recurso que profissionais da medicina em todas as áreas possuem para coleta de dados é a escuta direta ou indireta de uma história. Assim, entender como contamos histórias é um campo do saber que é de interesse médico. 

Esse campo do saber é a medicina narrativa, que se ocupa do entendimento desse processo. Mas para além do processo de conhecimento sobre o fenômeno da transmissão de narrativas, há ainda o potencial terapêutico do processo de receber e transmitir histórias. Esse receber e transmitir pode se dar de forma oral, escrita, musical, cinematográfico. Daí deriva o potencial uso da literatura como remédio.

Essa utilização foi tema de um dos workshops de maior impacto da 27ª conferência europeia da WONCA. Nessa oficina, Cristopher Dowrick professor emérito da Universidade de Liverpool no Reino Unido, conduziu uma sessão de utilização da leitura de trechos do consagrado romance russo Anna Karenina para abordar o manejo do suicídio nos contextos de atenção primária.

literatura

A sessão

Em pequenos grupos o professor distribuiu trechos do romance. Os participantes em conjunto liam os textos e precisavam responder a algumas perguntas de estímulo tentando encontrar a resposta para o enigma da evitabilidade da morte de Anna. Após isso, os participantes compartilharam como a história dessa personagem se relacionava às experiências clínicas dos participantes além disso o quanto eles identificavam da história de Anna nas pessoas de quem cuidavam.

Com essa sessão o professor demonstrou como a literatura apresenta um potencial uso terapêutico no processo grupal de muitos pacientes com diferentes questões clínicas evidentes ou não. Além disso, o professor compartilhou a própria experiência em que a literatura foi determinante para seu processo de recuperação.

A utilização desse tipo de recurso lúdico como estímulo terapêutico não é novidade ou exclusivo da realidade europeia. O processo de identificação com histórias e personagens tem um vasto campo a ser explorado por profissionais de saúde. Além disso, o próprio estímulo cognitivo da leitura tem potencial terapêutico quando pensamos em questões com prejuízo cognitivo, como as demências, sem nos esquecermos do processo coletivo de socialização e identificações mútuas criando senso de pertencimento e comunidade, que também tem alto impacto sobre a saúde mental.

No Brasil, iniciativas semelhantes acontecem em muitos serviços. Um dos grandes destaques é o Laboratório de Humanidades da Universidade Federal Paulista, Unifesp, conduzido pelo professor Dante Gallian. O professor tem desenvolvido o método de utilização da literatura como recurso terapêutico e como processo formador dos profissionais de saúde. Em uma via seu grupo busca entender como clássicos da literatura auxiliam no manejo de condições complexas como a esquizofrenia, enquanto em outra como a utilização desse recurso pode desenvolver competências humanísticas dos profissionais de saúde e impactar a percepção de humanização dos serviços de saúde. 

Do ponto de vista da gestão em saúde, esse é um recurso de baixo custo e alto impacto. Conhecer essas possibilidades e incorporá-las em nosso processo de trabalho tem grande potencial para desenvolvimentos de abordagens comunitárias, educação em saúde, criação de ambientes promotores e geradores de saúde.  A ampliação de ferramentas na maleta das pessoas que praticam medicina de família sempre cria mais possibilidades de transformar o cuidado em saúde daqueles de quem cuidamos, e esse é um grande exemplo disso.

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