Zika: o que mudou em relação à infecção congênita e seguimento pré-natal?

Uma das epidemias que mudou nossas condutas é a febre zika, ao lado da dengue, febre amarela e chikungunya, que tem gerado preocupações na saúde pública.

No atual contexto de saúde, vemos pandemias surgindo e desaparecendo com grande frequência. Além disso, temos testemunhado curiosos fenômenos de reaparecimento de algumas doenças infecto-contagiosas que por longos períodos ficaram sem ser vistas no nosso cenário de prática. Pessoalmente, posso compartilhar a experiência de ser de uma geração de profissionais que nunca havia estado em contato com casos de sarampo, por exemplo, até a recente epidemia de casos na região em que trabalho.

Uma dessas epidemias que mudou nossas condutas é a febre zika, ao lado da dengue, febre amarela e chikungunya, que tem sido uma das principais preocupações na saúde pública brasileira pela relação com o vetor Aedes aegypti, bastante adaptado ao nosso ambiente urbano.

A infecção por zika vírus causou grande repercussão e preocupação por sua associação com microcefalia, e desde 2015 esse tem sido um ponto de muita polêmica e controvérsias ao longo dos estudos que foram realizados e estão em andamento. O fato de ser um fenômeno que só recentemente despertou o olhar da ciência de modo mais intensivo implica em uma falta de espaços temporais favoráveis à conclusões robustas em estudos epidemiológicos.

Estamos com apenas cinco anos desde a epidemia, se consideramos o marco zero como 2015; cinco anos é o máximo de tempo que temos de seguimento longitudinal dos casos identificados naquela época para podermos associar algumas práticas a desfechos específicos no longo prazo.

médico com a mão na barriga de paciente grávida em maca, com zika

Manejo de infecções congênitas por zika

Há cerca de três semanas, o jornal científico The New England Journal of Medicine, foi palco de uma discussão que é de nosso interesse, especialmente para obstetras, pediatras e médicos de família e comunidade, no manejo das infecções congênitas por zika vírus, acerca do processo para o diagnóstico precoce de microcefalia. Um grupo de pesquisa com colaboração multicêntrica havia publicado algumas recomendações acerca do seguimento seriado das gestantes com possibilidade de contato com o vírus.

O impasse foi a carta enviada ao The New England com resultados robustos questionando de modo frontal essas recomendações, e a resposta dos pesquisadores é o ponto central do que queremos destacar.

Entendendo o problema

A suspeita de infecção pelo vírus é de notificação compulsória em todo o Brasil, assim como para a dengue também o é. O Ministério da Saúde emite portarias específicas para que quando a infecção é suspeitada em gestantes. Dessa forma, toda gestante que inicia sintoma de doença exantemática deve ser avaliada, ter seu caso notificado, início de um seguimento mais estreito e complementação com testes diagnósticos específicos que inclui sorologias e PCR.

As sorologias devem cobrir:

  • Dengue;
  • Chikungunya;
  • Parvovírus B19;
  • TORCH (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes).

O PCR deve cobrir:

  • Zika (também poderá ser realizado com amostra de urina, coleta até 15 dias da fase aguda);
  • Dengue;
  • Chikungunya.

Além disso deve se solicitar uma ultrassonografia obstétrica, com prioridades para o período do 1º e do 3º trimestres.

Esse é o esquema básico descrito nas recomendações para acompanhamento das gestantes com suspeita de doenças exantemáticas. O protocolo completo você encontra no Whitebook.

A questão de polêmica na literatura é: como devo proceder o seguimento ultrassonográfico de gestantes que apresentem PCR positivo para o vírus? E para as gestantes que estão em áreas expostas a riscos altos, mas não tem resultados sorológicos? Antes de respondermos esses pontos, é necessário o destaque do objetivo de pedir o exame ultrassonográfico nesse período.

A principal razão do exame de imagem durante o pré-natal quando se inicia o seguimento pensando em infecções por arboviroses, especialmente o Zika Virus (ZKV) é a detecção precoce de alterações do desenvolvimento, cabendo aqui o destaque

As evidências vinham apontando para alguns pontos-chave:

  • Todas as gestantes devem realizar ultrassonografia obstétrica entre 18 e 20 semanas como parte da rotina de pré-natal, sendo o USG basal para comparativo do desenvolvimento fetal;
  • Gestantes sintomáticas com suspeita de feto com microcefalia, com sorologias inconclusivas ou testes diagnósticos positivos devem fazer seguimento mensal ultrassonográfico;
  • Gestantes assintomáticas ou com sorologias negativas devem repetir o USG entre 28 a 30 semanas.

A carta de discussão no periódico se dá por um estudo grande, e por esse tamanho amostral bastante robusto que realizou o seguimento de mulheres nos estados unidos com ultrassonografia para avaliação de casos de microcefalia.

Resultados do estudo

Os autores alegaram que neste estudo não houve identificação de nenhum um caso com essa modalidade de seguimento, confrontando as recomendações da literatura.

A resposta dos pesquisadores ao colega foi categórica: a questão a ser concluída guarda relação com a situação epidemiológica. Explico-me. A região em que foi realizado o estudo nos estados unidos tem baixa prevalência de febre causada pelo ZKV. A incidência de casos é baixa. Portanto a sensibilidade dos testes empregados cai muito com isso.

Os estudos realizados na América Latina contaram com incidências muito maiores e por esse motivo a sensibilidade do teste também foi maior. Desse modo, em áreas com baixa chance de exposição ou risco de exposição a conduta deve ser compartilhada, a fim de se evitar procedimentos desnecessários, mas levando-se sempre em conta a decisão da gestante.

Mais do autor: Anticolinérgicos estão associados a maior risco de demência?

Outro ponto enfatizado pelos pesquisadores é o fato de que o USG depende da habilidade e experiência do profissional que realiza o procedimento. Estudos com vários avaliadores para esse método têm achados de difícil reprodutibilidade, gerando vieses em suas análises.

Dessa forma, para o cenário do Brasil em que o risco é alto para a exposição, gestantes assintomáticas, porém com risco de exposição (ex. Iniciar a gestação durante um surto de arboviroses) devem ser seguidas de perto com ênfase no primeiro e terceiros trimestres. Gestantes sintomáticas e com risco devem ser seguidas de perto com USG a cada quatro semanas.

Contudo, a vontade da paciente é sempre pedra angular da tomada de decisão, sendo papel do profissional ouvir e conduzir o processo de conduta de modo horizontalizado.

Referências bibliográficas:

  • MUSSO, Didier; KO, A. I.; BAUD, David. Zika Virus Infection-After the Pandemic. Reply. The New England journal of medicine, v. 382, n. 2, p. e3, 2020.
  • MUSSO, Didier; KO, Albert I.; BAUD, David. Zika virus infection—after the pandemic. New England Journal of Medicine, v. 381, n. 15, p. 1444-1457, 2019.

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