Cannabis na prática clínica: além da epilepsia

O interesse científico em torno do uso na cannabis na prática clínica aumentou nos últimos anos. Veja as possibilidades de tratamento.

O uso da cannabis como potencial terapêutico na abordagem de patologias é conhecido há séculos, contudo, nos últimos 10 anos, o interesse científico se faz de maneira contínua na tentativa de novas descobertas como a terapia canábica.

Os canabinóides podem ser utilizados por via oral, sublingual, inalado, e podem ser classificados em fitocanabinoides (derivados da cannabis) ou canabinóides sintéticos(2). Dessa forma, descobertas nos últimos anos puderam incluir os canabinoides como substância com potencial anticonvulsivo.

Assim, um grande aliado no tratamento da epilepsia. Essa patologia é caracterizada por uma alteração cerebral com consequente presença de crises convulsivas periódicas e imprevisíveis, com impacto em diversos aspectos na qualidade de vida dos pacientes.

Na tentativa de controle da patologia, hoje existem mais de 20 medicamentos para tratamento, contudo, a despeito de uma gama considerável de medicações com mecanismos de ação distintos, ainda pacientes possuem controle não regular da patologia, principalmente em síndromes com epilepsia refratária (1).

O que se sabe sobre Cannabis e outras patologias?

A despeito do potencial terapêutico diverso, o uso da cannabis em epilepsia foi revolucionado com a publicação de dois grandes ensaios clínicos no New England Journal of Medicine (2,3), em pacientes portadores de Síndrome de Dravet e Síndrome de Lennox-Gastaut.

Em ambos os trabalhos, pacientes com síndromes epilépticas de difícil controle foram randomizados, com significância estatística, hoje sendo um tratamento reconhecido e recomendado para tratamento da epilepsia.

Isso fez com que grande parte da aplicabilidade da cannabis fosse voltada a essas indicações. Contudo, novos estudos clínicos vêm confirmando os potenciais terapêuticos da cannabis. Principalmente quando falamos do tratamento de distúrbios ansiosos são promissores.

Exaustão emocional e sintomas de burnout

Em um ensaio clínico randomizado, publicado no periódico JAMA, foi proposto avaliar a segurança e eficácia da terapia com CBD para a redução da exaustão emocional e sintomas de burnout entre profissionais de saúde da linha de frente ao combate à pandemia de COVID19.

Os pacientes elegíveis foram randomizados, de modo que o grupo intervenção recebeu 300mg de CBD (150mg duas vezes ao dia).

Ambos os grupos, intervenção e grupo controle mantiveram a terapia padrão com acompanhamento psiquiátrico/ psicológico, além de serem encorajados a prática de exercícios físicos.

Após reavaliações e levantamento de questionários respondidos pelos pacientes, resultados apontaram uma redução de 60% nos sintomas de ansiedade, 50% nos de depressão e 25% de burnout entre os voluntários que fizeram o tratamento padrão mais o uso do canabidiol em comparação com aqueles que só fizeram o tratamento padrão(4).

Diversos estudos com CBD e ansiedade já foram publicados, desde estudos observacionais com marcadores em neuroimagem (como SPECT) bem como em ensaios clínicos. Usualmente a dosagem varia entre 50-400mg, com estudos mostrando dosagens até 600mg em transtornos ansiosos. Os pacientes são acompanhados principalmente em relação a função hepática no início do tratamento, com dosagem de marcadores de função e lesão hepática geralmente após primeiro mês do tratamento.

CBD no combate da dor

No campo da dor, também novas evidências têm confirmado benefícios da terapia canábica. A abordagem da dor, principalmente no paciente oncológico, ainda é um desafio.

Em um ensaio clínico com pacientes oncológicos refratários a opióides potentes avaliou 43 indivíduos intervindo com associação de THC/CBD por spray em mucosa oral. Após a análise dos questionários, nos domínios “gravidade de dor” e “pior dor”, houve redução estatisticamente significativa nos pacientes em uso da associação dos canabinóides. Da mesma forma, em questionários de qualidade de vida, houve melhora significativa  da linha de base nos domínios de insônia, dor e fadiga(5).

Para os pacientes com indicação do uso da cannabis para abordagem da dor (como pacientes refratários as terapias antiálgicas com analgésicos e opiácios por exemplo) orienta-se um titulação lenta, com preparação predominante em THC ( ou proporção equivalentes CBD/THC)(7). Nesse perfil de pacientes, pode-se usar:

  • Dias 1–2: equivalente a 2,5 mg de THC (pode começar com 1,25 em caso de pacientes idosos).
  • Dias 3–4: se a dose anterior for tolerada, aumentar 1,25–2,5 mg de THC
  • Dias 5–6: continue a aumentar 1,25–2,5 mg de THC a cada 2/3 dias, lembrando que doses excedentes a 30mg/d podem aumentar os efeitos colaterais desses pacientes

O uso da cannabis medição é bastante segura, e os efeitos colaterais, na maioria autolimitados, são bem tolerados pelos pacientes. Dentre eles, destacam-se boca seca, fadiga, náuseas, vertigem por exemplo. Alterações de função hepática podem ocorrer, visto metabolização pelo citocromo P450. Dessa forma, faz-se necessário o acompanhamento da função hepática no início do tratamento.

Considerações na prescrição

Os produtos de Cannabis, após autorizados pela Anvisa, são comercializados em farmácias e drogarias. Para que você tenha acesso a eles, é preciso conversar com o médico responsável pelo seu tratamento e adquirir um dos dois tipos de receita. São elas:

– Tipo B (cor azul) — produtos de Cannabis com THC até 0,2%

– Tipo A (cor amarela) — produtos de Cannabis com THC acima de 0,2%.

Vale sempre ressaltar que a prescrição dos produtos de Cannabis é restrita aos profissionais médicos legalmente habilitados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), independentemente das especialidades médicas.

Para os processos de importação da medicação, vigente pela operação 335, mediante a prescrição médica feita por profissionais legalmente habilitados, todo produto à base de Cannabis medicinal importado deve passar obrigatoriamente pelo seguinte processo:

1) Com a prescrição em mãos, o paciente ou responsável deverá acessar o portal de serviços do Governo Federal, preencher a solicitação de importação e anexar os documentos exigidos. A Anvisa, então, emitirá uma aprovação no prazo de até cinco dias úteis e com validade de seis meses.

2) Após a autorização, é possível fazer a compra do produto. É enviado ao paciente o orçamento de acordo com a formulação e quantidade prescrita. Aprovado o orçamento, os fornecedores, como a Ease Labs, poderão solicitar a importação do produto especificado na receita.

3) Toda a documentação é enviada à transportadora, que passará pelo processo de fiscalização feito pela alfândega, Polícia Federal e Anvisa, em seus postos localizados nos aeroportos, portos e fronteiras.

4) Diante da liberação dos órgãos competentes, o produto será entregue diretamente na casa do paciente.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
    1. Pohlmann-Eden B, Weaver DF. The puzzle(s) of pharmacoresistant epilepsy. Epilepsia. 2013 May;54 Suppl 2:1-4. doi: 10.1111/epi.12174.
    2. Whiting, P. F., Wolff, R. F., Deshpande, S., Di Nisio, M., Duffy, S., Hernandez, A. V., ... & Kleijnen, J. (2015). Cannabinoids for medical use: a systematic review and meta-analysis. Jama, 313(24), 2456-2473.
    3. Devinsky, O., Patel, A. D., Cross, J. H., Villanueva, V., Wirrell, E. C., Privitera, M., ... & Zuberi, S. M. (2018). Effect of cannabidiol on drop seizures in the Lennox–Gastaut syndrome. New England Journal of Medicine, 378(20), 1888-1897.
    4. Devinsky, O., Cross, J. H., Laux, L., Marsh, E., Miller, I., Nabbout, R., ... & Wright, S. (2017). Trial of cannabidiol for drug-resistant seizures in the Dravet syndrome. New England Journal of Medicine, 376(21), 2011-2020.
    5. Hazekamp  A, Ware  MA, Müller-Vahl  KR, Abrams  D, Grotenhermen  F.  The medicinal use of cannabis and cannabinoids—an international cross-sectional survey on administration forms.  J Psychoactive Drugs. 2013;45(3):199-210.
    6. Johnson JR, Lossignol D, Burnell-Nugent M, Fallon MT. An open-label extension study to investigate the long-term safety and tolerability of THC/CBD oromucosal spray and oromucosal THC spray in patients with terminal cancer-related pain refractory to strong opioid analgesics. J Pain Symptom Manage. 2013 Aug;46(2):207-18. doi: 10.1016/j.jpainsymman.2012.07.014. Epub 2012 Nov 8. PMID: 23141881.
    7. MacCallum, Caroline A., and Ethan B. Russo. "Practical considerations in medical cannabis administration and dosing." European journal of internal medicine 49 (2018): 12-19.

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