O transtorno por uso de cocaína é um importante problema de saúde pública. A proliferação de cenas de uso urbanas de crack e cocaína, popularmente nomeadas de Cracolândia, atestam a insuficiência das intervenções sociais e de saúde que empregamos nos últimos anos para tratamento da questão. Dados do Relatório Mundial sobre Drogas – 2023, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNOD) indicam que 22 milhões de pessoas usaram cocaína em 2021. Estima-se que um em cada quatro usuário de cocaína tenha um transtorno por uso de cocaína.
As estratégias corriqueiramente empregadas para o tratamento do transtorno por uso de substâncias envolve o uso de medicações que substituem a droga por possuírem efeito farmacológico análogo; medicações que atuam no sistema de recompensa e medicações visando diminuir impulsividade / comportamentos compulsivos.
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Outros tratamentos
Não há tratamentos específicos para o transtorno por uso de cocaína, sendo as vacinas antidrogas uma estratégia promissora. Neste contexto se insere uma vacina em desenvolvimento pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chamada Calixcoca (UFMG-VAC-V4N2).
A vacina induz a produção de anticorpos anticocaína, capazes de se ligarem a cocaína e diminuir a passagem da cocaína pela barreira hematoencefálica, diminuindo a atividade da droga no cérebro. A vacina é composta por uma plataforma imunizante, uma plataforma vacinal sintética – ou seja, ao invés das típicas moléculas proteicas usadas em vacinas, trata-se de uma molécula farmoquímica, altamente lipofílica, ligada a quatro moléculas de cocaína.
Reação fisiológica
A inspiração para a criação de uma vacina anticocaína vem da observação da produção espontânea de anticorpos em usuários pesados da droga. A despeito da cocaína ser uma molécula pequena e, portanto, pouco imunogênica, imagina-se que a presença de contaminantes incidentalmente misturados a cocaína em sua cadeia de produção ilegal fosse responsável por transformar a droga em imunógeno.
A vacina já foi testada em modelos animais, com demonstração da sua eficácia e segurança. A ideia é que a vacina impeça a reativação do sistema de recompensa, facilitando a manutenção da abstinência.
A vacina também foi testada em modelos animais gestantes, uma vez que, a cocaína é uma droga vasoconstritora, que atua não só inibindo o receptor de recaptação da dopamina, mas também age no receptor alfa-1, levando a contração arterial, que é um grande problema para as gestantes que consomem cocaína durante a gravidez, uma vez que seu consumo aumenta o risco de doença hipertensiva específica da gravidez, descolamento da placenta, aborto espontâneo e crescimento intrauterino restrito. Nos modelos animais o imunizante reduziu os abortos espontâneos e melhorou o ganho de peso nos fetos.
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Em que estágio está a vacina?
No momento o grupo de pesquisa da UFMG está finalizando Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento, já tendo concluído a avaliação dos aspectos de segurança, restando inconcluso partes relativas ao plano de desenvolvimento do medicamento e dossiê do medicamento experimental para que possam realização a petição na Anvisa que autorizará o início dos testes clínicos em humanos.
O desenho do estudo de fase I/IIa já está feito – a equipe pretende avaliar pessoas que foram dependentes, estão no momento abstinentes e desejam permanecer em abstinência.
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