Quando grave, a hepatite alcoólica apresenta alta taxa de mortalidade, atingindo 20% a 30% em 2 meses. Atualmente, o tratamento recomendado é a prednisolona oral, com objetivo de aumentar sobrevida em 28 dias. Todavia, uma preocupação importante é que esses pacientes possuem maior risco de infecção bacteriana e fúngica, podendo chegar a 30% dos casos usando corticoide. Os pacientes que cursam com infecção apresentam pior prognóstico, cursando muitas vezes com síndrome hepatorrenal e acute-on-chronic liver failure (ACLF).
O papel da antibioticoprofilaxia não é bem definido nessa situação. O estudo AntibioCor avaliou se adicionar amoxicilina-clavulanato ao tratamento com prednisolona reduziu a mortalidade em pacientes com hepatite alcoólica grave em comparação com placebo + prednisolona.
Métodos
Foi realizado um estudo duplo-cego, randomizado, controlado por placebo, no período entre junho de 2015 a maio de 2019. Foram incluídos pacientes entre 18 e 75 anos com hepatite alcoólica grave recrutados em 25 centros na França e na Bélgica. Os pacientes precisavam preencher os critérios diagnósticos clínico e histopatológico de hepatite alcoólica, além de apresentarem índices de gravidada (Maddrey ≥ 32 e MELD ≥ 21).
Os pacientes foram randomizados na proporção 1:1 em dois grupos: prednisolona (40 mg) e amoxicilina + clavulanato (1.000 mg + 125 mg), e o controle apenas com prednisolona (40 mg) e placebo. Ambos fizeram a profilaxia por 30 dias.
Houve reavaliação presencial semanalmente durante as primeiras quatro semanas e em 45, 60, 90 e 180 dias. A adesão ao medicamento era avaliada na consulta e através de diário preenchido pelo paciente.
O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas em 60 dias. Os desfechos secundários foram: mortalidade por todas as causas aos 90 e 180 dias, incidência de infecção e síndrome hepatorrenal em 60 dias, resposta terapêutica (score de Lille < 0,45 no dia 7) e taxa de pacientes com melhora da função hepática (definida como pacientes vivos com pontuação MELD < 17 em 60 dias).
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Resultados
Após aplicação de critérios de elegibilidade e de exclusão, 142 pacientes foram randomizados para o grupo de intervenção e controle. Dentre esses, houve dez grandes desvios no grupo de intervenção e oito no grupo placebo, sendo esses excluídos da análise de sensibilidade restrita a pacientes sem grandes desvios do protocolo do estudo.
Dos resultados, 21,8% dos pacientes do grupo de intervenção (amoxicilina-clavulanato) e 18,3% no grupo controle (placebo) tinham sido previamente tratados com antibióticos para quadros infecciosos e foram incluídos após um período de 7 dias sem a medicação. A adesão ao tratamento verificada nas consultas foi satisfatória para ambos os grupos.
Mortalidade por todas as causas em 60 dias
Taxa de mortalidade por todas as causas foi de 17,3% no grupo de intervenção e 21,9% no grupo placebo (p 0,33), com diferença absoluta na mortalidade em 60 dias de -4,7% (IC 95% -14,0% a 4,7%), não sendo estatisticamente significativa.
Mortalidade por todas as causas em 90 dias e 180 dias
Não houve desvio na suposição de riscos proporcionais em 90 e 180 dias.
Incidência de infecção em 60 dias
Em 60 dias, as taxas de infecção foram de 29,7% (n = 42 eventos) no grupo de intervenção e 41,5% (n = 59 eventos) no grupo controle, com diferença de -11,8% [95% CI, −23,0% a −0,7%].
Incidência de síndrome hepatorrenal em 60 dias
Não houve diferença estatisticamente significativa na incidência de síndrome hepatorrenal entre os grupos no período de 60 dias (7,7% no grupo intervenção vs 8,5% no grupo controle).
Pontuação da resposta terapêutica e da função hepática
Escore de Lille 7º dia respondedor ao corticoide (< 0,45): 56,7% do grupo intervenção vs 55,1% do grupo controle, sem diferença estatisticamente significativa.
MELD < 17 EM 60 dias: 48,0% no grupo de intervenção versus 55,0% no grupo controle, sem diferença estatisticamente significativa.
Resultados de segurança
No período de 60 dias, foram registrados 230 eventos adversos entre 68 pacientes do grupo intervenção e 77 pacientes do grupo placebo. Os eventos adversos mais graves relatados foram insuficiência hepática, infecções e distúrbios gastrointestinais.
A proporção de bactérias multirresistentes foi avaliada por esfregaço retal em 185 pacientes demonstrou maior proporção dessas no grupo intervenção (29/91 [31,9%] vs 8/94 [8,5%]).
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Mensagens práticas
A antibioticoprofilaxia é ainda controversa no cenário de hepatite alcoólica grave. Nesse ensaio clínico randomizado, a adição de amoxicilina-clavulanato ao tratamento padrão com prednisolona não melhorou significativamente a sobrevida em 2 meses. Apesar de reduzir a taxa de infecção, não houve outros desfechos significativamente diferentes entre os grupos.
Apesar desses resultados, o alto risco de infecção entre os pacientes hospitalizados com hepatite alcoólica segue sendo uma preocupação. Dessa forma, o rastreio infeccioso deve ser minucioso e rápido, a fim de implantar o tratamento adequado.
Um ponto negativo é que o protocolo desse estudo não recomendou a regra de interrupção do uso de corticoide para os pacientes não respondedores, o que pode ter influenciado os resultados. Além disso, esse estudo foi desenhado na hipótese de redução de mortalidade, podendo benefícios menores não serem detectados.
O uso de antibiótico profilático deve ser individualizado nos pacientes com hepatite alcoólica grave. Nesses pacientes, deve haver monitorização rigorosa de infecção, com baixo limiar para realizar rastreio infeccioso e instituir terapia precocemente.
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