Antipsicótico oral versus ação prolongada em pacientes com esquizofrenia inicial

Estudo avaliou se há vantagem das medicações de depósito durante análise de 19 meses de tratamento com 511 pacientes recrutados.

Considerando a gravidade dos sintomas da esquizofrenia, a prevenção de recaídas é fundamental e a descontinuação das medicações é, de longe, a principal causa delas. Aproximadamente metade dos pacientes tomam menos que 70% das suas medicações orais e a troca para uma medicação de depósito seria, teoricamente, uma forma de aumentar a adesão e evitar desfechos negativos. Apesar dos benefícios teóricos das medicações de depósito, as evidências desse benefício são conflitantes.   

Considerando que as recaídas nos primeiros anos de doença são especialmente impactantes já que esses anos são cruciais para a aquisição de habilidades sociais, acadêmicas e vocacionais, Winter-van Rossum et. al. realizaram um ensaio clínico randomizado de larga escala, internacional, empregando uma metodologia que tenta refletir a prática clínica, comparando formulações orais e de depósito de aripiprazol e risperidona em termos do tempo de descontinuação. 

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Métodos do estudo 

O European Long-acting Antipsychotics in Schizophrenia Trial (EULAST) é um estudo pragmático, aberto, randomizado, conduzido em 50 hospitais gerais e clínicas psiquiátricas localizados em 15 países europeus e Israel. Foram recrutados pacientes internados e ambulatoriais, maiores de 18 anos e que preenchiam os critérios diagnósticos para esquizofrenia do DSM-IV. Os pacientes deveriam estar doentes há no mínimo seis meses e não mais que sete anos, valor determinado pelos autores e que eles acreditam refletir a fase inicial da doença. 

O início da doença foi definido pelo primeiro contato com um profissional de saúde. Grávidas e lactantes, pacientes usando clozapina, com histórico prévio de não resposta às medicações do estudo após uso em tempo e dose adequados, sem condições de compreender e aceitar participar do ensaio clínico, pacientes forenses, que estivessem simultaneamente em outro ensaio clínico ou tenham feito uso de drogas experimentais nos 30 dias anteriores a triagem e que possuíam doença hepática grave foram excluídos. 

A escolha dos antipsicóticos se deu à similaridade nos regimes de administração e pelo perfil de segurança e eficácia bem estabelecidos. A escolha da mesma medicação para comparação é uma vantagem deste estudo, visto que evidências anteriores sugerem que os pacientes tomam por mais tempo medicações com maior eficácia.  

Resultados 

Dez dias após a triagem os pacientes eram randomizados e as quatro semanas seguintes serviam para troca cruzada entre alguma medicação de uso prévio e a medicação do estudo. Para aqueles alocados no grupo de medicação de depósito, iniciava-se primeiro a medicação oral e após as primeiras quatro semanas recebiam a primeira dose da medicação de depósito. Após 8 semanas do início do ensaio clínico foi considerado que os grupos estavam com níveis séricos estáveis. Avaliações sumárias eram realizadas mensalmente e avaliações mais detalhadas a cada três a quatro meses, onde o nível sérico das medicações era avaliado. Uso concomitante de outras medicações psicotrópicas e potencialização com outro antipsicótico após oito semanas do início do estudo foi permitido (até um limite pré-especificado).  

 Desfechos

O desfecho primário foi o tempo de descontinuação por todas as causas no grupo de tratamento combinado com antipsicóticos orais (aripiprazol oral e paliperidona) versus o grupo de tratamento combinado com antipsicóticos de depósito (aripiprazol e paliperidona de depósito) durante 19 meses de tratamento. 

Descontinuação 

As causas de descontinuação foram assim definidas: 1) o tratamento da randomização foi interrompido ou usado em doses fora do intervalo permitido; 2) medicação foi trocada por ou potencializada por outro antipsicótico após a semana 8 por mais de um mês continuamente ou por mais de 3 meses cumulativamente; 3) o paciente não compareceu a uma visita mensal e faltou mesmo após ser lembrado; 4) o paciente retirou o consentimento para o estudo; 5) o clínico decide retirar o paciente do estudo; 6) descontinuação por qualquer outra causa, como paciente não deseja mais se tratar ou falecimento. Os motivos foram categorizados em três grupos: descontinuação por falta de eficácia, por questões de segurança (incluindo efeitos colaterais) e outras razões. Os desfechos secundários foram mudanças em diferentes dimensões psicopatológicas dos sintomas, funcionamento psicossocial, hospitalizações e efeitos colaterais.  

Métodos

Participantes foram recrutados entre 24 de fevereiro de 2015 a 15 de dezembro de 2018 e a última avaliação foi realizada em 26 de agosto de 2020. Quinhentos e onze preencheram os critérios diagnósticos, sendo 171 mulheres (33%) e 340 homens (67%), com uma média de idade de 30,5 anos. Ao todo, 167 pacientes completaram os 19 meses de tratamento. No grupo de tratamento oral, 72 pacientes (29%) dos 247 completaram o estudo e no grupo de tratamento de depósito, 95 pacientes (35%) dos 264, completaram o estudo. Não houve diferença entre a descontinuação por qualquer causa entre os grupos. O tempo de descontinuação também não diferiu entre os grupos (média de 175 dias para o tratamento oral e 200 dias para depósito).  

Resultados

Trinta pacientes (12%) do grupo de tratamento oral descontinuaram o tratamento por causa da eficácia versus 46 (17%) do grupo de depósito.  Desses, 25 pacientes (10%) do grupo de tratamento oral o descontinuaram por questões de segurança versus 46 (17%) do grupo de depósito. 120 pacientes (49%) do grupo de tratamento oral descontinuaram por outras razões comparado com 89 (34%) do tratamento de depósito.

Não houve diferença estatística entre os grupos. Quanto ao tempo de descontinuação, não houve diferença na interrupção por eficácia  e sem diferença quanto ao tempo de descontinuação por eficácia ou segurança, mas no grupo de outras razões, os pacientes que fizeram uso de medicação de depósito demoraram mais para interromper o tratamento.  

O tempo de doença (seis meses a três anos versus quatro a sete anos) teve um efeito significativo no tempo de descontinuação da medicação. Pacientes com maior duração mostraram uma resposta pior que aqueles com menor tempo. A estratificação pelo tempo de doença não mostrou diferença entre os grupos oral e depósito.  

Foram realizadas análises post-hoc comparando os quatro grupos de tratamento individualmente quanto ao tempo de descontinuação e comparando dois estratos etários (≤ 25 anos e >25 anos), sem diferença.  

Não houve diferença entre os grupos quanto aos desfechos secundários, mas todos os grupos evidenciaram uma melhora expressiva nos sintomas e no funcionamento social após o tratamento. Durante o estudo houve 121 hospitalizações em 103 pacientes, sem diferença entre os grupos de tratamento.  

Considerações

São limitações do estudo o seu desenho aberto – foram avaliadas as opiniões dos investigadores sobre as medicações e os diferentes tipos, com um viés a favor das medicações de depósito, sendo improvável que o desenho do estudo tenha impactado seus desfechos. Outra limitação é que o cálculo do tamanho amostral foi realizado considerando as taxas de recaída e não de descontinuação. Por fim, a alocação aleatória para os grupos de tratamento e a realização de uma avaliação extensa a cada três meses pode ter mudado a característica da amostra, fazendo-a diferente da população geral.  

Em resumo, os achados do estudo de Winter-van Rossum et. al. não evidenciam uma vantagem das medicações de depósito em pacientes com esquizofrenia em um estágio inicial visando evitar descontinuação das medicações.

 

Este artigo foi produzido em parceria com a Elsevier, utilizando os conteúdos baseados em evidências disponíveis na plataforma ClinicalKey. Clique aqui para saber mais.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Winter-van Rossum I, Weiser M, Galderisi S, Leucht S, Bitter I, Glenthøj B, Hasan A, Luykx J, Kupchik M, Psota G, Rocca P, Stefanis N, Teitelbaum A, Bar Haim M, Leucht C, Kemmler G, Schurr T; EULAST Study Group; Davidson M, Kahn RS, Fleischhacker WW. Efficacy of oral versus long-acting antipsychotic treatment in patients with early-phase schizophrenia in Europe and Israel: a large-scale, open-label, randomised trial (EULAST). Lancet Psychiatry. 2023 Mar;10(3):197-208. doi: 10.1016/S2215-0366(23)00005-6. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2215036623000056